Após 80 anos, arquivos que detalham colaboração de holandeses com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial serão revelados a público
Publicado em 31/12/2024, às 10h00
Durante 80 anos, arquivos que detalham a colaboração de holandeses com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, quando o país foi ocupado pelas tropas de Adolf Hitler, foram mantidos quase em segredo nos arquivos de Haia. Mas agora, milhares de famílias da Holanda podem ter essas histórias reveladas, com a abertura de um arquivo sobre 425.000 pessoas acusadas de se aliar aos ocupantes no período.
Na próxima quinta-feira, 2 de janeiro, arquivos centrais dos tribunais de jurisdição especial (CABR) criados após a libertação da Holanda para levar os colaboradores dos nazistas à Justiça serão abertos, em acordo com as regras nacionais de arquivo. Até então, estes documentos só eram acessíveis a pesquisadores, aos envolvidos e a descendentes diretos, mas agora serão disponíveis a visitantes em geral.
Além disso, conforme repercute o The Guardian, nos três primeiros meses de 2025 também estará disponível a pesquisadores e descendentes de vítimas e supostos perpetradores um quarto desse banco de dados pela primeira vez. Essa decisão recente, por sua vez, vem provocando sentimentos mistos na população holandesa.
É um pouco desconfortável", relata ao The Guardian uma mulher chamada Connie, que pediu para que seu sobrenome não fosse identificado, cuja história familiar está contida no arquivo. "Não sei o que pode sair disso eventualmente, se as pessoas pesquisarem nosso sobrenome no Google".
No entanto, muitos ainda acreditam que a abertura sobre esse passado obscuro da Holanda, incluindo a colaboração burocrática e econômica do Estado, bem como a delação da população, é crucial. Vale mencionar que três quartos da população judaica holandesa — mais de 102 mil pessoas — foi assassinada pelos nazistas, sendo o país um exemplo de grande massacre de judeus durante a Segunda Guerra.
É somente nos últimos anos que o país vem se conformando e revelando mais sobre o passado turbulento, abrindo um museu nacional do Holocausto, fazendo um pedido público de desculpas e financiando pesquisas em torno do papel das instituições e empresas de transporta que colaboraram com os nazistas.
"Isso é parte da repressão dos holandeses de suas memórias de colaboração, depois que punimos nossos colaboradores militares e políticos", opina também ao Guardian o professor emérito de estudos do Holocausto na Universidade de Amsterdã, Johannes Houwink ten Cate. "Posso entender que os filhos e netos de colaboradores agora temem possíveis consequências, mas minha experiência pessoal é que seus sentimentos se acalmam depois que eles veem os arquivos. Tornar isso público é um passo importante".
Anteriormente, a ideia de divulgar os arquivos era disponibilizá-los online, mas a Autoridade Holandesa de Proteção de Dados (AP) chamou atenção para o fato de que, ao disponibilizar estes arquivos online, as leis de privacidade estariam sendo violadas.
Agora, a publicação está atrasada, e o ministro da cultura, Eppo Bruins, diz que o arquivo não deve ser disponível em mecanismos de busca como o Google. Porém, espera-se que eventualmente 30 milhões de páginas de relatos de testemunhas, diários, cartões de filiação ao partido fascista holandês, registros médicos, sentenças judiciais, pedidos de perdão e fotos sejam disponibilizados pouco a pouco.
É importante olhar para esse arquivo cuidadosamente", explica o diretor do Instituto NIOD para Estudos de Guerra, Holocausto e Genocídio em Amsterdã, Martijn Eickhoff, ao Guardian. "Se um texto é enganoso, as pessoas se tornam críticas sobre a fonte, e é isso que você aprende a fazer como historiador... Mas, como ele contém tantos documentos pessoais, isso afeta as pessoas enormemente".
As irmãs Connie, de 74 anos, Jolanda, de 70, e Mieke, de 68, por exemplo, possuem sentimentos distintos sobre a abertura do arquivo que pode revelar mais sobre o passado obscuro de sua família.
Enquanto Connie demonstra preocupação com a revelação, Jolanda disse que não se importava tanto; já Mieke alega se sentir ansiosa para ver o dossiê de seu avô, que tinha uma construtora que realizava diversos trabalhos para os nazistas. Após a guerra, vale mencionar, o avô foi punido pelas colaborações. O pai delas também trabalhou na construtora.
"Mas ele tinha 18 anos", segundo Jolanda. "Não sei em que outras coisas meu avô acreditava, mas papai acreditava em um mundo melhor, não na ideologia nazista… Mas você pode fazer escolhas, como a família do meu pai. Às vezes é uma escolha ruim".
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