Perseguido pelos nazistas, Albert Einstein teve que deixar a Alemanha, mesmo assim, jamais escondeu seu desprezo por Hitler: 'incapaz para qualquer trabalho útil'
Em 'Einstein e a Bomba', novo documentário da Netflix lançado na última sexta-feira, 16, somos apresentados ao período de três semanas que Albert Einstein ficou em um esconderijo em Norfolk, na Inglaterra, após deixar a Bélgica.
Alemão de origem judaica, o físico passou a ser considerado inimigo número um do país após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, em 1933. Enquanto o antissemitismo crescia em sua terra natal, Albert seguia como um militante do pacifismo e ferrenho opositor do fascismo. Como resultado, teve que deixar seu país de origem.
Com a perseguição cada vez maior contra os judeus, o físico foi convencido por sua esposa a deixá-la na Bélgica e aceitar o convite de exílio feito pelo deputado conservador antifascista Oliver Locker-Lampson.
"Foi só quando olhamos mais de perto que percebemos que momento sísmico foi aquele em sua vida", disse o roteirista de 'Einstein e a Bomba', Philip Ralph, em entrevista ao The Guardian. "O que resultou da minha pesquisa foi que este foi, em muitos aspectos, o ponto de virada mais importante na vida de Einstein".
Antes desse ponto, Einstein era um defensor declarado e apaixonado da não-violência e do pacifismo… Escolhemos o título 'Einstein e a Bomba' porque foi a mudança em seu pensamento que ocorreu durante aquele período de três semanas em Norfolk que o levou diretamente a colocar seu nome naquela carta a Roosevelt", explica Ralph.
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Após a morte de importantes figuras judias e de ter sua cabeça colocada como recompensa, Albert Einstein foi recebido em um abrigo de localidade secreta no Reino Unido.
Para contextualizar esse período, 'Einstein e a Bomba' utilizou as próprias palavras do físico — seja em discursos, cartas e entrevistas — para retratar o período de três semanas que Albert ficou no país.
Entre esses arquivos, está um manuscrito de Einstein de 1935, período no qual ele já lecionava em Princeton, nos Estados Unidos. O documento só foi publicado anos depois da morte do alemão, no livro 'Einstein on Peace', de 1960.
Nele, o físico apresenta sua visão crua e sem filtro de seus pensamentos, assim como seu entendimento dos motivos que levaram Hitler chegar ao poder. "Para vergonha eterna da Alemanha, o espetáculo que se desenrola no coração da Europa é trágico e grotesco; e não reflete nenhum crédito para a comunidade de nações que se autodenomina civilizada!", começa.
"Durante séculos, o povo alemão foi sujeito à doutrinação por uma sucessão interminável de professores e sargentos. Os alemães foram treinados para o trabalho árduo e obrigados a aprender muitas coisas, mas também foram treinados na submissão servil, na rotina militar e na brutalidade. A Constituição democrática do pós-guerra da República de Weimar serviu ao povo alemão, assim como as roupas do gigante serviram a Tom Thumb [um homem com nanismo que virou celebridade]. Depois vieram a inflação e a depressão, com todos vivendo sob medo e tensão".
Apareceu Hitler, um homem com capacidades intelectuais limitadas e incapaz para qualquer trabalho útil, explodindo de inveja e amargura contra todos aqueles a quem as circunstâncias e a natureza haviam favorecido em detrimento dele. Nascido na classe média baixa, ele tinha presunção de classe suficiente para odiar até mesmo a classe trabalhadora que lutava por maior igualdade nos padrões de vida. Mas era a cultura e a educação que lhe foram negadas para sempre que ele mais odiava", afirma.
Albert ainda explica o motivo pelo qual o povo alemão comprou o discurso do ditador. "Na sua desesperada ambição de poder, descobriu que os seus discursos, por mais confusos e impregnados de ódio que fossem, eram aclamados por aqueles cuja situação e orientação se assemelhavam às suas. Ele pegou esses destroços humanos nas ruas e nas tavernas e os organizou em torno de si. O pior afloramento da vida de rebanho, o sistema militar, que abomino. Foi assim que ele lançou sua carreira política".
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Mas o que realmente o qualificou para a liderança foi o seu ódio amargo por tudo o que era estrangeiro e, em particular, o seu ódio por uma minoria indefesa, os judeus alemães. A sua sensibilidade intelectual deixou-o inquieto e ele considerou-a, com alguma justificação, como anti-alemã", prosseguiu.
Foi através desse discurso contra esses dois "inimigos", aponta Einstein, que Hitler conquistou o apoio das massas, a quem ele havia prometido triunfos gloriosos e uma idade de ouro. "Ele explorou astutamente para seus próprios propósitos o secular gosto alemão por exercícios, comando, obediência cega e crueldade. Assim ele se tornou o Führer".
"O dinheiro fluiu abundantemente para os seus cofres, principalmente das classes proprietárias que o viam como uma ferramenta para impedir a libertação social e econômica do povo que teve o seu início sob a República de Weimar. Ele brincou com o povo com o tipo de fraseologia romântica e pseudo-patriótica a que se tinham habituado no período anterior à Guerra Mundial, e com a fraude sobre a alegada superioridade da raça 'ariana' ou 'nórdica'; um mito inventado pelos antissemitas para promover os seus propósitos sinistros", aponta.
Sua personalidade desconexa torna impossível saber até que ponto ele realmente acreditou nas bobagens que continuava divulgando. Aqueles, no entanto, que se reuniram em torno dele ou que vieram à tona através da onda nazista eram, em sua maioria, cínicos endurecidos, plenamente conscientes da falsidade de seus métodos inescrupulosos", finalizou.
Na parte final de sua estadia em Norfolk, Albert Einstein fez um discurso no Royal Albert Hall, em 3 de outubro de 1933, questionando o caminho que a Alemanha havia tomado e ressaltando a importância da liberdade intelectual e individual para o povo.
Dois dias depois, Einstein se mudou para os Estados Unidos, onde lecionou na Universidade de Princeton — ainda mantendo o ativismo e lutando em defesa do povo judeu. No entanto, jamais retornou à sua terra natal e tampouco à Europa. Um dos maiores nome da história da física faleceu em Nova Jersey em 18 de abril de 1955, aos 76 anos.