Décadas de casamentos consanguíneos teriam influenciado a vida do rei Tutancâmon, cuja múmia já foi achada
Assim como ocorreu nas monarquias europeias durante a Idade Média, nas dinastias do Egito Antigo o incesto era muito comum. Em ambos os casos, as uniões matrimoniais entre membros da mesma família eram realizadas com o objetivo de preservar o poder nas mãos de uma única linhagem real.
No caso da civilização egípcia, a prática chegava a ser representada em sua mitologia: o deus dos mortos, Osíris, teria se casado com sua irmã, Ísis, que era deusa da fertilidade e a maternidade.
Como sabemos atualmente, porém, os repetidos cruzamentos genéticos entre pessoas com DNAs semelhantes torna mais frequente a ocorrência de doenças, em especial aquelas guardadas nos chamados genes recessivos, isso é, que precisam estar presentes nos cromossomos de ambos os pais para que se manifestem nos filhos.
No Egito, uma famosa figura histórica do Egito teria vindo de famílias repletas de consanguinidade: o faraó Tutancâmon, faraó da décima oitava dinastia. No entanto, casamento entre irmãos também era comum na dinastia de Cleópatra, que não chegou a ter filhos com os irmãos.
No clã da rainha, que ficou no poder durante 275 anos, os casamentos entre não apenas membros da mesma família, mas irmãos e irmãs, eram extremamente frequentes.
Foi Ptolomeu II quem iniciou a tradição do incesto na antiga dinastia. Ele se casou com Arsione II, sua irmã. Na época, o episódio causou um escândalo: não era aceito na Grécia ou na Roma. "Era coisa do ‘místico Egito'", explica a biografia 'Cleópatra: Como a última rainha do Egito perdeu a guerra, o trono e a vida e se tornou um dos maiores mitos da história', escrita por Arlete Salvador.
Segundo a obra, após o casamento de Ptolomeu II, a união entre irmãos se tornou comum como maneira de manter o poder. A obra explica que o incesto era tratado com naturalidade e que "é possível especular que os novos regentes egípcios seguissem a tradição dos faraós por razões políticas. Repetindo o comportamento dos antecessores, buscavam apoio e respeito populares", continua o livro.
Entre os dois, todavia, aquele que sabemos ter sofrido consequências negativas das gerações de uniões incestuosas de sua dinastia foi Tutancâmon.
A descoberta da tumba do jovem rei (que governou o Egito entre os 9 e 19 anos) em 1922 constituiu um grande momento para a egiptologia, revelando diversas informações valiosas sobre o império milenar.
Diferente de muitos outros, o local de descanso de Tut se encontrava ainda selado, de forma que seu interior havia permanecido intocado por 3,2 mil anos. Dentro da tumba, foram descobertos dezenas de artefatos de ouro maciço que sem dúvida já teriam sido saqueados em outras circunstâncias.
A princípio, os pesquisadores apenas tiveram acesso às relíquias com o qual o faraó foi enterrado, porém, de 2005 para cá, os próprios restos mortais também foram submetidos a análises, levando a descobertas surpreendentes.
Conforme relembrado pelo portal Medical Bag, em 2010, o DNA do jovem rei egípcio foi comparado com o de outras 10 múmias a fim de que seu parentesco com elas fosse avaliado. O estudo revelou que Tut era filho do rei Aquenáton e que sua mãe, embora não tivesse sido totalmente identificada, era uma das cinco irmãs do pai dele.
Infelizmente, para o faraó menino, esse alto grau de consanguinidade cobrou seu preço. Tutancâmon teria sofrido com uma doença degenerativa em seus ossos que provocou uma deformação em seu pé direito, obrigando-o a usar bengala para se locomover.
De saúde debilitada, ele teria ainda contraído múltiplas infecções de malária ao longo de sua curta vida, e também teria uma fenda palatina (abertura no lábio e no céu da boca) e escoliose.
"Ele não era um faraó muito forte. Ele não estava andando nas carruagens. Imagine, em vez disso, um menino frágil e fraco que tinha um pé torto e precisava de uma bengala para andar (...) A consanguinidade não é uma vantagem para a aptidão biológica ou genética. Normalmente, a saúde e o sistema imunológico são reduzidos e as malformações aumentam", explicou o geneticista Carsten Pusch, que estudou a múmia egípcia, em uma entrevista de 2010 ao National Geographic.
Embora seus distúrbios congênitos não tenham necessariamente causado sua morte — alguns egiptólogos acreditam que o adolescente teria vindo a óbito após um acidente de caça deixá-lo com uma ferida infeccionada na perna — certamente os problemas de saúde do rei não teriam contribuído para sua longevidade.
Outro detalhe, aliás, é que Tut teria continuado a tradição familiar incestuosa e se casado com sua meia-irmã de mesmo pai, Anquesenamon. No fim das contas, a excessiva consanguinidade teria sido ruína da dinastia 18ª, do qual o jovem deficiente foi o último faraó: seus dois filhos com a esposa teriam sido natimortos, isso é, já nasceram sem vida, o que também pode ser causado pelo incesto.