O homem esteve por trás dos ornamentos nas fachadas de muitas igrejas que hoje são pontos turísticos na metrópole
Sem liberdade, Joaquim Pinto de Oliveira foi de uma geração de escravos que nasceu no Brasil. Saiu do útero direto para o sistema escravocrata, sem a chance de primeiro experimentar uma vida onde podia decidir o que queria fazer de si, ou mesmo descobrir quem era.
Apesar de já ter começado nesse cenário triste, Joaquim - ou Tebas -, como costumava ser chamado - foi capaz de prosperar mesmo com escolhas sendo feitas por ele, e acabou deixando um legado arquitetônico, contribuindo para construções que hoje são famosos pontos turísticos na cidade de São Paulo.
Tebas nasceu na vila de Santos, litoral paulista, e em algum ponto de sua vida foi levado para o centro, onde a construção civil estava em processo de ascensão. O português Bento de Oliveira Lima era um mestre de obras em busca por oportunidades na região, e, por extensão, era também com edificações que o escravizado trabalhava.
Inclusive, uma das partes fundamentais do seu trabalho era talhar as pedras brutas em blocos de construção, o que era justamente parte do movimento de modernização da cidade de São Paulo, que naquele ponto tinha seus prédios constituídos principalmente por barro, através da antiga técnica de taipa, que embora fosse eficiente também trouxesse limitações arquitetônicas.
De forma inesperada, os dois logo descobriram que Joaquim tinha um talento incomum para o ofício - tanto, que o escravizado teria sido reconhecido ainda em vida, apesar do preconceito da sociedade da época.
Tebas trabalhou principalmente para ordens religiosas: beneditinos, franciscanos, carmelitas e católicos. Até por isso, suas contribuições costumam ser ligadas à Igrejas. Entre as mais famosas, está a construção da torre da antiga Igreja Matriz da Sé, a ornamentação das fachadas das igrejas do Mosteiro de São Bento e do Seráfico São Francisco.
“Na época, quem tinha recursos eram as corporações religiosas. Por isso, ele atuou nos três vértices do chamado triângulo histórico formado pelos conventos de São Bento, do Carmo e de São Francisco”, explicou em entrevista à Casa Vogue, o jornalista Abilio Ferreira, que organizou o livro “Tebas: um negro arquiteto na São Paulo escravocrata”
Joaquim conseguiu sua carta de alforria por volta dos 58 anos de idade. Inclusive, existe um samba-enredo de 1974, composto pelo ativista negro Geraldo Filme, que se refere ao evento, dizendo: “Tebas, negro escravo. Profissão: Alvenaria. Construiu a velha Sé em troca da carta de alforria”.
Ele permaneceu na profissão após sua liberdade, que em algumas versões da história teria sido comprada (como conta a música), e em outras foi possível após um processo judicial contra a esposa de Beto de Oliveira, que tinha então falecido.
Tebas continuou ativo na alvenaria estrutural até por volta dos 90 anos de idade, quando uma gangrena na perna, provavelmente decorrente de um acidente de trabalho, acabou levando-o a morte.
Joaquim Pinto de Oliveira, embora tenha feito parte da construção de Igrejas magníficas, teve sua profissão reconhecida apenas 200 anos após sua morte, no ano de 2018, pelo Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo (Sasp), que elaborou uma homenagem para o santista. O ato foi realizado com base em diversos documentos oficiais da época que Tebas viveu, confirmando seus feitos arquitetônicos.
Já em setembro de 2020, o ex-prefeito Bruno Covas, da cidade de São Paulo, anunciou que o escravo liberto estava para ganhar uma estátua em sua homenagem, que seria colocada no centro da cidade, dando assim mais destaque à influência até então invisível de suas mãos nas construções da capital.
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