A cerveja mais fraca, com os ditos adjuntos, tem uma complicada história, envolvendo a Lei Seca e a Segunda Guerra
Talvez no futuro alguém chame o que vivemos hoje de Grande Controvérsia da Cerveja. Tudo surge dos "adjuntos": cereais como milho e arroz que aumentam o teor alcóolico sem aumentar o corpo da cerveja. Em outras palavras, permitem que cerveja mantenha a mesma capacidade de embebedar tendo um sabor muito mais brando. E sendo muito mais barata.
Aqui no Brasil, os adjuntos foram defendidos veementemente por várias publicações. Nosso trabalho não é o de críticos de cerveja. O que vamos corrigir é o argumento de que cerveja com milho seria simplesmente natural para um país tropical. Que o calor pede por cerveja "refrescante" (ou aguada).
Talvez até seja. Mas a origem desse estilo em particular nada tem a ver com o Brasil. Veio de um país onde o inverno pode bater nos 50 graus negativos: os Estados Unidos da América.
Seu nome é American Pale Lager. Ao contrário de países como Alemanha, Inglaterra e Bélgica, que desenvolveram suas preferências ao longo dos séculos, os EUA não têm uma tradição cervejeira antiga. No início do século 19, as ales inglesas predominavam no país, mas a maioria das pessoas optava por tomar rum, uísque ou sidra. É uma situação parecida com a do Brasil onde, por influência ibérica, o vinho era o favorito, a cachaça como opção popular.
Por volta de 1830, as lagers se popularizaram nos EUA, levadas pelos imigrantes alemães. Lagers são cervejas fermentadas a frio, mais leves que as ales, fermentadas a temperatura ambiente. Em sua receita original, não levavam adjuntos.
Suave e pouco alcoólica, a lager passou a ser considerada uma bebida familiar, ideal para substituir os destilados e ajudar a diminuir problemas de alcoolismo e o consumo do álcool em geral.
Em 1870, foi levado para os EUA um novo tipo de lager: a pilsen, de origem checa. Mais clara e mais leve do que as cervejas que dominavam o mercado até então, a pilsen pareceu ao público mais saudável, justo na época em que nasciam as noções modernas de higiene.
Era perfeita para ser consumida durante o dia — inclusive por operários que trabalhavam em longos turnos e faziam uma pausa para beber, mas não podiam voltar bêbados para a fábrica.
A tendência pelo mais leve continou até o fim do século, quando os adjuntos (proibidos pela famosa Lei de Pureza de 1516) se tornaram comuns, um jeito de deixá-las ainda mais fracas e ainda mais baratas. Cervejas escuras e ales se limitavam a 15% do mercado.
A Lei Seca de 1920 selou o destino das cervejas tradicionais. Algumas cervejarias fecharam as portas, outras passaram a produzir cerveja sem álcool e refrigerantes, e litros da bebida foram confiscados e jogados fora.
O efeito causado foi o contrário do esperado – a lei gerou o aumento da criminalidade e o enriquecimento das máfias que dominavam o contrabando de bebidas. Segundo o economista Clark Warburton, o comércio ilegal fez com que o consumo de vinho e destilados aumentasse durante a Proibição.
Muitos jovens tiveram um primeiro contato com o álcool por meio dessas bebidas. Por outro lado, quase não foram expostos a qualquer tipo de cerveja, e não desenvolveram gosto especial por ela.
O fim da Lei Seca, em 1933, aconteceu em meio à Grande Depressão. Baratear com adjuntos se tornou necessidade. E logo depois, novamente, durante a Segunda Guerra.
O Brasil não teve lei seca, mas tem uma história muito parecida com a dos EUA em matéria adoção tardia, no século 19, por influência da imigração alemã.
No final do século, a refrigeração viável a fabricação de lagers nacionais. A concentração em duas grandes indústrias — Antarctica e Brahma — já estava consolidada nos anos 1930.
Fundadas na tradição alemã, as indústrias brasileiras mudaram para American Pale Lager por questões de custo e preferência (ou indfiferença) do consumidor. E, por aqui, nem havia a concorrência das ales tradicionais — ninguém nem tinha ouvido falar delas até alguns anos atrás.
E, assim, American Pale Lager virou sinônimo para simplesmente "cerveja". Não há uma data exata para a mudança — o que é natural, porque não é exatamente publicidade positiva, como todo o bafafá sobre milho versus cevada deixou bem claro.