Vigário teve papel crucial naquele 7 de setembro: “Não há outro caminho senão a independência e a separação”, disse ao imperador
No dia 7 de setembro de 1822, o nosso país foi liberto de Portugal. Naquele momento, o Império do Brasil — nome que foi instituído pela constituição de 1824 — transformou-se em uma monarquia com a coroação de Dom Pedro I.
Porém, a história sobre a Independência do Brasil é um pouco diferente da que costumamos imaginar a partir da obra do pintor paraibano Pedro Américo. Embora, daqui 100 dias, a data histórica complete 200 anos, os ‘bastidores da Independência’ possuem personagens esquecidos, mas que tiveram importantes papéis em nossa trajetória.
Afinal, se não fosse o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, por exemplo, talvez Pedro I não tomasse tal decisão, ao menos não naquela data. Importante conselheiro do Imperador, o vigário também é responsável por documentar os detalhes do que aconteceu naquele 7 de setembro.
Filho do Capitão Belchior Pinheiro de Oliveira e D. Floriana Rosa de Oliveira, Belchior Pinheiro de Oliveira nasceu em 8 de dezembro de 1778, em Tejuco, no que hoje é a cidade mineira de Diamantina.
Dedicado às leituras da Bíblia e grande estudioso, passou pelo Oratório do Paço Episcopal de São Paulo antes de receber licença para estudar Cânones e Direito Civil, em Coimbra. Na cidade portuguesa, tornou-se bacharel em 5 de julho de 1809.
Consciente sobre as mudanças da época, trouxe uma nova linguagem acadêmica e também passou a disseminar uma nova ética política após ser influenciado pela maçonaria — que lhe despertou uma série de reflexões sobre a religião. É nesse período, aliás, segundo artigo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), que viu aumentar seu amor à Pátria e “às questões que urgiam rápidas soluções”.
Por essas e outras, recebeu a indicação para ser deputado pela Província de Minas às Cortes de Lisboa. Mas acabou recusando em 25 de fevereiro de 1821. Pouco depois, ao lado de José Joaquim da Rocha, ingressou no Clube da Resistência. É justamente lá onde conheceu e se tornou amigo de D. Pedro.
Do Imperador, Belchior de Oliveira foi muito mais que apenas um membro de sua comitiva. Era também seu confidente, lhe acompanhando, segundo registros históricos, à Vila Rica (em março de 1822) e naquela fatídica viagem até Santos (em agosto de 1822).
Como se pode imaginar, padre Belchior Pinheiro de Oliveira esteve ao lado de Pedro I às 16 horas do dia 7 de setembro. Aliás, o vigário não só lhe acompanhou como também o ajudou a tomar tal decisão.
"Uma das mais importantes figuras responsáveis pela Independência do Brasil, era primo de José Bonifácio de Andrade e Silva, que era um estudioso dedicado às causas democráticas que começou a trabalhar em prol da Independência em 1821 e convenceu o padre de que a independência era importante para o Brasil. O padre, no momento oportuno, convenceu o imperador", explicou José Raimundo Machado, pesquisador e presidente do Instituto Histórico de Pitangui (IHP), ao G1 no ano de 2015.
Como já dito, Belchior também registrou memórias daquela data. Segundo seu texto, conforme repercutido pelo portal de notícias da Globo naquele ano, o príncipe voltava para São Paulo montado em uma mula, e não em um belo corcel como idealizado por Pedro Américo.
Além do mais, Pedro I também sofria de disenteria e dores. Em determinado momento, a comitiva de Dom Pedro recebeu cartas vindas de Portugal. Algumas contendo ameaças ao imperador, como aponta reportagem da Assembléia Legislativa de São Paulo:
"Foi nessa altura, no lugar denominado Moinhos, que dois correios da Corte se aproximaram açodadamente. Entregaram importantes papéis ao príncipe. O príncipe mandou ler alto as cartas trazidas por Paulo Bregaro e Antônio Cordeiro. Eram elas: uma instrução das Cortes, uma carta de Dom João [chegadas de Portugal], outra da princesa, outra de José Bonifácio e ainda outra de Chamberlain… Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os, deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, virou-se para mim e disse: ‘E agora, padre Belchior?’ E eu respondi prontamente: ‘Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação’”.
Pedro I, em resposta, deu alguns passos silenciosos à beira do caminho, em direção a alguns animais, e exclamou: “Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de ‘rapazinho’ e de ‘brasileiro’. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações; nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal".
A frase foi vista com entusiasmo pela coletiva, segundo os relatos do vigário. "Viva a Liberdade! Viva o Brasil separado! Viva Dom Pedro!", comemoram. “O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e falou: ‘Diga à minha guarda, que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal’".
Embora pouco lembrado pelos brasileiros, padre Belchior é visto como uma figura importante por muitos moradores da região onde nasceu. Falecido em 12 de junho de 1856, ele não apenas dá nome a uma das ruas de Belo Horizonte como também, em 7 de setembro de 1969, quando a Independência do Brasil completou 147 anos, sua sepultura ganhou uma placa com um pouco de sua trajetória.
"Vigário colado de Pitangui de 1814 a 1856, membro da Câmara Municipal, deputado às cortes de Lisboa, à Constituinte de 1823, à Assembleia Provincial de Minas Gerais. Companheiro de Dom Pedro na Jornada do Ipiranga, participou da criação do Império do Brasil, aconselhando ao príncipe à magna decisão", diz parte da escritura.
Ao G1, o pesquisador Marcos Antônio de Faria diz que considera o vigário como uma das pessoas mais importantes da história de Minas Gerais. "Existe uma revista editada em 1922 e que está no acervo do IHP na qual há uma entrevista com o comandante da guarda de Dom Pedro. O repórter pergunta se o padre Belchior de fato teve participação na decisão pela Independência. O militar responde que eles haviam parado perto do Ipiranga e quando o padre leu as cartas, o imperador realmente pediu o conselho e o padre o deu".
Belchior exerceu o sacerdócio durante 42 anos, até o fim de sua vida. Seu corpo foi sepultado dentro da antiga Igreja Matriz, que acabou sendo acometida por um incêndio em janeiro de 1914. Com o fato, os restos mortais do padre acabaram sendo encaminhados para a escadaria frontal da nova Matriz, onde permanecem desde então.