Com exclusividade à AH, o historiador Alex Bohrer explicou como vivia o camponês que, mais tarde, tornou-se o Cristo católico
Em meados do século 18, estudiosos começaram a observar a imagem de Jesus de Nazaré sob um novo ponto de vista. Há mais de 300 anos, então, historiadores, cientistas e curiosos buscam pelo Jesus histórico, o homem por trás da religião.
Autor da obra “Jesus: Um breve roteiro histórico para curiosos”, o professor Alex Fernandes Bohrer foi um dos muitos estudiosos que se debruçou sobre a verdadeira história do judeu nascido no Império Romano. O resultado é um quadro intrigante.
Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, o pesquisador narrou a trajetória de uma das personalidades mais importantes da história da humanidade. Através de suas pesquisas, Alex encontrou possíveis respostas para muitas perguntas cruciais.
“Existe uma diferença entre Jesus religioso, que aparece em vários registros, e o Jesus histórico, que é mais difícil [de encontrar]”, narra Alex. “Jesus tem várias camadas. Você tem que ir removendo cada uma até encontrar, lá no centro, o Jesus histórico.”
Foi através de manuscritos antigos — que são cópias dos evangelhos —, manuscritos do Mar Morto e diversas descobertas arqueológicas que o historiador conseguiu construir a imagem do Jesus real, “um camponês que viveu na Palestina”.
“Ao contrário de Vênus, Júpiter e Mercúrio, os grandes deuses do panteão romano, esse personagem que se transformaria no Deus cristão é real e datável”, pontua Alex. “Hoje, nenhum grande pesquisador defende a não existência de Jesus.”
Mas quem, afinal, era o Jesus histórico, o homem que realmente existiu? Segundo o professor, “ele foi um camponês, um andarilho pobre, que perambulou pela Palestina no primeiro século. Na mesma época que os judeus estavam esperando pelo messias”.
Por isso, inclusive, ele teria recebido o título de Cristo. “‘Messias’ significa ‘ungido’, que, traduzido para o grego significa ‘cristus’”, explica o historiador, que ainda é professor de História, Estética e Iconografia. “Jesus Cristo, portanto, seria o Jesus ungido, o escolhido.”
Ele, no entanto, não foi o primeiro messias a surgir naquele contexto, sendo que, antes dele, vieram Teudas e Simão, por exemplo. “Então por que esse camponês de Nazaré se transforma no grande Messias enquanto os outros foram esquecidos?”, questiona Alex.
Durante os primeiros séculos, a imagem de Jesus não tinha o mesmo peso que tem hoje. “Ele provavelmente era popular, mas não tanto quanto hoje”, reflete o professor. Isso porque, naquele contexto, “existia muita competição dos outros messias”.
“Se ele fosse muito conhecido na época, ele pareceria mais na documentação”, explica Alex. “Os primeiros registros não cristãos sobre ele acontecem a partir do ano 60 d.C., trinta anos depois de sua morte. E nunca são muito longos.”
Ainda assim, existem diversas explicações para a fama que Jesus de Nazaré conquistou. “Ele tinha mensagens diferentes para outros messias, que eram ditadores sociais e políticos. Além disso, ele ainda incluia pobres e mulheres em seus discursos, uma coisa fundamental, porque tais grupos eram marginalizados no Império Romano.”
Tendo conquistado seguidores com falas e parábolas do cotidiano de pastores e pescadores, Jesus de Nazaré “foi um personagem real”. Por isso, inclusive, existem fatores de sua vida que podemos pontuar “com determinado grau de certeza”.
“Ele devia ter um trabalho manual, não era da casta sacerdotal”, narra Alex. “Ele não teve uma vida fácil, provavelmente era carpinteiro. Na verdade ele era mais construtor, um pedreiro, do que carpinteiro. Era um homem que chorava, sentia fome, sentia raiva, medo, frio. Um personagem que tinha dúvidas, que frequentava festas.”
Quanto à sua aparência, o historiador é categórico. “Jesus era semita. Devia ter uma altura entre 1,60 e 1,65. Tinha a pele mais escura, o cabelo crespo e curto, olhos escuros, a barba espessa” narra. “Se fosse um judeu mais devoto, pode ser que tivesse deixado apenas os cabelos da têmpora crescer. Mas branco ele não era.”
Ainda que existam registros sobre quem realmente foi Jesus, Alex pontua a importância de lembrar que Cristo é “um personagem maleável”. Considerando que suas descrições foram criadas décadas após sua morte, ainda restam muitas dúvidas.
Para o professor, por exemplo, Jesus aprendeu a ler enquanto fazia parte dos Essênios, uma antiga seita judaica. Só assim, segundo Alex, ele poderia ter um conhecimento tão profundo da Torá — o que seria praticamente impossível para um analfabeto.
Apesar das dúvidas, Jesus era, com certeza, “um homem tolerante, que tentava se equilibrar entre dois poderes”, além de inteligente o suficiente para escapar “de todas as armadilhas que tentavam aplicar nele. E por isso ele é tão fascinante”, finaliza Alex.