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Matérias / Personagem

'Irmão dos pobres': A saga de Dom Hélder Câmara contra o Golpe de 64

Defensor dos Direitos Humanos, o religioso foi acusado de ser comunista e chegou a ser boicotado pelos militares para não ser eleito Nobel da Paz

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 25/03/2021, às 10h48 - Atualizado em 30/03/2023, às 16h37

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O arcebispo Dom Hélder Câmara - Reprodução/Vídeo
O arcebispo Dom Hélder Câmara - Reprodução/Vídeo

Um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CBBB), Dom Hélder Câmara também teve um papel importante muito além da Igreja Católica, se tornando um importante defensor dos Direitos Humanos após o Golpe Militar de 1964 — instaurado em 31 de março de 1964, há 59 anos. 

Acusado de ser demagogo e comunista pelos militares, o religioso foi impedido de manifestar publicamente. “Se dou pão aos pobres, todos me chamam de santo. Se mostro por que os pobres não têm pão, me chamam de comunista e subversivo”, costumava dizer, segundo aponta o portal Memórias da Ditadura.  

O presbiterado 

Nascido em 7 de fevereiro de 1909, Hélder era um dos 12 filhos da professora primária Adelaide Pessoa Câmara e do jornalista e crítico teatral João Câmara Filho. Sua vida religiosa começou logo cedo, aos 14 anos, quando ingressou no seminário arquidiocesano da cidade. 

Hélder Câmara falando ao agrupamento integralista de Belém, em março de 1934/ Crédito: Wikimedia Commons

Em 1931, aos 22, foi ordenado como padre. No ano seguinte, Hélder organizou a Juventude Operária Cristã, que tinha ligação com a Legião Cearense do Trabalho (LCT). Naquele mesmo ano, a LCT se aliou à Ação Integralista Brasileira — uma organização política criada em 1932 pelo escritor e teólogo Plínio Salgado, que tinha como inspiração o fascismo italiano e o integralismo de Portugal, conforme mostra matéria divulgada pela equipe do site do Aventuras na História.  

Quando Câmara recebeu a solicitação para se afastar da LCT, ela já havia se tornado um partido político, conforme aponta matéria do jornal O Globo, que mostra que, anos depois, o próprio Dom Hélder consideraria a ligação com o integralismo “um erro de juventude”.  

Conhecido por sua capacidade de articulação, o religioso foi transferido para o Rio de Janeiro, em 1936, onde tinha o objetivo de implantar o ensino religioso nas escolas. Ainda na Cidade Maravilhosa, inclusive, Câmara ajudou a criar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952.  

Três anos depois, acabou sendo promovido a arcebispo-auxiliar do Rio e, no ano seguinte, ajudou a criar a Cruzada de São Sebastião, que tinha o intuito de “urbanizar, humanizar e cristianizar” as favelas da cidade, como aponta O Globo. 

Dom Hélder contra a Ditadura 

No dia 12 de março de 1964, pouco mais de duas semanas antes do Golpe de 31 de março, Dom Hélder foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife, no dia 12 de março de 1964. Em 3 de abril, segundo o portal Memórias da Ditadura, ele publicou um manifesto em apoio a ação católica operária no Recife. 

Desde então, assumiu uma postura em defesa dos presos políticos e da liberdade de expressão; além de abominar a tortura que parte da população foi submetida — apesar dos militares terem negado qualquer forma de violência contra opositores. 

Foi justamente por esse seu posicionamento que Câmara passou a ser acusado pelos militares, e também por uma ala mais conservadora do clero, de disseminar atividades comunistas. Como cita matéria do O Globo, nesse período ele chegou a ser chamado de “bispo vermelho”. 

Além disso, o regime também o proibiu de se manifestar publicamente. Em 1968, com a implantação do Ato Institucional nº5, o AI-5, o governo passou a considerá-lo um “morto-vivo”, como explica o Memórias da Ditadura.  

Ou seja, os meios de comunicação não poderiam citá-lo e nem publicar qualquer matéria que tivesse ligação com ele, além disso, Dom Hélder também foi impedido de frequentar as universidades do país.  

Segundo Nelson Piletti e Walter Praxedes, autores de "Dom Hélder Câmara - entre o poder e a profecia", o Governo Médici organizou até mesmo uma campanha para que Dom Hélder Câmara não fosse eleito para o Nobel da Paz, em 1972. De acordo com os escritores, os chefes das Forças Armadas tinham medo de que, com o prêmio, uma liderança oposicionista pudesse se fortalecer.   

Entretanto, isso não impediu que, no exterior, Câmara participasse de palestras em universidades e até mesmo em outras comunidades católicas, onde passou a denunciar o desrespeito aos direitos humanos cometidos pelos militares. 

Ainda na Europa, foi aplaudido de pé após um discurso no Palácio dos Esportes, na França, em maio de 1970. Na sua volta ao Brasil, porém, foi impedido de realizar qualquer tipo de discurso público.  

Além disso, segundo relata O Globo, foi acusado por muitos, inclusive pelo sociólogo Gilberto Freyre, autor de “Casa grande e senzala”, de se aliar ao comunismo. Quando completou 76 anos, em 1985, deixou a arquidiocese e continuou vivendo em Recife, em uma casa simples.  

Quando João Paulo II visitou o Brasil, em 1997, Câmara recebeu um cumprimento especial dele na Catedral da Arquidiocese, no Centro. Na ocasião, foi chamado de “irmão dos pobres” pela figura mais importante da Igreja Católica. Dom Hélder Câmara faleceu dois anos depois, aos 90 anos, vítima de uma insuficiência respiratória.