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Matérias / Olimpíadas

A saga das mulheres nas olímpiadas: uma história marcada pela luta

Esportistas mulheres superaram gradualmente barreiras morais, sociais e políticas para participar das Olimpíadas até alcançarem a igualdade em 2024

Raphaela de Campos Mello Publicado em 27/07/2024, às 12h10

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Atletas disputam a final dos 100 metros rasos nos Jogos de 1928, em Amsterdã - Wikimedia Commons
Atletas disputam a final dos 100 metros rasos nos Jogos de 1928, em Amsterdã - Wikimedia Commons

O que querem as mulheres? O que podem e não podem? A Modernidade decretou uma série de interdições ao desejo e à capacidade feminina para muitas coisas, incluindo a aptidão para a atividade física.

No entanto, a arte que sobreviveu à destruição do tempo e dos homens é prova irrefutável de que, na Antiguidade, as mulheres eram bem-vindas nos esportes. Lá estão elas, representadas em afrescos e cerâmicas, com seus corpos em movimento, em jogos, ginásticas, dança, natação, lutas, entre outras atividades eternizadas, por exemplo, na tumba egípcia de Beni-Hassan.

Egito, Mesopotâmia, China e Índia guardam a memória dessa época. E também a Grécia. A pátria dos grandes pensadores e das Olimpíadas viu se destacarem nomes femininos na política, literatura, artes, filosofia, ciências e nos esportes.

“Há pinturas e objetos que comprovam a participação das mulheres em competições com os homens, pois o esporte era parte da educação de meninas e mulheres, sobretudo em Esparta, onde tinham maior liberdade e praticavam exercícios físicos vigorosos, com fins militares, ao lado de meninos e homens”, afirma Fabiano Pries Devide, professor associado do Instituto de Educação Física da Universidade Federal Fluminense (IEF-UFF), líder do Grupo de Pesquisa em Relações de Gênero na Educação Física (GREGEF-CNPq) e autor do livro Gênero e Mulheres no Esporte – História das Mulheres nos Jogos Olímpicos Modernos (Unijuí).

Com ainda maior desenvoltura, elas aprimoravam suas habilidades desportivas em Creta, cuja sociedade matriarcal é considerada o berço da cultura física de meninas e mulheres. Lá elas corriam, arremessavam peso, conduziam carruagens, lutavam e dançavam. Participavam, inclusive, de touradas e eventos hípicos. Durante os períodos Helênico e Romano, eram presença certa nos Jogos Pan-Helênicos.

Contudo, em 776 a.C., foi criado, no santuário de Olímpia, um festival religioso e atlético em honra a Zeus, que se realizaria dali por diante de quatro em quatro anos. Era o início dos Jogos Olímpicos Antigos, que perduraram até o ano 393, quando o imperador cristão Teodósio I resolveu extingui-los por ver neles relação direta com o paganismo.

Durante esse longo período, só os homens estavam autorizados a tomar parte nas competições. As mulheres foram proibidas tanto de assistir quanto de competir. Aquelas que infringissem a regra eram condenadas à morte. Mas a interdição não seria aceita sem qualquer tipo de revide. Ao pé do Monte Cronion foram organizados os Jogos Heranos, em honra à deusa Hera, esposa de Zeus.

Devide conta que, nesses jogos exclusivos às mulheres de diferentes cidades gregas, 16 sacerdotisas de Elis organizavam o evento, que contemplava apenas uma prova de corrida de 160 metros. A corredoras eram divididas em três faixas de idade. A vencedora recebia uma coroa de oliveiras e a permissão de dedicar uma placa representando-a, a ser colocada no templo de Hera. “Os homens não podiam assistir ao evento, apenas mulheres e meninos jovens”, frisa.

A segregação por gênero permaneceu como um critério válido quando, no final do século 19, o Barão Pierre de Coubertin (1863-1937) vislumbrou o renascimento da tradição iniciada em 776 a.C. Ele havia sido incumbido pelo governo francês de criar um novo modelo educacional para o país e, inspirado no renascimento da cultura helênica na Europa, associou o movimento olímpico aos propósitos educacionais e pedagógicos.

Num momento em que os nacionalismos se acirravam, na proposta do aristocrata prevalecia o caráter internacionalista que agregava atletas de diferentes países com o intuito não só de promover o desenvolvimento físico, mas também o intelectual, a excelência, a paz e o fair play, ou seja, a conduta ética e moral lícita.

O argumento biológico

Graças aos esforços de Coubertin, os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna foram realizados em abril de 1896, em Atenas, na Grécia, com a participação exclusiva de atletas do gênero masculino. Mesmo assim, jornais da época reportaram que uma mulher, Stamata Revithi, também conhecida como Melpomeni e moradora dos Pirineus, participou extraoficialmente da prova da maratona.

A intrusa foi a nota dissonante e, por isso mesmo, não passou despercebida, como a imprensa deu nota. A justificativa para excluir esportistas mulheres tinha um respaldo difícil de ser contestado: o discurso médico e “científico” da época. De acordo com tal perspectiva, as práticas desportivas poderiam gerar consequências nocivas aos corpos femininos, uma vez que eles deveriam ter como prioridade a maternidade e não os louros do pódio.

Os dirigentes diziam que os treinamentos e as disputas eram agressivos para a biologia das mulheres, podendo até comprometer órgãos internos necessários à gestação.

Tal qual na Grécia Antiga, Coubertin desejava que a reedição comportasse apenas esportistas homens por serem, em seu entender, “heróis” de vigor físico inigualável e, portanto, aptos às distintas modalidades em disputa. Já as mulheres, bem: “A glória de uma mulher viria através do número e da qualidade dos filhos que produzisse. Até onde concerne o esporte, o papel da mulher é de encorajar seus filhos para vencer. A ela não cabe bater recordes”, ele defendia.

O espírito dos jogos, segundo o barão, relegaria ao feminino uma posição, digamos, nutridora. “A manifestação periódica solene de esporte masculino baseado no internacionalismo, na lealdade como meio, na arte como conhecimento básico e no aplauso das mulheres como recompensa”, postulou.

Mulheres durante competição de arco e flecha nos Jogos Olímpicos de Londres, 1908 / Crédito: Getty Images

Logo após ter angariado o apoio do papa Pio XI, que havia enfaticamente condenando a prática de esportes pelas mulheres, o francês ainda vaticinou: “Olimpíada feminina seria impraticável, desinteressante, antiestética e incorreta”.

Assistimos a um determinismo biológico, que se pauta na anatomia dos corpos, para justificar desigualdades de gênero, excluindo historicamente as mulheres de diversas práticas corporais, representadas pelos esportes presentes no programa olímpico”, afirma Devide.

Como ele lembra, a suposta “missão materna” era tida como destino obrigatório de toda mulher até a primeira metade do século 20. Entretanto, o raiar de um novo tempo se apresentava. E o ano de 1900, tremeluzindo de excitação por todo o progresso que as décadas vindouras reservariam aos seus viventes, trazia novidades palpitantes, especialmente para as atletas.

O século 19 exalava o odor das coisas velhas e, na nascente de uma era sedenta por avanços em todas as áreas, as mulheres não poderiam ser novamente limadas do êxtase olímpico.

Feministas em alerta

A pressão exercida pelos movimentos a favor da emancipação feminina conseguiu destrancar os portais de acesso às Olimpíadas. Então, nos Jogos Olímpicos de Verão de Paris, transcorridos entre 14 de maio e 28 de outubro de 1900, as mulheres voltaram a ocupar a arena desportiva.

Com muito custo, Coubertin liberou a elas somente as modalidades consideradas por ele menos extenuantes e mais agradáveis aos olhos: o tênis, o golfe e o arco e flecha.

Somente na quarta edição, em Londres, em 1908, as mulheres puderam participar da ginástica e do iatismo, passando de 17 inscritas, em 1900, para 36, em 1908. Em Estocolmo, na quinta edição dos Jogos, as mulheres participaram do programa de natação, totalizando 57 representantes do gênero feminino no evento.

Após o intervalo ocorrido em decorrência da Primeira Guerra Mundial, o número de modalidades que aceitavam mulheres continuou aumentando.

Contudo, uma modalidade específica atravancou a escalada feminina. Para a Associação Internacional de Federações de Atletismo, as mulheres estavam proibidas nesse esporte.

Além da polêmica e das pressões por parte de grupos organizados, o veto desencadeou a inauguração de duas entidades fundamentais para a inserção das mulheres no movimento olímpico: a Federação Esportiva Francesa Feminina, em 1917, por Alice Milliat, uma liderança no atletismo; e a Federação Esportiva Feminina Internacional, em 1921.

A resistência em inserir as mulheres no programa de atletismo dos Jogos Olímpicos também colaborou para que fossem organizados, em 1922, os I Jogos Olímpicos Femininos, em Paris, com mais de 20 mil espectadores e atletas de 30 países. O evento foi reeditado a cada quatro anos, até 1934, no mesmo formato dos Jogos Olímpicos Modernos, organizados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI)”, diz.

O sucesso da iniciativa e seu alcance levaram o COI e a Associação Internacional de Federações de Atletismo a reverem seus princípios. Resultado: nos Jogos Olímpicos de Amsterdã, em 1928, as mulheres puderam competir nas provas de atletismo. Porém, o programa se restringiu a cinco disputas. E, se não bastasse, ainda houve uma grande polêmica nos 800 metros rasos.

Alice Milliat em 1913 / Crédito: Wikimedia Commons/Desconhecido

Com exceção das três primeiras colocadas, as demais competidoras não conseguiram parar em pé após terem cruzado a linha de chegada. Exaustas, deitaram-se no chão. O quadro de cansaço extremo após a prova gerou alarde na mídia e ainda recebeu o aval do discurso médico, que condenou a participação de mulheres em provas longas, sobretudo, no atletismo, reacendendo o debate acerca da biologia feminina.

Por esse motivo, nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932, o programa foi revisto e a prova dos 800 metros rasos suprimida. A proibição perdurou até 1960. De entrave em entrave, as atletas olímpicas persistiram.

Ao longo do século 20, manteve-se a paulatina inserção das mulheres num número cada vez maior de modalidades, mas ainda sem igualdade com os homens. Nos Jogos Olímpicos Centenários, em Atlanta, 1996, 3.626 mulheres representaram 169 países, totalizando 34,2% do total de atletas no evento, disputando 21 modalidades”, pontua Devide.

Igualdade de gênero

Se nos Jogos Olímpicos de Paris, realizados em 1900, mulheres como a tenista Charlotte Cooper eram minoria absoluta, a competição de 2024 terá a maior participação feminina em cem anos. Para se ter ideia, em 1924, também em Paris, apenas 135 mulheres entre 3.089 atletas puderam representar seus países no maior evento esportivo do planeta.

Depois de décadas de luta por direitos sociais, políticos e reprodutivos, e mais de um século da criação do Dia Internacional das Mulheres, o Comitê Olímpico Internacional anunciou que, pela primeira vez na história das Olimpíadas, haverá igualdade total de gêneros nas cotas de vagas para Paris 2024. Funcionará assim: 28 das 32 modalidades do programa vão incluir os dois gêneros.

Dentre os eventos com medalhas, 152 serão femininos, 157 masculinos e 20 mistos. Ou seja, mais da metade de todas as provas contará com a participação das mulheres.

Os movimentos feministas no mundo e no esporte, incluindo a participação cada vez mais significativa de mulheres no Movimento Olímpico, fez com que o número das atletas nas competições aumentasse gradualmente, até atingir picos de crescimento em Los Angeles 1984, com 23%, seguido por 44% em Londres 2012, e 48% em Tóquio 2020, até chegar à tão esperada proporção de 50/50 em 2024, de acordo com dados do COI.

Inclusive, a representação feminina no Conselho Executivo da entidade aumentou em 6,7% com a Agenda Olímpica de Tóquio 2020, e desde 2022, 50% dos cargos de membros das comissões do Comitê são ocupados por mulheres.

“A presença paulatina de mulheres nos Jogos Olímpicos Modernos, não somente enquanto atletas, mas como jornalistas, dirigentes, treinadoras, psicólogas, entre outras funções, modificou as representações sobre as mulheres no esporte, reconhecendo suas potencialidades atléticas, em lugar de enaltecer sua beleza ou graciosidade. A inserção delas no esporte tanto modifica a sua representação na sociedade, quanto a sua inserção em espaços sociais de reserva masculina na sociedade modifica positivamente a sua inserção e permanência no esporte. É uma via de mão dupla”, opina.

Séculos de história política, cultural e social inflam as expectativas para os Jogos de Paris 2024. A pátria de grandes filósofos e filósofas, que se orgulha dos avanços ligados ao pensamento e ao comportamento de seu povo, tem agora o desafio de mostrar ao mundo que evoluiu também na arena esportiva.

“Espera-se que a França, berço do movimento feminista, ofereça uma edição dos Jogos Olímpicos exemplar no que tange à igualdade e à equidade de gênero no esporte, o que ultrapassa a simples igualdade percentual de homens e mulheres atletas, dado geralmente utilizado para afirmar que os Jogos Olímpicos estão mais igualitários. Pois, enquanto essa igualdade não ocorrer na direção, gestão, treinamento, jornalismo e manutenção da permissão de atletas trans, a suposta igualdade ainda estará longe do nosso horizonte”, avalia o docente. Agora só nos resta aguardar a largada.

Charlotte Cooper

Dentre as competidoras dos Jogos Olímpicos de 1900 estava a tenista inglesa Charlotte Cooper, então, tricampeã em Wimbledon. Ela foi uma das primeiras mulheres a brilhar na prestigiosa competição, criada em 1877. Porém, tenistas do gênero feminino só foram aceitas a partir de 1884.

No ano seguinte, Chattie, como era chamada pelos mais chegados, levava o primeiro lugar no pódio. Tinha 24 para 25 anos. Alta e muito elegante, ela se preocupava em acompanhar a moda e cuidar da aparência.

Como era de bom tom em plena Era Vitoriana, submetida a incisivos condicionamentos morais, Chattie ia para as quadras trajando saia longa o bastante para cobrir os tornozelos, a cintura acentuada, camisa de manga comprida com punhos e colarinhos engomados e sapatos lustrosos. Os cabelos se enrodilhavam num coque no topo da cabeça, como uma pequena coroa. Para arrematar, gravata. Bem ao estilo da Belle Époque, como ficou conhecida a virada do século 19 para o 20.

Charlotte Cooper e Hélène de Pourtalès / Crédito: Getty Images e Wikimedia Commons/Levitsky of Paris

Vencedora nata – que aprendeu a jogar tênis com a irmã –, chegou à final feminina em Paris e derrotou a francesa Hélène Prévost, tornando- -se a primeira mulher a ganhar, individualmente, uma disputa olímpica.

É importante ressaltar que a condessa suíça Hélène de Pourtalès havia sido campeã antes de Charlotte, no mesmo evento. Porém, diferentemente da inglesa, ela não disputou na vela sozinha, mas ao lado de seu marido e de um sobrinho.

Além disso, Cooper ainda ganhou o título misto com Reggie Doherty. Como muitos dos vencedores em 1900, ela recebeu um troféu no lugar da medalha. É que esta – de ouro, prata e bronze – só foi concedida retroativamente pelo Comitê Olímpico Internacional, pois, na época, não era a praxe.

Naquele tempo ninguém esperava que uma tenista sacasse por cima da cabeça. Muito menos que despejasse na bola uma agressividade descomunal, como era o caso de Charlotte. Com o mesmo arroubo, ela avançava à rede para definir uma jogada, o chamado voleio.

Na rede, a srta. Cooper rapidamente começou a se provar tão formidável quanto a maioria dos homens e certamente superior a muitos”, reconheceu o jornalista especializado em tênis, Arthur Wallis, no livro Lawn Tennis at Home and Abroad.

Os entendidos do esporte também elogiavam sua firmeza, temperamento balanceado e sua grande habilidade tática. Nascida em 1870, em Ealing, então, uma vila rural nas cercanias de Londres, Charlotte Cooper se casou no ano seguinte ao feito, em Paris, com o advogado Alfred Sterry, seis anos mais jovem do que ela. Dali em diante, continuou a competir em torneios de tênis, mas como Charlotte Sterry.

Teve dois filhos. Rex, nascido em 1903, por muitos anos membro do comitê do All England Club em Wimbledon, e Gwyneth, nascida em 1905, que também passou a competir no renomado campeonato e representou a Grã-Bretanha na Copa Wightman. Portanto, quando Charlotte venceu em Wimbledon pela quinta vez, já era mãe de duas crianças.

Nessa última conquista, ela tinha 37 anos e 296 dias, o que fez dela a mais velha vencedora do torneio de simples feminino. Ela competiu nas finais femininas do renomado torneio até 1919 e, depois de se aposentar, acompanhou de perto o esporte que tanto amava.

Mesmo com uma considerável perda na visão, ia à quadra torcer pelas novas gerações. Os mais próximos asseguram que até o último instante de seus 96 anos de vida a recordação de cada pódio manteve-se afiada em sua mente como um ace.

Pioneiras do esporte nacional

A bandeira brasileira desfilou pela primeira vez num estádio olímpico em 1920, na Antuérpia, Bélgica. A delegação tinha 21 atletas, todos homens. Somente 12 anos depois uma mulher se uniu à comitiva de 82 atletas que partiu rumo às Olimpíadas de Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1932, a bordo do navio Itaquicê – a viagem até lá durou 27 longos dias.

Com a autorização de sua família, a nadadora paulista de ascendência alemã Maria Emma Lenk tornou-se a primeira atleta a competir pelo Brasil, e também a única sul-americana na disputa até então. Ela tinha apenas 17 anos.

Maria Lenk / Crédito: Getty Images

Quatros anos depois, nos Jogos Olímpicos de Berlim, Alemanha, novamente mostrou suas habilidades na piscina, embora tenha aprendido a nadar no límpido Rio Tietê, na capital paulista, por iniciativa do pai, professor de educação física. Ele a prendia por uma vara de alumínio amarrada pela cintura e, assim, dava-lhe as instruções. Também queria fortalecer os pulmões da menina de 10 anos, sobrevivente de uma pneumonia dupla.

A participação de Maria Lenk em sua estreia olímpica foi tímida. Ficou em 20° nos 100 metros livre, foi desclassificada nos 100 metros costas e ficou em 11° lugar nos 200 metros peito. Suas adversárias eram mulheres que lutavam por cidadania há mais tempo e isso se refletia em maior participação no esporte.

Em Berlim, ela teve problemas no ombro e ficou apenas na 13ª posição nos 200 metros peito. E, quando estava no auge de sua carreira, foi uma das atletas mais prejudicadas pelo cancelamento dos Jogos de 1940 e 1944 por causa da Segunda Guerra Mundial.

Em 2002, depois de acumular medalhas e recordes em diversas competições nacionais e internacionais, a nadadora recebeu o Colar Olímpico, tornando-se a primeira brasileira a ser condecorada com a mais alta honraria do Comitê Olímpico Internacional. Ela faleceu aos 92 anos, enquanto nadava.

Seu legado serviu de estímulo para que milhares de meninas no Brasil inteiro começassem a praticar esportes. E sua dedicação à carreira esportiva não a impediu de ter tido filhos e netos.

Assim como Maria Lenk, outras mulheres tiveram a experiência de ser a única representante do gênero feminino numa delegação olímpica: Mary Dalva Proença, que disputou nos saltos ornamentais em Melbourne, em 1956; Wanda dos Santos pelo atletismo nos Jogos de Roma, em 1960; Aída dos Santos, também pelo atletismo em Tóquio, 1964.

É preciso lembrar que a lei se colocava como um empecilho para as brasileiras com aspirações esportivas. Segundo o artigo 54 do Decreto-lei n° 3.199, publicado em 14 de abril de 1941, “às mulheres não se permitirá a prática de esportes incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para esse efeito, o Conselho Nacional de Esportes baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

A participação feminina brasileira nos Jogos Olímpicos começou a aumentar a partir dos anos 1980. O vôlei, o basquete e o handebol foram os responsáveis por esse avanço. Depois o futebol, o judô e o salto com vara.

Em 1991, o COI determinou que todos os novos esportes a serem incluídos nos Jogos precisariam obrigatoriamente ter participação feminina.

Em 1996, as Olimpíadas de Atlanta cravaram o marco histórico da representatividade das mulheres no evento. Até que vieram as primeiras medalhas olímpicas de mulheres brasileiras na história: ouro e prata nas duplas do vôlei de praia, respectivamente Jackie Silva e Sandra Pires, Adriana Samuel e Mônica Rodrigues; prata pelo basquete; bronze pelo vôlei de quadra nos Jogos de Atlanta, em 1996, ou seja, 64 anos após o debute de Maria Lenk.

Grande parte dessa escalada se deve à persistência, à garra e aos sacrifícios individuais de cada esportista. Como observa a pesquisadora Katia Rubio no livro As Mulheres e o Esporte Olímpico Brasileiro (Casa do Psicólogo), nossas atletas foram conquistando pouco a pouco espaço no mundo do esporte sem contarem necessariamente com apoio institucional ou políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de talentos na área.

Essa constatação reforça a multiplicidade de fatores que contribuem para o surgimento e manutenção de ícones do esporte feminino, fatores que vão dos meios de comunicação, à indústria da moda, passando pela opção de patrocinadores por mulheres com perfis específicos relacionados à beleza, força ou outro atributo afirmativo”.

Para ela, isso reflete a luta das mulheres por seu lugar na sociedade brasileira, sobretudo em posições de destaque.