O artigo em que o escritor comparou composições modernistas aos desenhos produzidos em manicômios havia contribuído para atiçar a curiosidade do público, para o bem ou para o mal
Um número considerável de visitantes se dirigiu ao Theatro Municipal de São Paulo em fevereiro de 1922 com um objetivo muito claro em mente: conhecer a obra da artista plástica Anita Malfatti.
Um conjunto de 12 pinturas e oito peças — gravuras, desenhos e pastéis — capturavam os visitantes logo na entrada.
“Ali estavam mais uma vez aos olhos de São Paulo 'A Mulher de Cabelos Verdes', 'A Estudante Russa', 'O Homem Amarelo', 'A Onda', 'A Ventania', 'O Japonês' e 'Rochedos' — obras que permaneceram como algumas das melhores de Anita e do modernismo brasileiro”, destaca Marcos Augusto Gonçalves no livro "1922: A Semana Que Não Terminou".
A curiosidade acerca dessas composições havia sido instigada cinco anos antes, por ocasião da exposição que a artista realizou em dezembro de 1917 e que resultou no célebre artigo escrito por Monteiro Lobato.
Ironicamente, o virulento ataque à obra de Anita e aos modernistas, intitulado "Paranoia ou Mistificação" e publicado na edição vespertina do jornal O Estado de S. Paulo, havia contribuído para atiçar a curiosidade do público, para o bem ou para o mal.
Em sua argumentação, Lobato divide os artistas em dois grupos. O primeiro, composto de pessoas que “veem normalmente as coisas”; o segundo, dos que “veem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes”.
Não satisfeito, o escritor ainda comparou as composições modernistas aos desenhos produzidos em manicômios por “cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses”.
“A recorrente aproximação entre arte moderna e perturbação mental, usada por Lobato, já havia aparecido antes em críticas na França e nos Estados Unidos”, pontua Gonçalves.
Ainda que não justifique ataque tão desabonador, o pesquisador faz uma ponderação que ilumina o caráter inédito daquelas criações aos olhos dos brasileiros.
“Apesar de uma ou outra manifestação mais bem informada, jornalistas e críticos da época ainda não se acertavam com o recente vocabulário da arte moderna — que inexistia no circuito brasileiro", explica.
"Muitos já tinham ouvido falar em cubismo e futurismo, mas a maioria parecia conhecer superficialmente os movimentos europeus”, acrescenta.
Ao defender no artigo uma arte regida por leis e princípios atemporais e imutáveis, segundo sua visão, Lobato tentou soprar para longe, com palavras bem calibradas, a “ameaça” modernista que, cinco anos depois, se instalou no reino consagrado da erudição paulista.