Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História

A perseguição aos judeus sob a tutela da Lei

Promulgação das Leis de Nuremberg, em setembro de 1935, foi marco formal da perseguição e discriminação de judeus pelos nazistas

*Daniela Russowsky Raad Publicado em 18/12/2024, às 18h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Membros nazistas no comício de Nuremberg de 1935 - Bundesarchiv
Membros nazistas no comício de Nuremberg de 1935 - Bundesarchiv

As Leis de Nuremberg, promulgadas em setembro de 1935, ficaram conhecidas por serem um marco formal da perseguição e discriminação dos judeus na Alemanha nazista, dando respaldo para a futura sistematização do extermínio do povo, por meio do Holocausto.

Entretanto, as agressões antissemitas já recebiam respaldo legislativo muito antes das conhecidas Lei de Cidadania do Reich e Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã, o que revela parte da gradual transformação social, moral, política e legislativa que os nazistas tiveram êxito em promover.

Com a ascensão do partido nazista ao poder, especialmente com a nomeação de Hitler como chanceler em 1933, a perseguição aos judeus e outras minorias começou a aumentar, sustentando-se em decretos oficiais advindos do governo.

Adolf Hitler discursando em 1934 - Getty Images

Entre 1933 e 1934, os esforços foram concentrados na exclusão dos judeus da vida econômica e social alemã. Também durante esse período, foram criadas leis que serviram como base para o assassinato e perseguição sistemática aos judeus que se seguiu nos anos de governo nazista.

A transformação social foi modulada pela mudança legislativa, ou as leis apenas acompanharam as mudanças da sociedade alemã? De uma forma ou de outra, ambas caminharam lado a lado para a concretização do Holocausto, como a história nos conta.

1933 e 1934: Preparando o Terreno

Entre alguns exemplos das leis anteriores às de Nuremberg, estão a Lei para a Restauração do Serviço Público Profissional, a Lei para a Prevenção de Descendentes com Doenças Hereditárias e o Estatuto para combater a superlotação das Escolas e Universidades Alemãs, todos de 1933.

A primeira, datada de abril, previa a exclusão de todos aqueles considerados inimigos políticos ou “raciais” do regime nazista dos seus cargos públicos, corroborando um movimento que há muito tempo já era defendido pelos governantes.

Já a segunda, de julho de 1933, fazia parte do fortalecimento da narrativa racista do nazismo, de que a superioridade — e inferioridade — racial era sustentada pela ciência. Essa lei estipulava a esterilização forçada de grupos que apresentassem algum tipo de doença física ou mental.

O Estatuto para Combater a Superlotação das Escolas e Universidades Alemãs, ao seu turno, excluía alunos não arianos das redes públicas de ensino, limitando o número de estudantes permitidos e restringindo, substancialmente, o número de ingressantes.

Ainda integraram o rol de legislações e decretos publicados: o Decreto de Berlim suspendendo médicos judeus do sistema de saúde público (março); a Lei de Admissão na Atividade Legal, proibindo judeus de acessar a prática jurídica (abril); a Lei de Desnaturalização, que revogou a cidadania de judeus naturalizados e “indesejados” (julho); e a Lei dos Editores, que baniu os judeus de editoriais (outubro).

Assim, nessa época, os judeus já viviam uma situação de exclusão social e econômica crítica, tendo sido alvo de demissões e dispensas generalizadas de cargos como advogados, médicos ou professores, conforme relatou George S. Messersmith, Cônsul Geral dos Estados Unidos em Berlim, ao acompanhar a ascensão do nazismo.

Em 1933, os judeus já haviam também sido banidos de posições de influência nas artes, literatura, música, teatro, radio e imprensa; e proibidos de ser proprietários de fazendas.

Em um documento datado de setembro desse mesmo ano, Messersmith revela sua preocupação com o tratamento dispendido aos judeus na Alemanha, especialmente em razão de articulações internas do governo vigente.

Nessa ocasião, ele cita um relatório, que deveria ser confidencial, do então especialista em questões raciais do Ministério do Interior do Reich, Achim Gercke, em que ele afirma que aqueles que tivessem um dos avós judeus, ou qualquer ancestral judeu, não eram considerados arianos. Ciganos e negros também não eram considerados pertencentes à raça ariana.

Achim Gercke - Bundesarchiv

Gercke defendia, ainda, que para a eugenia da população ariana, não poderiam haver casamentos entre judeus e alemães arianos, chegando a citar isso como uma questão de saúde. Vide trechos do seu posicionamento:

A questão judaica e a questão do sangue misto devem, portanto, ser resolvidas em um plano social. Deve novamente tornar-se uma regra ética que pessoas de sangue germânico só possam contrair casamentos com pessoas da sua própria espécie. [...]

Quanto aos princípios fundamentais: Seria contrário a todos os princípios de saúde racial se alguém, sem hesitação, considerasse uma mistura de sangue judeu na segunda, terceira ou quarta geração como inexistente ou irrelevante. [...]

Devemos construir o nosso país sem os judeus; eles só podem ser estranhos sem nacionalidade, e não devem ocupar nenhum cargo permanente de forma legal e legítima dentro da estrutura do país.”

É interessante notar, nesse ponto, que o senso nacional despertado pelo regime hitlerista trazia consigo a ideia comum de que a identidade nacional da Alemanha carregava consigo a exclusão de estranhos (não arianos), como eram colocados os judeus.

Assim, a sociedade alemã tornou-se um terreno fértil às medidas antijudaicas, porquanto o senso de pertencimento à comunidade nacional também significava a aceitação de uma segregação “necessária”.

1935 em diante: A Alemanha Pronta

Em 1935, a situação segue se agravando, e uma nova legislação do exército alemão prevê a expulsão dos judeus do serviço militar. São, então, promulgadas as Leis de Nuremberg, compostas pelas leis de Cidadania do Reich, e de Proteção do Sangue e da Honra Alemã.

Elas tinham como justificativa a perpetuação da pureza da raça alemã, entendida pelos nazistas como superior às demais. Através das leis, da eugenia e segregação de raças inferiores, os nazistas diziam estar protegendo a sociedade ariana, pelo que denominavam de pureza de sangue.

A Lei de Cidadania do Reich, passou a definir quem era e quem não era cidadão alemão. Em seu texto, enquadrava os judeus como estrangeiros, sem direitos políticos, tornando-se páreas da sociedade alemã. Era a exclusão completa da sociedade — política, econômica e social.

A Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã buscava evitar a “mistura racial” entre a raça ariana e judeus, proibindo casamentos e relações afetivas entre ambos. Em sua teoria racista, os nazistas defendiam que essas relações prejudicavam a pureza do sangue alemão, porquanto poderiam gerar crianças de “raça mista”. São alguns dispositivos da lei, que demonstram a segregação racial imposta pelo regime nazista:

Seção 1.Casamentos entre judeus e nacionais alemães ou relativos de sangue são proibidas. Casamentos contraídos em discordância com essa regra são inválidos, ainda que realizados no exterior, descumprindo essa disposição.

Seção 3.Judeus não são permitidos a empregar nos seus lares mulheres de nacionalidade alemã ou de sangue relacionado, com idade inferior a 45 anos.

Seção 4.(1) Os judeus estão proibidos de içar a bandeira nacional e de exibir as cores do Reich. (2) Por outro lado, eles podem exibir as cores judaicas. O exercício desse direito está sob a proteção do Estado.

As Leis de Nuremberg foram um passo marcante e importante para o processo de isolamento e exclusão dos judeus dentro da sociedade alemã, mas não foram as únicas, nem as últimas.

Datada de 1938, a Lei de Alteração do Nome de Família e Pessoal, proibia judeus de alterarem os seus nomes, sendo adicionado, posteriormente, uma determinação para que aqueles que não possuíssem nomes de origem judaica, adicionassem “Israel”, para homens, e “Sara”, para mulheres, como forma de serem identificados como judeus.

Leis proibindo a atuação profissional dos judeus eram corriqueiras, mas a exclusão tornou-se ainda mais incisiva: ainda em 1938, as empresas pertencentes a judeus foram proibidas de alterar os seus nomes, e estes deveriam reportar todo o seu patrimônio que superasse determinada quantia estabelecida.

Comerciantes judeus forçados a andar carregando cartazes com os dizeres: "Não comprem de judeus" - US Holocaust Memorial Museum

Como um “segundo passo”, o Decreto de Confisco dos Bens de Judeus passou a regular a transferência forçada do seu patrimônio para não judeus. Enfim, o Decreto sobre a Exclusão dos Judeus da Vida Econômica Alemã fecha todas as empresas de propriedade judaica, e, posteriormente, em 1939, um Decreto determina que os judeus entreguem todo ouro, prata, diamantes e outros bens valiosos ao estado, sem qualquer compensação.

Paralelamente, o Ministério do Interior do Reich invalida todos os passaportes alemães detidos por judeus, determinando que eles entregassem os seus documentos antigos, que só se tornavam válidos após a letra “J” ser carimbada neles. Já o Ministério da Educação do Reich, expulsa todas as crianças judias das escolas públicas, e o Ministério do Interior do Reich restringe a liberdade de movimento dos judeus.

O fim anunciado

Ao analisar a crescente discriminatória e de exclusão dos judeus da sociedade alemã, tornando-se páreas sem a possibilidade de efetiva vivência — seja social, educacional, política ou econômica —, o destino final do assassinato em massa em florestas, nos campos de concentração, isolamento em guetos e deportações, não são resultados de uma mudança repentina.

O processo de desumanização dos judeus sob a política racista da Alemanha nazista foi gradual e acompanhado da mudança de percepção social sob a ideia de ser um custo, uma medida necessária, para se alcançar o modelo de sociedade eugenista almejado.

O resultado? Assassinatos em massa, de forma sistematizada, de 6 milhões de judeus. O Direito, como ciência jurídica e social, é um sistema que deve ser dinâmico a fim de acompanhar o desenvolvimento das demandas da sociedade, tornando-se uma ferramenta de viabilizar a convivência social dentro de parâmetros legais.

É, em última instância, um sistema de segurança, também, para o indivíduo viver em sociedade. A Alemanha nazista, contudo, trouxe à tona uma face perversa e possível: a de modular uma sociedade onde o racismo e a discriminação integram a legislação vigente, fazendo parte da espinha dorsal do Estado governante.