Com uma trajetória de vida fascinante, Enrico Mattei foi um combatente da Resistência, político e empreendedor italiano; conheça!
Enrico Mattei é, indiscutivelmente, uma figura fascinante, um homem que ajudou a escrever um dos principais capítulos da história de seu país — e olha que estamos falando da Itália, nação milenar que conta com uma coleção de figuras notáveis. Ele foi fundador da Ente Nazionale Idrocarburi (ENI, na sigla original), a equivalente à Petrobras da Itália, mas sua vida teve muito mais que isso.
Você que me acompanha por aqui há quase cinco anos deve ter notado que "o país da bota" e seus filhos e filhas são protagonistas frequentes dessas linhas. E isso faz sentido ao pensarmos que, sob o tema da história militar, a italiana pode ser traçada antes mesmo da romana.
Todavia, o principal ponto é a Segunda Guerra. Figuras conhecidas, como L’Avvocato Gianni Agnelli e Enzo Ferrari — que já passaram por aqui — tiveram suas vidas transformadas, e chegaram aonde chegaram graças às suas experiências (muitas vezes dolorosas) no maior conflito que a humanidade já viu. Com Enrico Mattei não foi diferente. Para contar sua história, de como foi de um homem simples ao "senhor do petróleo italiano" vamos dividir em duas partes. Andiamo ao início desta jornada!
Mattei nasceu em 1906 no seio de uma família de classe média baixa na província de Pesaro e Urbino. Filho de pai carabiniere (equivale, grosso modo, à polícia militar na Itália) e de mãe dona de casa, desde jovem começou a trabalhar para ajudar com as despesas domésticas. Em 1923, com apenas 17 anos, iniciou na indústria de curtição, aprendendo a velha arte italiana de manejar o couro.
Cinco anos mais tarde — contando um interstício para seu serviço militar —, já passara para o laboratório químico da fábrica e, depois, promovido a vice-gerente. Tudo parecia muito bem, até chegar a crise de 1929. Apesar de menos afetada que outras nações europeias, a economia italiana não passou incólume, especialmente o setor de produtos da alta-costura, como os de Mattei, que tinham nos Estados Unidos um grande mercado consumidor.
No entanto, Mattei não desanimou. Mudou-se para Milão e começou a trabalhar como representante comercial para companhias estrangeiras que operavam no país. Com a matéria-prima barata e uma quantidade de artesãos sem emprego devido à crise, o capital estrangeiro não demorou a procurar pela cucitura a mano (costura feita à mão).
Em 1931, filiou-se ao Partido Fascista Italiano, que estava no poder desde 1922 e que, em 1928, se tornara a única força política do país. A filiação foi menos por convicção e mais por conveniência — como veremos adiante, Mattei não foi fascista, inclusive os combateu durante a guerra. Contudo, como geralmente ocorre em sistemas autocráticos de partido único, muitas portas se fecham para quem não adere ao movimento.
Apesar das dificuldades anteriores, a década de 1930 foi boa para Enrico Mattei. Os negócios floresciam e sua vida pessoal também. Em 1934, junto de dois irmãos, fundou a Industria Chimica Lombarda, empresa de produtos químicos especializada em tintas para a indústria do couro. Dois anos depois, se casou com a austríaca Greta Paulas, que conheceu em Viena durante uma viagem a trabalho e, logo, voltou a estudar, iniciando um curso de contabilidade na Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão.
Tudo parecia perfeito, até que, em 10 de junho de 1940, Benito Mussolini arrastou a Itália para a Segunda Guerra — algo que Mattei criticou desde o início. Seguindo os passos de Hitler, e buscando concretizar o sonho (louco) de "reerguer o Império Romano", o Duce começou a epopeia — alguns diriam "aventura" — que foi a participação italiana no conflito.
Três anos depois, e muitas desventuras em dois continentes, com uma frente de combate que se estendia das areias do Saara às estepes russas, a Itália estava quebrada, prestes a ser invadida pelos Aliados e com os "amigos" alemães cada vez mais agindo como se fossem os donos da casa — e não os convidados. Neste contexto, complexo, em que o povo começava a passar fome, crescia não apenas o descontentamento, mas também a resistência organizada, principalmente dos Partisans (membros que se opunham à ocupação).
Mattei, apesar de não poder protestar abertamente, era um crítico ao regime e foi apresentado por Giuseppe Spataro, líder do movimento Democracia Cristã, à resistência antifascista. O homem de negócios, enfim, se convertia oficialmente em um Partisan.
Já as suas atividades na resistência, que incluem prisão e fuga cinematográfica, e sua vida depois da guerra — Mattei foi um dos principais arquitetos do milagre econômico italiano nos anos 1950 e 1960 — serão tema da parte 2 desta história. Até mês que vem!
*Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em economia, oficial da reserva do exército brasileiro e consultor-chefe de política e estratégia da equilibrium — consultoria, assessoria e pesquisa @equilibrium_cap.