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Matérias / Ditadura uruguia

Doze anos no calabouço: As mazelas da ditadura uruguaia sob olhar de prisioneiro

Durante 4.323 dias, José Mujica, Eleuterio Huidobro e Mauricio Rosencof foram presos em calabouços pela ditadura do país: 'Período mais sombrio que vivi'

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 16/03/2025, às 19h00

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Fotografia de Mauricio Rosencof - Divulgação/ Editora Rua do Sabão
Fotografia de Mauricio Rosencof - Divulgação/ Editora Rua do Sabão

Em 27 de junho de 1973, um golpe de Estado derrubou a democracia uruguaia. Neste dia em questão, com a ajuda das Forças Armadas, o presidente Juan María Bordaberry fechou o Senado e a Câmara dos Deputados, dissolvendo o Parlamento.

Partidos políticos foram proibidos de funcionar, assim como sindicatos e grêmios estudantis — que foram marginalizados e deixados em segundo plano. Organizações sociais foram extintas e as liberdades civis suprimidas.

Os meios de comunicação passaram a sofrer censura. Já os militares, como consequência, passaram a ocupar cargos de responsabilidade no governo. Grupos de resistência passaram a ser caçados impiedosamente; ocorrendo um acirramento da repressão contra a população e organizações de esquerda.

Os principais perseguidos faziam parte do grupo de guerrilheiros marxistas-leninistas do Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros; do qual eram integrantes três amigos: Pepe, El Ñato e Ruso.

Durante 4.323 dias, José Alberto Mujica, Eleuterio Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof, respectivamente, foram privados de seus direitos básicos ao serem jogados em calabouços e feitos de prisioneiros pela Ditadura Militar uruguaia.

O período mais sombrio que vivi, mas que sobrevivi, foi quando caçaram dirigentes do Movimento Tupamaro, em que o governo, por qualquer motivo, nos condenava", disse Rosencof, em entrevista feita por mim em meados de 2021.

Condições subumanas

Sem terem o direito sequer de verem a luz do sol enquanto estavam presos nestes calabouços, o ex-prisioneiro me relatou as condições subumanas que viveu: "a 'comida' que recebíamos, se é que podemos chamar assim, eram 'temperadas' com bitucas de cigarro ou misturadas com terra".

Além disso, Rosencof explicou que teve de se saciar com larvas, moscas e até mesmo pedaços velhos de papéis. "Não tínhamos o que comer, nenhum prato para se alimentar. Éramos agredidos, não vimos nenhuma outra pessoa por 12 anos."

Estivemos presos em calabouços de 1,80 metro x 80 centímetros, embaixo da terra, onde não recebíamos água e tivemos que aprender a reciclar nossa própria urina", lembrou.

Separados em celas, Pepe, Ñato e Ruso precisavam se comunicar em códigos, batendo as costas dos dedos nas paredes — como é mostrado no filme Uma Noite de 12 Anos, de Álvaro Brechner. "Quando se vive uma luta política, você pode viver todas as alternativas possíveis: a vida, a morte, a prisão, tudo que se pode pensar".

A incerteza sobre a continuidade da vida, aliás, era uma ideia que não saía da cabeça dos três amigos. "Esse é um pensamento em todos que estão vivos, não?", refletiu.

A situação ficava cada vez pior quando eles eram transladados de um calabouço para outro. A sensação era que a morte estava cada vez mais próxima. "Sempre que a porta era aberta e alguém entrava em nosso calabouço, fora do horário rotineiro, pensamos que chegaria nossa hora. Isso acabou se tornando um pensamento permanente."

O fim da Ditadura

Em 1984, 11 anos depois do golpe, ocorreram greves contra a ditadura e em apoio aos presos políticos, como a greve geral de 24 horas em 13 de janeiro. Cada vez mais se intensificava as conversas entre as lideranças militares e os políticos civis.

Em agosto, o Pacto do Clube Naval restaurou a constituição uruguaia, de 1967; mas forneceu anistia geral por violações de direitos humanos aos militares. Novas eleições foram realizadas em novembro daquele ano, com o candidato do Partido Colorado, Julio Maria Sanguinetti, se tornando o novo presidente. A redemocratização do Uruguai se consolidou no ano seguinte.

Mujica, Huidobro e Rosencof foram soltos em 1985. O primeiro deles, hoje com 89 anos, se tornou presidente do país entre 2010 e 2015, e até hoje segue sendo um líder da esquerda na América Latina. El Ñato se tornou ministro da Defesa de 2011 até sua morte, aos 74 anos, em 2016. Por fim, Mauricio, atualmente com 91 anos, é escritor, dramaturgo, romancista, poeta e jornalista.