O debate em torno da cor do compositor alemão já dura décadas, todavia, uma questão relevante pode ter sido ignorada no processo
De tempos em tempos ressurge a hipótese de que o célebre compositor alemão Ludwig van Beethoven era, na verdade, negro, a despeito de seus retratos o representarem como um homem branco.
Em uma edição de 1990 do Black Music Research Journal, por exemplo, o historiador Dominique-René de Lerman comentou que o debate já havia ocorrido em 1907, segundo repercutido por uma matéria de 2020 do Smithsonian.
Uma das hipoteses que já foi usada anteriormente para sustentar essa teoria é o fato que pessoas que conheciam o compositor o teriam descrito por vezes com adjetivos mais frequentemente direcionados a pessoas negras.
Um desses conhecidos é Frau Fisher, que se referiu a Beethoven como: “Baixo, atarracado, ombros largos, pescoço curto, nariz redondo e pele marrom-escura”. A informação foi documentada também pela matéria do ano passado, que foi quando o questionamento da cor do alemão ressurgiu outra vez, após um artigo publicado no The Concordian viralizar nas redes sociais.
Os pais do compositor - que se chamavam Johann e Maria Magdalena van Beethoven - possuíam ambos antepassados de origem flamenga, um grupo étnico germânico que costuma ter pele clara.
Todavia, no passado, houve um período em que Espanha dominou a região habitada pelo povo, e nesse momento histórico houve uma mistura de genes entre as duas populações. Alguns europeus, conhecidos como “mouros”, eram também descendentes de africanos, assim ostentando a pele escura e os traços dos negros.
Assim, caso algum antepassado flamengo de Beethoven tivesse se envolvido com um espanhol de ascendência africana, o gênio da música poderia ter vindo ao mundo como um homem negro.
Essa complexa cadeia de especulações, todavia, ignora algo muito mais simples, como aponta o site do Beethoven Center, da San José State University: “Essa teoria não se baseia em estudos genealógicos do passado de Beethoven, que estão disponíveis ao público. Em vez disso, é baseado na suposição de que um dos ancestrais de Beethoven teve um filho fora do casamento”.
“É importante notar que ninguém chamou Beethoven de negro ou mouro durante sua vida, e os vienenses estavam muito atentos tanto aos mouros quanto aos mulatos, como George Bridgetower, o famoso violinista que colaborou com Beethoven”, informa a instituição ainda. Assim, a teoria não tem fundamento.
A figura de George Bridgetower foi também citada pela professora alemã Kira Thurman, que é historiadora e musicóloga. Em 2020, quando a discussão sobre a cor de Beethoven veio à tona novamente, explicou em sua página no Twitter que esse debate ignora uma questão mais relevante:
“Em vez de fazer a pergunta, 'Beethoven era negro?', pergunte 'Por que não sei nada sobre George Bridgetower?'. Eu, francamente, não preciso de mais debates sobre a possível negritude de Beethoven. Mas preciso de pessoas para tocar a música de Bridgetower. E outros para serem como ele”, tuitou a pesquisadora.
Em entrevista ao Smithsonian, Thurman avançou no tópico: “Há uma longa história de músicos negros na Europa, atuando, compondo e fazendo concertos. E eles estavam fazendo coisas incríveis. Mas, muitas vezes, suas histórias não são contadas ou foram deixadas de lado, porque não se encaixam em nossa narrativa de música clássica e talento”, comentou.
Entre esses artistas, além do próprio Bridgetower, que fora um prodígio com o violino, estão Chevalier de Saint-Georges, um compositor francês também contemporâneo a Beethoven, e Samuel Coleridge-Taylor, esse último sendo um compositor inglês mais moderno.
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