'Harriet - O Caminho para a Liberdade' narra a história de Harriet Tubman, uma ex-escrava que tornou-se heroína ao salvar escravizados do Sul dos EUA
Publicado em 12/11/2024, às 14h30 - Atualizado em 13/11/2024, às 07h04
Nesta terça-feira, 12, a Sessão da Tarde, da TV Globo, exibiu o filme 'Harriet - O Caminho para a Liberdade', um drama ambientado nos Estados Unidos em meio à Guerra de Secessão norte-americana. A protagonista da história é Harriet Tubman, uma mulher que fugiu de onde era escravizada, e liderou diversas fugas que salvaram vários escravos ao longo do tempo.
"Harriet Tubman consegue escapar da escravidão e decide ajudar centenas de escravos a fugir do sul dos Estados Unidos durante a Guerra de Secessão norte-americana. Suas ações dão um novo direcionamento para a história e a ativista política se torna uma das maiores heroínas do país", narra a sinopse.
No filme, o telespectador confere cenas tensas, emocionantes e brutais, que podem levar muitos a questionar se é uma história real.
De fato, existiu uma mulher chamada Harriet Tubman, que marcou a história americana, que inspirou a criação dessa narrativa biográfica; no entanto, a roteirista e diretora Kasi Lemmons tomou algumas liberdades criativas para conceber ao filme.
Confira a seguir o que é fato e o que é ficção em 'Harriet - O Caminho para a Liberdade':
Assim como mostra o filme, Harriet Tubman (interpretada por Cynthia Erivo) cresceu em uma fazenda localizada no Condado de Dorchester, em Maryland, e teve como nome de nascimento Araminta “Minty” Ross.
No filme, ela assume o nome de Harriet Tubman somente quando conquista a liberdade, mas segundo o site da revista Slate, ela possivelmente passou a utilizá-lo quando se casou com John Tubman, um homem negro livre. "Harriet" foi tirado de sua mãe, Harriet Ross. Ainda assim, os donos de Harriet a chamavam pelo nome que lhe deram.
No começo do filme, vemos a protagonista e seu marido contratando um advogado para investigar um testamento deixado pelo bisavô de seu dono, Edward Brodess, que determinava que quando a mãe de "Minty" completasse 45 anos, ela e seus filhos seriam libertos. No entanto, Brodess não apenas se recusa a libertar Minty, sua mãe e sua irmã, e ainda proíbe John de visitá-la na plantação.
Até esse ponto, tudo condiz com a realidade. De fato, o casal contratou um advogado para analisar o testamento, e foi determinado que a mãe de Minty, assim como o pai de Tubman, deveriam ser libertos aos 45 anos.
Porém, a historiadora e consultora do filme, Kate Clifford Larson, explica que, na verdade, Harriet e seus irmãos só seriam libertados quando completassem 45 anos, e não seriam acompanhados da mãe
Logo na primeira cena do filme, Harriet Tubman passa por um de seus "feitiços", que a faziam frequentemente perder a consciência e, para ela, pareciam lhe dar visões de perigos próximos ou eventos futuros.
Assim como no filme, a mulher acreditava que essas visões eram como mensagens de Deus, mas, assim como o longa-metragem revela mais tarde, seriam, na verdade, resultado de uma lesão traumática.
Isso porque, quando era apenas uma adolescente, Tubman foi atingida na testa por um peso de pouco menos de um quilo, atirado por um capataz branco, que nos anos que se seguiram "a fazia cair frequentemente em um estado de sonolência do qual é quase impossível despertá-la", segundo a escritora Sarah Hopkins Bradford, que entrevistou a própria Tubman para dois livros que escreveu sobre ela, no século 19.
Também é teorizado por historiadores ao longo dos tempos que a mulher pode ter sofrido com condições como narcolepsia, epilepsia, ou até mesmo ambos.
Após Brodess negar a liberdade de Harriet e sua família, vemos uma cena em que a mulher reza pedindo pela morte de seu dono. Naquele momento, inclusive, o filho de Edward, Gideon (Joe Alwyn) a flagra fazendo as preces. Curiosamente, não demora para que Edward realmente morresse, o que enfurece Gideon, que considera que a mulher fez algum tipo de feitiçaria e a coloca à venda.
Para evitar ser comprada por algum senhor de escravos mais rigoroso, Harriet vê a necessidade de realizar uma fuga rápida da fazenda. Então, seu pai, um homem negro livre, a ajuda a entrar na Underground Railroad, uma rede secreta de rotas utilizadas pelos escravizados para escapar, com a ajuda de um pregador negro local — inspirado no ex-escravo, pregador e verdadeiro colaborador de Tubman, o Reverendo Samuel Green.
Após uma jornada de quase 160 quilômetros, finalmente Harriet conseguiu chegar em Filadélfia, onde poderia ficar em segurança e sem o receio de ser capturada de volta para a fazenda.
Na vida real, Harriet admitiu em um dos livros de Bradford que rezou pela morte de seu dono, mas é improvável que esse tenha sido o motivo para ter sido vendida. Em vez disso, assim como o filme mostra, a família Brodess lidava com problemas financeiros após a morte de Edward, então sua viúva, Eliza, planejava vender escravos para pagar dívidas.
Mas um detalhe que difere o filme da realidade é que, ao contrário da ficção, em que a mulher parte sozinha rumo à liberdade, inicialmente ela fugiu com dois de seus irmãos, que acabaram retornando para a fazenda por medo.
Edward e Eliza Brodess, de fato, tinham um filho, porém, ele não se chamava Gideon, mas sim Jonathan, do qual pouco se sabe historicamente. E, da mesma forma como o personagem foi criado para o filme, quase tudo que o envolve, bem como sua perseguição obstinada a Tubman, foi inventado em prol da narrativa.
Outra personagem ficcional, sem qualquer inspiração real, é Marie Buchanon, uma mulher negra livre e empresária bem-sucedida que acolhe Harriet Tubman, ensinando-a a viver como uma mulher livre.
Logo quando chega na Filadélfia, Harriet conhece o abolicionista negro e condutor da Underground Railroad, William Still (Leslie Odom Jr.), que a ajuda a se estabelecer na cidade e, eventualmente, a induz como condutora da Underground Railroad. Ele também é inspirado em uma figura real.
William Still era um dos empresários negros mais bem-sucedidos de sua cidade, e também um dos condutores mais ocupados da Underground Railroad, sendo o responsável por ajudar centenas de escravos fugitivos.
Da mesma forma como o filme mostra, Still realmente manteve registros de todas as pessoas que ajudou a escapar da escravidão, bem como dos horrores que suportaram. No entanto, não há qualquer evidência de que ele tenha recebido Tubman quando chegou na Filadélfia.
No filme, Harriet retorna para onde cresceu um ano após sua fuga, dessa vez com a intenção de resgatar seu marido, que, embora fosse um homem livre, ainda era restringido pelos caprichos dos brancos. No entanto, quando chega lá, ela descobre que John se casou com outra mulher e esperava um filho com ela.
Enquanto ainda digere a notícia, o pai de Harriet a encontra e pede para que ela ajude seus irmãos e alguns aspirantes a fugitivos a escapar para o norte, pois, os Brodess ainda planejavam vendê-los para quitar as dívidas. Inclusive, para levar alguns de seus companheiros, ela chega a apontar uma arma para eles, ameaçando-os caso decidam voltar à fazenda.
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Realmente, John se casou no tempo que Harriet esteve ausente, mas esse não foi o primeiro resgate que ela fez. Antes de voltar para tentar buscar o marido, ela resgatou sua sobrinha, Kessiah Jolley Bowley, e os dois filhos dela em Baltimore, ao lado do marido livre de Kessiah, John.
Já sobre Harriet Tubman ocasionalmente apontar a arma para aqueles que tentava resgatar, isso também é verdade. Tanto no filme quanto na vida real, ela frequentemente utilizava a frase "você será livre ou morrerá", para impedir que alguns desistam da fuga por medo. Ao todo, estima-se que ela tenha resgatado cerca de 70 escravizados.
Em uma das cenas finais do filme, Harriet é mostrada dois anos após o início da Guerra Civil — que, após o fim, decretou também a abolição da escravidão no país —, discursando em frente a um batalhão de soldados negros antes da operação conhecida como "Combahee River Raid", onde liderou um grupo com 150 soldados em uma expedição para destruir o suprimento das tropas confederadas, além de resgatar 750 fugitivos capturados.
No posfácio do filme, é informado que ela foi a primeira mulher a liderar um ataque militar armado no país, e também que serviu durante a guerra como espiã e enfermeira, por exemplo.
Segundo Milton Sernett, professor de história da Universidade de Syracuse, ela realmente cumpriu todas essas funções na guerra, mas "as alegações de que ela foi a primeira mulher general e comandou um ataque são ilusões", repercute o site da revista Slate.
De qualquer forma, sendo líder militar ou não, Harriet Tubman foi uma figura crucial no planejamento e orientação do ataque do Combahee River Raid, e tornou-se uma das maiores heroínas que os Estados Unidos já teve. Ela viveu até seus 91 anos, tendo uma filha, Gertie Davis, com um homem chamado Nelson Davis, e faleceu em 10 de março de 1913.