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Matérias / Brasil

Hospital Colônia de Barbacena: Os horrores do Holocausto brasileiro

A instituição cruel mantinha seus pacientes sob condições desumanas e já foi taxado como um campo de concentração nazista

Isabelly de Lima Publicado em 23/02/2024, às 13h09

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Um dos pacientes do Manicômio de Barbacena - Divulgação/Luiz Alfredo
Um dos pacientes do Manicômio de Barbacena - Divulgação/Luiz Alfredo

O Hospital Colônia de Barbacena, outrora um refúgio para os enfermos mentais, se tornou um símbolo de horror e abuso no Brasil. Fundado em 1903, o manicômio chegou a abrigar mais de 5 mil pacientes em condições precárias e desumanas.

Ao longo de sua história, o hospital foi palco de negligência médica, superlotação, violência e até mesmo torturas. Os pacientes eram frequentemente submetidos a eletrochoques sem anestesia, lobotomias, medicação em excesso e isolamento. A falta de higiene e alimentação adequada também contribuiu para a alta mortalidade no local.

Barbacena, cidade historicamente dominada pela família Andrada e que almejava se tornar a capital de Minas Gerais, teve seu destino alterado pelo surgimento de um manicômio em 1903.

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Capa do livro de Daniela Arbex sobre o manicômio de Barbacena - Divulgação / Editora Intrínseca

O local se tornou o maior do Brasil e marcou a história da cidade de forma trágica, como descrito por Daniela Arbex em seu livro "Holocausto Brasileiro". Confira detalhes sobre a história, que não pode ser esquecida.

Condições desumanas

A jornalista relata que os pacientes chegavam à cidade em trens de carga e eram submetidos a condições desumanas, passando por processos de desinfecção, raspagem de cabeça e uniformização, em uma experiência comparada por Daniela ao Holocausto Judaico, embora em uma escala diferente. A expressão "trem de doido" surgiu nesse contexto, uma referência aos trens que levavam os pacientes para o manicômio.

Guimarães Rosa mencionou essa expressão em seu conto "Soroco, sua mãe, sua filha". Apesar de os trens terem sido substituídos e hoje transportarem apenas cargas, os vestígios dessas viagens ainda são perceptíveis na cidade.

"A maior dificuldade na investigação do Hospital Colônia foi conseguir fazer com que os funcionários falassem sobre o que eles viveram. Diferentemente dos sobreviventes, que nunca tinham sido procurados e tinham muita vontade de falar, eles se sentiram ameaçados pelo meu trabalho. É como se eles não quisessem enxergar o tamanho da tragédia da qual fizeram parte e aí foi um processo longo para que eu conseguisse quebrar essa barreira", explicou a jornalista e escritora em entrevista à Colab, da PUC Minas.

O tratamento nos manicômios era muitas vezes cruel, com o uso indiscriminado de choques elétricos, mesmo sem prescrição médica. Daniela Arbex destacou em uma reportagem do GloboNews, em 2013, que apenas 30% dos pacientes tinham diagnóstico de doença mental, enquanto homossexuais, militantes políticos e mulheres que perderam a virgindade antes do casamento também eram enviados para o local.

Segundo a escritora, muitas das 60 mil mortes que ocorreram lá, de acordo com o G1, foram graças ao o tratamento com choques elétricos, ministrados sem nenhuma prescrição médica.

Foi usado como forma de contenção e intimidação. Hoje ainda se prescreve eletrochoque para determinados tipos de doença, mas o Conselho Federal de Medicina é claro quando diz que precisa ter anestesia, a pessoa precisa tomar remédios para minimizar os impactos. Acho que aí caracteriza claramente como tortura, porque as pessoas recebiam eletrochoque a seco”, disse Daniela.

Limpeza social

A cultura higienista da época, que buscava uma suposta limpeza social, contribuiu para a manutenção desses tratamentos desumanos, mesmo com a presença frequente da imprensa no local. Daniela ressalta que, mesmo atualmente, hospitais psiquiátricos são fechados por funcionarem de maneira semelhante a minicolônias, indicando que o problema persiste.

Um dos pacientes do hospital - Luiz Alfredo/Revista O Cruzeiro

Apesar disso, o Brasil passou por transformações no tratamento de transtornos mentais ao longo do século, com uma reforma no sistema de atendimento. Elzinha, sobrevivente do manicômio de Barbacena, foi internada ainda menina em uma instituição para menores na cidade de Oliveira. Quando adulta, foi transferida para Barbacena.

Elzinha disse ao veículo, em 2013, que nunca chegou a ficar trancada em uma cela ou recebeu choque, mas viu outros pacientes serem castigados de diversas formas. Ela nunca recebeu visitas de familiares.

"Queria que minha família viesse aqui só para me ver, para ver que eu estou boa. Não é para eu ir embora com eles, não. Não sei porque me internaram criança. Eu não fiz nada com Deus, não fiz nada com eles”, afirmou.

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Funcionamento atual

Barbacena conta atualmente com residências terapêuticas em funcionamento, buscando integrar os pacientes na sociedade. No entanto, há desafios a serem superados no país, como a necessidade de maior reconhecimento dos direitos humanos para os portadores de transtornos mentais.

Pacientes deixando as obras da Colônia de Barbacena - Domínio público

Atualmente, o hospital de Barbacena passou por transformações. Conforme a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), o local investiu, recentemente, aproximadamente R$ 140 mil para ampliar o Ambulatório de Saúde Mental e Especialidades, que também conta com sete salas para atendimento de neurologia e psiquiatria. Também foram feitas melhorias em estruturas e equipamentos.