Fenômeno desestabilizou ecossistemas marinhos e alterou cadeias alimentares, provocando a morte de milhões de animais na região do Alasca
Cerca de 4 milhões de araus-comuns (Uria aalge), uma espécie de ave da família das gaivotas, morreram no Alasca entre 2014 e 2016, devido à escassez de alimentos causada por uma onda de calor marinha conhecida como "A Bolha".
O fenômeno, caracterizado por uma massa de água anormalmente quente no norte do Oceano Pacífico, desestabilizou ecossistemas marinhos e alterou cadeias alimentares, conforme relatado em um estudo publicado na revista Science no último dia 12.
Essas aves marinhas, conhecidas por viverem em colônias densas nas falésias costeiras, desapareceram de seus locais habituais durante o período crítico.
"Uma colônia de araus é um lugar muito barulhento e malcheiroso, com milhares de aves marinhas pretas e brancas amontoadas ombro a ombro nos penhascos costeiros", descreveu Brie Drummond, bióloga marinha do Refúgio Nacional de Vida Selvagem Marítima do Alasca. Em 2015, porém, apenas algumas aves foram vistas, resultando em uma falha na reprodução.
“A princípio, pensamos 'as aves não apareceram para se reproduzir, mas elas voltarão no próximo ano", lembrou Drummond. No entanto, quase nenhuma ave botou ovos, obrigando a equipe do refúgio a ajustar seus protocolos de monitoramento. Enquanto isso, carcaças começaram a aparecer nas praias do Golfo do Alasca, totalizando mais de 62 mil aves mortas registradas — apenas uma fração do número real, segundo cientistas.
Heather Renner, bióloga supervisora do refúgio, destacou a gravidade do evento: "Sabíamos que era algo grande e sem precedentes, mas não tínhamos ideia da escala". "A Bolha", formada no final de 2014, durou dois anos, elevando as temperaturas oceânicas e comprometendo a disponibilidade de pequenos peixes, fonte principal de alimento dos araus. De acordo com o portal Galileu, estima-se que metade da população dessa espécie no Alasca tenha morrido de fome.
Para ilustrar a magnitude da tragédia, Renner comparou a mortalidade dos araus ao desastre ambiental do derramamento de óleo do Exxon Valdez, em 1989. Naquela ocasião, cerca de 250 mil aves marítimas morreram após o petroleiro despejar 36 mil toneladas de petróleo na costa do Alasca. "A mortalidade dos araus foi cerca de quinze vezes maior", afirmou.
Os impactos do aquecimento marinho também atingiram populações de bacalhau-do-Pacífico, que sofreram uma queda de 80%, além de peixes-forrageiros como o capelim, afetando comunidades pesqueiras locais.
Sete anos após o término de "A Bolha", as populações de araus ainda não mostram sinais de recuperação. "Esperávamos ver uma recuperação maior até agora", lamentou Renner. Com colônias reduzidas e mais vulneráveis a predadores e mudanças ambientais, a recuperação continua incerta.
Como indicadores da saúde dos oceanos, os araus-comuns são monitorados há décadas. "Precisávamos de dados sobre a contagem populacional das colônias ao longo de vários anos para determinar quantas aves realmente foram perdidas", explicou Renner, destacando a complexidade de estimar os danos apenas pelas carcaças recuperadas.
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