Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História

O palco da Guerra do Paraguai

Ao visitar o cenário do maior conflito sul-americano, é difícil imaginar que milhares morreram em locais hoje tão plácidos como Tuiuti ou Lomas Valentinas

Ricardo Bonalume Neto Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

Descrever os eventos de uma batalha é como tentar descrever um baile, dizia um dos mais fa­mosos generais britânicos, o Duque de Wellington. É possível tentar entender o desenrolar de uma batalha por meio de mapas, mas nada é mais esclarecedor do que uma visita ao próprio local onde ela aconteceu. Esse tipo de visita tornou-se praxe em escolas militares na Europa.

Entre os campos de batalha mais bem preservados estão os do maior conflito sul-americano, a Guerra do Paraguai. Boa parte da guerra transcorreu no sul do país, em região que, em alguns casos, ainda hoje é de difícil acesso. A grande “estrada” de acesso ao país era o rio Paraguai, e os combates desenrolaram-se em grande parte perto dele.

A guerra, que durou de 1864 a 1870, pode ser dividida em quatro fases.

O primeiro momento foi caracteriza­do pelas ofensivas paraguaias contra o Brasil e a Argentina. Em novembro de 1864, o ditador paraguaio Solano López ordenou a tomada do navio a vapor brasileiro Marquês de Olinda, que navegava no rio Paraguai a caminho de Mato Grosso. O ato de López foi em represália à intervenção do Brasil na guerra civil uruguaia. No mês seguinte, tropas paraguaias invadiram o Mato Grosso. Em abril de 1865, os paraguaios invadiram a Argentina a caminho do Rio Grande do Sul.

Essa fase terminou com a derrota das ofensivas paraguaias. Uma das vitórias brasileiras foi na batalha naval de Riachuelo, em 11 de junho de 1865, a mais decisiva do conflito. A frota paraguaia foi quase toda destruída. O bloqueio do país foi efetivamente estabelecido então; não haveria mais como o Paraguai adquirir material bélico no exterior.

Esgotado o ímpeto ofensivo paragua­io, a segunda fase foi a do contra-ataque dos três aliados – Brasil, Argentina e Uruguai. Essa fase girou em torno das tentativas aliadas de ultrapassar as fortificações fluviais paraguaias, notadamente a grande fortaleza de Humaitá. Apesar de navios encouraçados da Marinha brasileira terem ultrapassado a fortaleza em fevereiro de 1868 – chegando a bombardear Assunção –, só em julho do mesmo ano os aliados entraram em Humaitá.

Comando brasileiro

Até janeiro de 1868, o comandante das tropas aliadas era o argentino Bartolomeu Mitre. Foi substituído por um brasileiro, Luís Alves de Lima e Silva, o então marquês e futuro duque de Caxias.

Desembaraçados de Humaitá, começou uma terceira fase da guerra, de maior ação para os aliados. Em um movimento estratégico brilhante, Caxias avançou em novembro de 1868 pela margem oeste do rio e cruzou-o de novo atrás das linhas paraguaias, fazendo seu ataque em uma direção inesperada, de norte para o sul. Os paraguaios foram então derrotados por Caxias em várias batalhas em dezembro de 1868 – Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e Angostura –, um evento conhecido no Brasil como a “dezembrada”. Em janeiro de 1869, a capital paraguaia, Assunção, foi ocupada, encerrando-se assim a terceira fase da guerra.

O ditador paraguaio não se rendeu mesmo depois da tomada de sua capital. A fase final da guerra foi uma “caçada” a Solano López e só terminou com sua morte por soldados brasileiros em Cerro Corá, em 1o de março de 1870.

Troféus de guerra

Os campos de batalha mais acessíveis são justamente os da segunda e terceira fases, em torno de Assunção e na direção sul até a fronteira argentina. Em Assunção é possível visitar o Museo Militar e tomar conhecimento da versão paraguaia para o conflito. Apesar de ter arrastado seu país a uma guerra suicida, e de ter pessoalmente ordenado a morte de muitos, o ditador López ainda é geralmente considerado um herói no Paraguai. O culto a ele foi intensificado durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1912-2006), que governou o país de 1954 a 1989.

O Museo Militar tem armas e equipamentos da guerra, além de bandeiras vinculadas a várias batalhas. As bandeiras foram devolvidas ao Paraguai pelos brasileiros – caso raro no mundo de devolução de “troféus de guerra”.

Seguindo para o sul chega-se a Humaitá. Resta pouco da antiga fortaleza. Os principais restos, iluminados à noite e dotados do tradicional busto de López, são da igreja local, que por ser o edifício mais alto era um conveniente ponto de mira para os artilheiros brasileiros.

O terreno em torno de Humaitá é em grande parte pantanoso, o que dificultou muito o avanço dos aliados. Os invasores não tinham mapas precisos. Os defensores paraguaios cavavam suas linhas de trincheiras perto de fossos naturais. Olhando-se imagens de satélite, é possível ver ainda hoje o traçado de antigas trincheiras.

Humaitá bloqueava o avanço pelo rio. E sem ter o rio para transportar suprimentos, a investida por terra era impossível. A fortaleza só foi ultrapassada quando os brasileiros empregaram navios encouraçados. Algumas dessas placas de couraça podem ser vistas hoje no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro

A Guerra do Paraguai aconteceu em um momento de transição tecnológica na área militar. Os navios a vela de madeira começavam a ser substituídos por embarcações a vapor e de ferro. Nessa fase de transição, os navios a vapor também tinham velas. Os canhões de carregar pela boca com balas esféricas de ferro começavam a dar espaço para outros mais modernos, que disparavam obuses cilíndricos e tinham maior precisão por ter a “alma” (o interior do cano) com raias. E os antigos fuzis que disparavam balas esféricas davam lugar a outros, raiados, usando balas modernas como a do modelo Minié; de um momento para outro, a eficácia de tiro saltou de 100 para 300 metros.

Táticas antigas de ataques frontais em grande número, combinadas com o maior poder das armas, podiam resultar em grandes carnificinas. Por exemplo, os aliados tiveram perto de 4 mil mortos e feridos em frente da posição fortificada de Curupaiti, em setembro de 1866. Na batalha de Campo Grande, ou Acosta-Ñú, o último exército de López – que incluía bom número de adolescentes e de idosos – teve cerca de 2 mil mortos.

É difícil imaginar que milhares morreram ou foram feridos em locais hoje tão plácidos como os campos de batalha de Tuiuti ou Lomas Valentinas. Apenas alguns monumentos singelos atestam que ali houve luta intensa quase um século e meio atrás. Em 24 de maio de 1866, travou-se ali a maior batalha campal da América Latina. Os paraguaios tentaram um ataque de surpresa, mas coordenaram mal o avanço das diversas colunas de tropas. Como em toda guerra, os dois lados não chegam a um consenso sobre os números, mas os mais confiáveis indicam que 23 mil paraguaios atacaram 35 mil aliados. Os paraguaios teriam perdido 12 mil homens, metade deles mortos.

Um dos locais mais elucidativos é o famoso arroio Itororó, um afluente do rio Paraguai. Uma ponte sobre o arroio era fundamental para o avanço brasileiro durante a “dezembrada”. Mas a ponte foi tenazmente defendida por paraguaios comandados pelo general Bernardino Caballero (cujo busto está em monumento perto do arroio).

Tropeçando em obuses

Depois de vários ataques repelidos, o próprio Caxias liderou uma ofensiva final, quando disse a famosa frase: “Sigam-me os que forem brasileiros”. O ataque foi bem-sucedido. Ainda hoje é possível tropeçar em balas e obuses nos campos de batalha em que a luta foi mais concentrada, como Lomas Valentinas.

Em janeiro de 1869, Caxias ocupou Assunção. Para ele, a guerra terminara. Mas López conseguiu escapar do cerco em Lomas Valentinas. Na fase final da guerra, até sua morte, as tropas aliadas – quase todas brasileiras – foram comandadas por Conde D’Eu, genro do imperador D. Pedro II.

Com a ocupação da capital, os navios paraguaios restantes tentaram escapar rumando ao norte pelo rio Paraguai. Um grupo entrou por um afluente, o rio Manduvirá. Para bloquear o caminho, os paraguaios afundaram vários navios. Sobraram seis em um local chamado Capilla de Caraguataý. Ante o risco de serem capturados pelos brasileiros, os paraguaios incendiaram os seis navios, em agosto de 1869. As partes de madeira queimaram, mas sobrou o metal. Os navios estão lá até hoje, sem canhões e preservados fora d’água no Parque Nacional Vapor Cué, perto da cidade de Caraguataý e a 98 km de Assunção.

São navios raros que merecem uma visita. Ainda mais raro é um navio brasileiro afundado no conflito. O encouraçado Rio de Janeiro naufragou ao bater em uma mina explosiva em frente da posição fortificada de Curuzu, abaixo de Humaitá. Se algum dia for escavado, será uma atração única no mundo.

Para saber mais

LivroS

• Maldita Guerra, Francisco Doratioto, Companhia das Letras, 2002

• Imagens em Desordem - A Iconografia da Guerra do Paraguai (1864-1870), André Toral, USP/FFLCH, 2002

• Guerra do Paraguai - Memórias e Imagens, Ricardo Salles, Editora Miguel de Cervantes, 2003

• Cartas dos Campos de Batalha do Paraguai, Richard Francis Burton, Bibliex Cooperativa, 1997