Baseado em história real e adaptado de livro, Ainda Estou Aqui serve como um lembrete dos anos sombrios vividos pelos brasileiros
No dia 20 de janeiro de 1971, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, que havia perdido seu mandato após o golpe militar de 1964, foi alvo de uma operação em sua residência no Rio de Janeiro, na qual vivia com a esposa e cinco filhos. Após a invasão, ele foi levado a uma unidade militar para interrogatório e nunca mais retornou.
Essa história, sombria e devastadora, é tema do filme 'Ainda Estou Aqui'. Em cartaz nos cinemas brasileiros, o longa-metragem se baseia no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho da vítima, que não só esmiúça o episódio, mas também destaca a força de sua mãe, Eunice Paiva. Após o desaparecimento do marido, ela lutou por justiça até que a verdade aparecesse.
Registros oficiais do Exército mostram que o ex-deputado foi levado ao DOI (Destacamento de Operações de Informações) por agentes do regime militar. Além disso, testemunhas relataram ter visto Paiva agonizando nas dependências em questão.
As investigações realizadas pela Comissão Nacional da Verdade, finalizadas apenas em 2014, confirmaram que ele fora torturado e morte pela ditadura. Seu corpo jamais foi encontrado, resultando em anos de agonia para os familiares.
Com Fernanda Torres e Selton Mello nos papéis principais, o filme serve como lembrete dos tempos sombrios que o Brasil encarou de 1964 a 1985, quando o poder foi tomado por militares.
O período, além da censura à imprensa, foi marcado pela intensa tortura e execução de opositores. Com restrição de direitos políticos, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque precisaram buscar auxílio em outros países.
Em 2014, após um meticuloso processo investigativo de dois anos e sete meses, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) apresentou seu relatório final, que documentava 434 casos de mortes e desaparecimentos durante o regime militar no Brasil. A comissão anunciou 191 mortos e 243 desaparecidos.
O relatório, entregue à então presidenta Dilma Rousseff, evidenciou a ocorrência de sérias violações de direitos humanos. Conforme detalhado no documento, foram constatadas práticas sistemáticas de detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções sumárias, desaparecimentos forçados e ocultação de corpos por agentes do Estado brasileiro.
O documento apontou a responsabilidade de mais de 300 indivíduos, incluindo militares, funcionários do Estado e ex-presidentes da República. Tais violações, conforme revelado pela CNV, foram resultado de uma ação sistemática e generalizada do Estado brasileiro.
Além disso, a falta de responsabilização para os agentes da ditadura ainda é um tema alarmante na sociedade brasileira. Em março deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública na Justiça de São Paulo visando a responsabilização civil de 42 ex-agentes envolvidos em atos de violência durante a ditadura, incluindo execuções e desaparecimentos de opositores da época.
A lista de acusados contempla 26 antigos membros do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, com destaque para figuras como o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.
O MPF solicitou que os acusados percam quaisquer cargos públicos atuais e que suas aposentadorias sejam revogadas. Para os já falecidos, propõe-se que eventuais compensações financeiras sejam cobradas de seus herdeiros.
Vale lembrar que, em março 2022, o então presidente Jair Messias Bolsonaro, durante discurso no Palácio do Planalto, saiu em defesa dos presidentes da ditadura no dia em que o Brasil relembrava o aniversário do golpe militar.
Sem mencionar a censura e as perseguições, Bolsonaro contrariou a História ao alegar que não existiu um golpe.
"Hoje, 31 de março. O que aconteceu em 31? Nada. A história não registra nenhum presidente da República tendo perdido o seu mandato nesse dia. Por que então a mentira? A quem ela se presta?", afirmou o então presidente.
Diante da falta de responsabilização para os crimes ocorridos na ditadura e discursos que ainda exaltam o golpe de 64, 'Ainda Estou Aqui' escancara para as novas gerações os tempos sombrios da ditadura militar brasileira.
"E eu acho que esse filme ajuda a essas pessoas [gerações mais jovens] a entenderem o que é viver em um país arbitrário, em um país no qual o governo faz atos tão injustos quanto matar o seu pai, levar sua irmã de 15 anos para uma prisão e torturar pessoas", explicou Torres ao G1.