O italiano foi um dos mais famosos cantores de ópera do século 19 e seu corpo pagou um alto preço por isso
Caio Tortamano Publicado em 23/06/2020, às 07h00
A Arte exige uma entrega de corpo e alma por parte dos artistas que pretendem atingir um patamar sublime, em alguns casos muito mais o corpo do que a alma. Foi exatamente isso que aconteceu com o meio-soprano italiano Gaspare Pacchierotti.
Pacchierotti era um dos mais famosos cantores da Itália no século 19, e seu estilo vocal exigia que mantivesse tons agudos por longos períodos. Um dos métodos muito utilizados para meio-sopranos meninos era a castração. Assim conseguiriam manter uma voz fina durante o crescimento.
Em 2016, uma autópsia realizada no corpo do italiano tinha como objetivo se aprofundar nos efeitos que esse tipo de procedimento causava no corpo dos jovens. No entanto, a análise acabou indo além do que era esperado.
Pacchierotti foi castrado antes mesmo de seus 12 anos de idade, mas foi somente aos 19 que estreou profissionalmente nas óperas, realizando uma carreira gloriosa até sua aposentadoria, que ocorreu aos 53 anos de idade.
Pesquisadores da Universidade de Pádua, liderados pelo pesquisador Alberto Zanatta, utilizaram técnicas arqueológicas forenses, acompanhadas por tomografias computadorizadas, que tinham como objetivo resgatar aspectos da vida de soprano do artista que influenciaram na sua saúde.
Evidências físicas
Cantores castrados, chamados de castrati, são geralmente altos, como resultado de um atraso na fusão entre os ossos mais longos da perna. Gaspare tinha cerca de um metro e noventa centímetros de altura, e acompanhado disso vinha a osteoporose, com traços evidentes de desgaste na lombar e ossos por conta da baixa densidade.
Todos esses problemas são decorrentes de anomalias causadas pela castração numa idade em desenvolvimento, todavia, outras anomalias foram encontradas nos restos do italiano.
Ossos do ofício
Em um artigo publicado pelos pesquisadores, foram constatadas modificações em três músculos respiratórios fundamentais para o corpo, escaleno posterior, serrátil anterior e posterior, e serrátil anterior. Esses músculos são responsáveis por erguer as costelas no processo de respiração de modo a auxiliá-la. Pensando nisso, as mudanças encontradas no italiano condizem com o que foi identificado em muitos cantores contemporâneos.
Outra característica interessante identificada se deu na junção do ombro, que revelou marcas indicando um triceps constantemente forçado, responsável pelos movimentos de retroversão e adução do braço. Isso indica que Gaspare provavelmente mexia o braço várias vezes durante apresentações e ensaios.
Por último, a vértebra do pescoço do cantor foi encontrada em extremo desgaste, uma parte extremamente sensível e frágil do corpo, comumente afetada em casos de osteoporose — como o de Pacchierotti — e em idosos. O italiano, que morreu com 81 anos, era um prato cheio para esse problema na vértebra.
Porém, cantores de ópera contemporâneos também têm problemas exatamente nessa vértebra. “Para cantar”, os pesquisadores apontam, “a exigência de uma determinada postura acaba por manter a espinha cervical ereta, evitando lordose, extensões e elevação da mandíbula”. Isso com certeza prejudicou o pescoço do soprano.
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