O funeral de Manfred Von Richthofen foi realizado por soldados e oficiais britânicos e sobre seu túmulo foi depositada uma enorme coroa de flores com os dizeres: ao nosso corajoso e digno inimigo
Em 26 de agosto de 1914, em Rozelieures, na região de Lorena, fronteira com a Alemanha, Joseph Caillat, soldado do 54.º batalhão de artilharia do exército da França, escreveu: “Nós marchamos para frente, os alemães recuaram. Atravessamos o terreno em que combatemos ontem, crivado de obuses, um triste cenário a observar. Há mortos a cada passo e mal podemos avançar sem passar sobre eles, alguns deitados, outros de joelhos, outros sentados e outros que estavam comendo. Os feridos são muitos e, quando vemos que estão quase mortos, nós acabamos o sofrimento a tiros de revólveres”.
Quando o soldado francês escreveu a carta a seus familiares, a Europa estava em guerra havia exatos 32 dias e o consenso era de que o conflito não duraria muito tempo.
Ledo engano. Durou muito, tanto quanto o suficiente para novas tecnologias bélicas serem testadas, o avião reivindicar seu posto como uma das mais mortíferas armas concebidas pelo homem e homens se tornarem lendas.
Venham comigo, pelos caminhos da história, conhecer um dos pilotos mais admirados e respeitados do mundo, cujo belo avião vermelho lhe deu o mais celebrado epíteto de todos os tempos.
Extremamente eficiente em combate, na guerra, o avião criou novas possibilidades táticas em combate e como meio de observação à longa distância. Entre 1914 e 1918, era o braço longo dos exércitos. Atacava o inimigo do alto, antecipava movimentos de tropas dias antes delas alcançarem seus objetivos.
Em uma guerra em que os soldados ficavam, muitas vezes, centenas de dias entrincheirados, lutando pela conquista de pequenos pedaços de território, sujeitos à mira dos atiradores, fome e às doenças, o avião deu início à uma nova era, uma era veloz, revolucionária e letal, não obstante, fossem escassos os pilotos.
Mas enquanto muitos ainda aprendiam a domar os aviões, havia um homem que nascera com um talento nato para pilotar máquinas voadoras.
O alemão Manfred Von Richthofen era um freiherr – senhor livre –, um título de nobreza frequentemente traduzido do alemão como barão. Nascido em Breslau, no então Império Alemão, Richthofen descendia de uma longa linhagem de militares e aristocratas.
Tinha apenas 22 anos de idade quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Era um oficial de reconhecimento da cavalaria e entrou em ação na Rússia, França e Bélgica. Porém, nas guerras de trincheiras, as operações de seu regimento se tornaram ineficientes e obsoletas.
Seu grupo foi extinto e daquele momento em diante passaria a servir como entregador de correspondência e operador de telefone. No início de 1915, pediu transferência para o setor de suprimentos do exército, onde se interessou pela aviação. Nova transferência e chegou ao Serviço Aéreo Imperial Alemão, onde seu talento despontou.
Em apenas 3 meses, Richthofen obteve a formação de piloto e partiu para a frente de batalha. Tinha apenas 24 anos de idade e já havia abatido 52 aeronaves quando alcançou a patente de capitão e líder da melhor esquadrilha de caça da Alemanha, a 11º Jasta.
Passou a ser conhecido como Barão Vermelho, dada a cor de suas aeronaves. Temido e respeitado pelos inimigos, Richthofen era um estrategista notável e ótimo atirador. Geralmente atacava de cima para ter a vantagem do sol atrás. Em novembro de 1916, abateu seu oponente mais famoso, o ás britânico Major Lanoe Hawker.
Passou a voar, então, com uma aeronave triplana Fokker DR1, o avião com o qual ele é normalmente associado, e cuja tecnologia ajudou a aperfeiçoar com sugestões para superar as muitas deficiências da época.
O filme O Barão Vermelho (2008), estreado por Joseph Fiennes e Mathias Schweighofer, traça um perfil bem detalhado do aviador, muito embora, romantize algumas de suas mais famosas proezas, como a de sobrevoar o funeral de um piloto inglês, para atirar uma coroa de flores com os dizeres “Para nosso amigo e inimigo” sobre a campa aberta do capitão Walker, numa demonstração de respeito, habilidade e coragem.
Mas, mesmo Ícaro encontrou seu fim na presunção de tocar o Sol.
Em 21 de abril de 1918, o Barão Vermelho envolveu-se em um combate com alguns biplanos ingleses, sobre o rio Somme, ao norte da França. Enquanto perseguia um avião, era perseguido por outro, pilotado por um canadense, o capitão Roy Brown, a quem atribui-se o abate do temível piloto alemão.
Mas existe muita discussão sobre a morte de Richthofen. Muitos artilheiros australianos, entrincheirados na mesma região, garantem ter disparado contra o alemão enquanto ele se esquivava das balas canadenses. Nesse caso, se digno de crédito, o abate foi feito pelo sargento australiano Cedric Popkin.
Além da disputa do mérito pelo abate, após a queda, houve disputa pelas peças de seu avião que foi depenado por saqueadores. Seu corpo, no entanto, teve final mais digno.
O funeral do Barão Vermelho foi realizado por soldados e oficiais britânicos. Seu caixão foi carregado por ases britânicos e sobre seu túmulo foi depositada uma enorme coroa de flores com os dizeres: “Ao nosso corajoso e digno inimigo”.
M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.
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