No dia 24 de julho de 1911, Bingham e sua equipe descobriram a cidade perdida. Até hoje não se sabe por que os Incas a abandonaram
Uma barra de bronze pintada de amarelo. Foi o prêmio que Hiram Bingham III, professor assistente de história latino-americana da Universidade de Yale, recebeu depois de 2 meses de busca frustrada a um tesouro, proposta pelo prefeito do Vale do Apurimac.
Na viagem em lombo de mula, em 1909, o arqueólogo percorreu desfiladeiros a 3 mil metros de altitude, cruzando o rio Apurimac em pontes improvisadas, para encontrar nos Andes as ruínas abandonadas de Choquequirao (Berço do Ouro, na língua usada pelos incas e várias etnias sul-americanas, como os quíchuas).
Os 8 dias de escavações na cidade inca de 15 mil habitantes não trouxeram tesouro algum. Mas os picos nevados perto dali “me tentaram a ver o que existia mais adiante”, escreveu Bingham em Lost City of the Incas. Foi assim que o professor começou a jornada que o levaria a descobrir Machu Picchu — a cidade sagrada abandonada pela civilização pré-colombiana ainda não se sabe por quê.
Bingham voltou aos Estados Unidos, pesquisou documentos do século 16, relatos de viajantes e, em 1911, organizou mais uma expedição da Universidade de Yale. O objetivo inicial era encontrar nos Andes o que então era o maior mistério do império inca: Viticos e Vilcabamba la Vieja, as 2 capitais desaparecidas desde o assassinato do último imperador, Tupac Amaru, em 1572.
Aos 35 anos, Bingham tinha agora uma equipe muito maior, composta por geólogo, naturalista, cirurgião, topógrafo, engenheiro e assistente. Em julho, partiram para o Vale Sagrado, ao longo do rio Urubamba, com 3 guias, 50 muleiros quíchuas e 120 animais. A expedição seguiu 57 km a noroeste de Cuzco até Urubamba. Apesar dos insetos e da altitude, a viagem foi tranquila. Para o explorador, não era de estranhar que esse tenha sido o lugar favorito dos incas.
Resistência
Depois seguiram mais 19 km até Ollantaytambo, antiga cidade militarizada, a partir da qual Manco Inca liderou a resistência contra os invasores espanhóis. O rei venceu ali uma batalha em 1537 contra as tropas dos irmãos Juan e Hernando Pizarro, mas decidiu abandonar a cidade por causa de sua vulnerabilidade geográfica. Cortou todas as pontes da região e refugiou-se nas montanhas. Os espanhóis não conseguiram levar adiante sua expansão — e Machu Picchu permaneceu intacta.
A 2.792 metros de altitude, a expedição descansou por um dia, explorando com entusiasmo a fortaleza de pedras monumentais e os jardins e campos cultivados por nativos.
A partir da localidade de Salapunco, viram o vale fértil transformar-se num fechado cânion: “Encontramos grandes despenhadeiros de granito e precipícios cobertos de vegetação. Entramos em uma região fascinante, onde nos sentimos surpreendidos e encantados com a extensão de antigas áreas terraplanadas, a presença de muitas ruínas, a beleza dos profundos e estreitos vales e a grandiosidade de montanhas cobertas de neve”, escreveu Bingham.
A caravana avançava lentamente e as mulas só se arriscavam após testar a firmeza do solo. À frente, no encontro dos rios Pampacahuana e Urubamba, na localidade de Qquente, o topógrafo Hermán Tucker cruzou o Urubamba e visitou as ruínas do outro lado do rio. A empreitada durou alguns dias, até Tucker voltar com 6 ruínas catalogadas, a maior delas com cerca de 100 construções.
Ao ouvir o relato do topógrafo, Bingham se perguntou: “Em que data floresceram essas cidades e aldeias, quem as construiu e por que foram abandonadas? Os indígenas que vivem nos arredores ignoram sua história ou guardam silêncio sobre elas?”.
Segundo a historiadora Marta Calderón, da Universidade Nacional de San Antonio Abad del Cuzco, essas questões ainda não foram respondidas. E as escavações atuais nos vilarejos próximos a Machu Picchu só acrescentam perguntas.
Quando a expedição chegou às ruínas de Torontoy (a 91 km de Cuzco), os carregadores quíchuas se recusaram a atravessar o rio: o desfiladeiro adiante tem 20 km de extensão e mil metros de profundidade. Os professores seguiram a pé. Era o 12º dia de viagem.
Suas mãos e seus rostos estavam dilacerados pelos espinhos e pelas folhagens da mata fechada. Os corpos, cobertos de picadas. Enquanto dormiam, foram surpreendidos por uma chuva torrencial. A enxurrada arrastou as tendas e a expedição foi obrigada a se abrigar numa choça de palha apodrecida de um conhecido dos guias, perto da beira do rio.
A descoberta
Os professores foram acordados pelo proprietário da choça, Melchior Arteaga. Depois de uma conversa tensa, em quíchua, entre ele e os guias, o fazendeiro admitiu contar onde estava a cidade inca — desde que recebesse por isso — e apontou o dedo para cima. Os professores, sem entender palavra, olharam para a montanha de Machu Picchu, a 3.140 m de altitude.
Na manhã de 24 de julho de 1911, Bingham convenceu Arteaga a subir a montanha. Depois de 7 horas, foram recebidos por 2 nativos carregando cabaças com água. Bingham viu que os indígenas plantavam batatas, pimentões e tomates em terraços artificiais, mas não notou que estava no setor agrícola de Machu Picchu.
Entre goles d’água, mirou o imponente Huayna Picchu, ainda sem ver as ruínas escondidas na mata — até que decidiu perguntar a um garoto pela tal cidade mítica. O menino o levou por terraços, acompanhando um duto de água, e Bingham notou uma infinidade de muros e casas.
Estava na cidade de Machu Picchu. Com as ruínas cobertas por vegetação, era difícil entender a dimensão do complexo. Bingham notou o fino acabamento do Templo do Sol, mas reclamou: “Não é isso o que procuro”. E realmente não era.
A cidade não reluzia a ouro como ele gostaria. Ele seguiu com a expedição por mais um mês na busca de Viticos e Vilcabamba la Vieja, mas só encontrou mais ruínas. Só no fim da expedição, percebeu que aquele era seu maior achado. Bingham passou a vida buscando a explicação para o abandono da cidade. Resposta que a ciência ainda levará muito tempo para encontrar — ou nunca saberá.