Em 'John & Paul: A Love Story in Songs', Ian Leslie discute sobre a conturbada relação entre os lendários ex-Beatles John Lennon e Paul McCartney
Publicado em 06/04/2025, às 19h00 - Atualizado em 07/04/2025, às 18h02
Em 8 de dezembro de 1980, o mundo se chocou com uma notícia que abalou, em especial, o mundo da música: um dos membros fundadores dos Beatles, John Lennon, foi assassinado a tiros em frente ao prédio em que vivia em Nova York, com apenas 40 anos.
No dia seguinte, toda a imprensa buscava contatar os demais membros da famosa banda da década de 1960 — Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr —, e um dos que mais chamou atenção na época foi o antigo baixista. Paul foi para uma coletiva de imprensa após sair de um estúdio de gravação em Londres, onde passou o dia inteiro após a divulgação da notícia.
E o que surpreendeu muita gente na época foi a reação amena de Paul nas entrevistas, enquanto a imprensa se aglomerava em volta dele. "Muito chocado, sabe. É uma notícia terrível", disse ele. O músico também alegou que "ainda não sabia" se compareceria ao funeral, e quando questionado sobre o que fazia no estúdio, disse que "estava apenas ouvindo algumas músicas".
É com essa cena que o biógrafo britânico Ian Leslie abre seu novo livro 'John & Paul: A Love Story in Songs' (que pode ser traduzido para 'John & Paul: Uma História de Amor em Músicas'), onde sugere que Paul não "era um psicopata", mas apenas estava agindo de acordo com seu "mecanismo de defesa".
Ele iria afastar essa notícia terrível e devastadora e sublimá-la, fingir que não estava acontecendo e pensar no trabalho em vez disso", conta Leslie ao portal AOL.
Fato é que o que McCartney tinha a dizer interessava especialmente ao público, pois, ao lado de John, ele era o principal compositor dos Beatles, e já era conhecido por muita gente a rivalidade existente entre os dois. Mas o que Leslie busca explorar no livro, conta ele, é "o relacionamento entre John e Paul".
No livro, o autor reconta a já repetida inúmeras vezes história de origem dos Beatles, passando por todas a fama e sucesso, as confusões, a esposa de John Lennon, Yoko Ono, e a eventual dissolução da banda, no fim de 1974. Mas tudo isso apenas para começar a analisar o que realmente o interessava: a relação entre John e Paul.
O que o autor sugere é que os sentimentos que Lennon tinha por McCartney iam além de uma admiração platônica pelo gênio artístico (que ambos compartilhavam). "John sempre foi curioso, e não sou o primeiro a fazer essa suposição", conta o autor, que menciona as sessões de ensaio de 'Get Back', em que Lennon já disse a McCartney, em aparente tom de brincadeira, que era como se eles "fossem amantes".
Além disso, outros fatores já intrigaram os fãs dos Beatles sobre a sexualidade de John. Por exemplo, após o nascimento de seu primeiro filho, Julian, Lennon não passou seu tempo com a família; em vez disso, optou por sair de férias com o empresário dos Beatles, Brian Epstein, que era gay.
É meio que bem sabido que Brian e John tiveram algum tipo de caso, a extensão em que nunca saberemos", relata Leslie. "Mas aconteceu — provavelmente. Johnera uma bagunça de muitas maneiras; acho que foi subestimado o quão bagunçado ele era. Os outros na banda tiveram que administrá-lo continuamente para mantê-lo na banda".
O autor também menciona uma entrevista em que a própria Yoko Ono deu a Philip Norman, biógrafo dos Beatles, em que falou sobre "os sentimentos muito apaixonados de John por Paul", e até especificamente sobre "se ele poderia ter sido gay".
Porém, Leslie afirma que, pessoalmente, não acredita que tenha acontecido algo entre os dois. "[McCartney] praticamente descartou [os rumores]", conta. "Isso nunca aconteceu. Eles nunca tiveram um relacionamento sexual... bem, quem sabe? Mas eu não acho. Eu ficaria surpreso. Paul é praticamente inamovivelmente heterossexual, e John era predominantemente heterossexual".
"Eu acho que talvez houvesse um componente erótico no relacionamento deles, e eles eram meio fascinados um pelo outro, mas não acho que eles estavam dormindo juntos. John, talvez, em um momento teve dúvidas em sua mente se eles deveriam, mas… Ele esbarrou na parede da heterossexualidade de Paul. Esse é o meu palpite", complementa.
Assim como faz em outros livros, Ian Leslie foca bastante na psicologia da interação humana, como as pessoas se conectam e se separam, bem como o instinto existente de duplicidade e competitividade. E para ele, John e Paul são personagens ideais para desenvolver isso, visto que a dupla, que era rival entre si, de certa forma, também passou muito tempo nos Beatles estimulando um ao outro, sempre se apoiando.
Por exemplo, em 1965, John recebeu o maior faturamento em sua parceria de composição em vez de Paul. E o baixista sugeriu posteriormente que, após ele escrever 'Yesterday' sozinho, sua ascensão em status "deixou John desconfortável. Eu cheguei ao nível dele. Nós crescemos para sermos iguais. Isso o deixou inseguro. Ele sempre foi, realmente".
Ao longo da década de 1970, haveria ainda mais motivo para insegurança: enquanto McCartney conseguiu certo sucesso com sua próxima banda, Wings, Lennon seguiu precisando lutar para continuar conhecido, pelo menos no início.
Também houve distensões entre os dois, incluindo com McCartney levando os Beatles a tribunal, a fim de dissolver legalmente a parceria. "[...] foi incrivelmente difícil para ambos. Ninguém nunca tinha sido realmente um ex-membro de um grupo tão grande quanto o deles antes. Toda a identidade deles estava envolvida em ser um Beatle, então como você lida com não ser mais um? Como você se estabelece como outra coisa?", conta Leslie.
Nesse cenário, quem mais sofreu foi Lennon. "O senso de John de si mesmo como um gênio era incrivelmente importante para ele, mas ele não tinha certeza se se sentia um gênio quando Paul não estava lá. Estar com Paul confirmou seu senso de si mesmo como ele desejava ser. E quando Paul não estava lá, ele ficava apavorado de que não estava, e ao longo dos anos setenta ele perdeu seu ímpeto", contou o autor à AOL.
Apesar de tudo, no fim, isso serviu muito para que os dois não perdessem totalmente o contato entre si. "Porque se você ama alguém tão profundamente, então você continua esperando superar as partes difíceis para encontrar a doçura novamente. O relacionamento deles sempre esteve vivo. Nunca foi totalmente esgotado", afirma o biógrafo.
Tanto que, próximo ao fim da década de 1970, Paul e John já demonstravam indícios de que a amizade poderia retornar, pelo menos em sentido platônico. Eles se falavam regularmente, e ocasionalmente se encontravam para jantar — até o fatídico 8 de dezembro de 1980, que colocou um ponto final nisso tudo.
"De repente, John estava morto, um mártir, e rapidamente passou a ser visto como o grande gênio dos Beatles, esse avatar da paz, uma figura santa", comenta Leslie. Enquanto isso, "Paul perde um pouco o rumo nos anos 80. Não acho que ele tenha saído completamente da sombra de John até meados dos anos 90, com o Britpop".
Por fim, o autor afirma acreditar que os conflitos entre John e Paul também foram cruciais para a música que ambos produziram. "Mesmo nos piores momentos do relacionamento, eles ainda estavam colaborando, ainda eram o primeiro público um do outro. Toda aquela tensão, todo aquele conflito e inseguranças — isso alimentava a música e a tornava melhor. Muito do gênio coletivo deles vem do fato de que eles eram essa molécula instável".
"Se eles tivessem sido mais normais, mais relaxados e descomplicados, talvez nunca tivéssemos tido os Beatles como eles foram; eles nunca teriam feito uma música tão boa. É por isso que eu acho que é uma história tão linda — uma história de amor, no final das contas", conclui Ian Leslie.