4 mil anos atrás, a avançada civilização em Creta era confrontada por brutais invasores — os futuros gregos
Os ancestrais mais antigos do povo grego de que se tem conhecimento são os pelágios. O nome significa aqueles que navegam em alto mar. Desde o terceiro milênio antes de Cristo, eles foram se instalando em toda a península balcânica, incluindo a enorme ilha de Creta. Viviam da caça, da pesca e de uma agricultura rudimentar.
Por volta de 2000 a.C., a cidade de Cnossos (em Creta) despontou com seus imensos palácios. Mais tarde, dominou política e economicamente toda a ilha. Uma das características da civilização cretense era a igualdade social entre homens e mulheres.
Cerca de 500 anos depois, chegavam grupos indo-europeus — aqueus, jônios e eólios. Em um século, eles derrubaram o poder de Cnossos e das mulheres. As cidades de Tirinto, Argos e principalmente Micenas entravam em ascensão — por isso o período é conhecido como micênico.
Lá pelo ano de 1200 a.C., uma nova invasão provocou um rebuliço tão grande que balançou até o poderoso Egito, do outro lado do Mediterrâneo.
De nada adiantou construir palácios nas altas colinas da península do Peloponeso, no sul da Grécia, para impedir a invasão de inimigos. A sofisticada cidade de Micenas sucumbiu ao ataque de um povo primitivo que vinha da região central dos Bálcãs. Os dórios, que não dominavam a escrita nem tinham vocação comercial, arrasaram a civilização micênica. Era o fim da época de esplendor.
Mas foi a partir do choque entre esses dois povos antagônicos que, séculos depois, nasceria o que conhecemos hoje como civilização grega. Até os tempos da Guerra do Peloponeso, Esparta (e Corinto e outras cidades do sul) seriam identificadas como linguistica e culturalmente dóricas, enquanto Atenas falava o grego ático, um sub-dialeto do jônico.
A invasão
A razão da invasão dos dórios é um tema de controvérsia. “Não há registros que comprovem seus reais motivos”, explica Maria Regina Candido, professora de História Antiga da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Alguns arqueólogos acreditam que eles estariam fugindo de um possível resfriamento de suas terras. Outros dizem que os dórios partiram para conquistar outras cidades em razão do seu crescimento demográfico”, acrescenta.
Independentemente dos motivos, quando decidiram declarar guerra, os dórios, que, sem exagero, podem ser considerados os primeiros bárbaros da história, sabiam o que iriam encontrar. Os homens do Exército micênico estavam determinados a expulsar os invasores de qualquer forma.
Protegidos por pesadas couraças reforçadas com placas de estanho, receberam os forasteiros com arcos e pequenas lanças ornadas com cenas de caça, além de detalhes em ouro e prata. Muitos enfrentavam os inimigos montados em carros puxados por cavalos — peculiaridade militar da região.
Mas o que, a princípio, parecia se tratar de uma guerra de cartas marcadas transformou-se num pesadelo e num duelo desigual para os micênicos. A agilidade dos animais e a beleza de suas armas não foram suficientes para rechaçar a supremacia bélica dos dórios.
Apesar de usar armamentos e uniformes mais simples, os inimigos dominavam o manejo e a fabricação de armas de ferro, mais resistentes que os frágeis armamentos de bronze dos soldados micênicos. Mais uma vez a tecnologia decidia uma guerra.
Barbaridade
A vitória não demorou, e o saldo foi negativo para apenas um dos lados — para azar dos habitantes do Peloponeso. O cenário era desolador. No campo de batalha jaziam centenas de corpos degolados e pisoteados, a maioria de cidadãos micênicos. Os feridos agonizavam, muitos já sem braços. Pedaços de mãos misturavam-se a inúteis armas de combate. Nas cidades, além das ruínas das casas e dos palácios incendiados pelos invasores, restaram intactos apenas roupas e utensílios domésticos da população. O resto foi devidamente saqueado pelos truculentos dórios.
Com o colapso da sociedade micênica, a Grécia teria mergulhado em um período de obscuridade conhecido como Idade das Trevas. Estudos recentes afirmam que tal período nunca existiu, que tudo não passa de um “remendo” criado por historiadores contemporâneos na cronologia grega para fazer com que ela se adaptasse à cronologia egípcia, mais bem documentada.
Seja como for, as comunicações e as artes de Micenas foram brutalmente arrasadas pelos dórios, que as julgavam desnecessárias. A escrita, chamada de linear B, também desapareceu. Mas, sabiamente, os invasores assimilaram da cultura dominada as técnicas agrícolas e o desenvolvimento da cerâmica e da metalurgia. “Conforme foram estendendo seu domínio pela Grécia continental, eles instauraram o regime de cidade (pólis) em substituição ao de clã (famílias)”, conta a professora Maria Regina.
Cada cidade desenvolveu seu próprio sistema de governo, suas leis, sua moeda e até seu calendário. A cidade tornou-se a unidade básica do governo grego — como se cada cidade formasse um país. Foi assim que, no século 9 a.C., nasceram as bases da civilização grega. “Esparta e Atenas começaram a se impor às demais cidades-estados. O idioma e a religião foram unificados, e o culto aos deuses do Olimpo se propagou por toda a região”, conclui a historiadora. Uma invasão bárbara foi o embrião da Grécia antiga.
Um novo período começa em 776 a.C. com a realização dos primeiros Jogos Olímpicos. A Grécia era dividida em pequenas províncias com autonomia, em razão das condições topográficas da região — cada planície, vale ou ilha é isolada de outra por cadeias de montanhas ou pelo oceano. A atividade econômica tinha como base agrupamentos familiares, uma tradição trazida pelos aqueus. A terra, a colheita e o rebanho pertenciam à comunidade.
Ao mesmo tempo em que os dórios perdiam poder, a população crescia além de sua capacidade de produção nas terras cultiváveis. Alguns grupos passaram a manejar armas para dominar as melhores terras. Na base da força, acumularam riqueza e poder. Passaram a chamar a si mesmos de aristoi (os melhores).
A partir de 750 a.C., os gregos — provavelmente os mais pobres atrás de melhores condições de vida — iniciaram um longo processo de expansão, firmando colônias na Sicília, no sul da Itália, no sul da França, na costa da península Ibérica, no norte da África e nas costas do mar Negro.
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