O último indígena de uma tribo da Rondônia passou 30 anos em isolamento após seu povo ser envenenado por fazendeiros locais
Ingredi Brunato, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 20/11/2022, às 08h00 - Atualizado em 09/12/2022, às 08h49
No dia 23 de agosto deste ano, funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio) encontraram o corpo de Tanaru, o último sobrevivente de uma tribo indígena que habitava um território no estado de Rondônia.
O homem, que estava na casa dos 60 anos, havia vivido os últimos 30 em isolamento após sua tribo ser assassinada em um genocídio que nunca foi propriamente investigado pelas autoridades.
Segundo o indigenista aposentado Marcelo dos Santos, que foi entrevistado pela Folha de São Paulo, as mortes ocorreram após um fazendeiro da região entregar açúcar misturado com veneno para os nativos nos anos 90.
Após o episódio traumático, outros indígenas teriam sido mortos a tiros, e, por fim, teria sobrado apenas um, apelidado de "Índio do Buraco" devido à tradição que seu povo tinha de cavar buracos dentro das palhoças onde viviam.
Essas aberturas no solo não serviam a propósitos relacionados à caça, segurança ou outras funções importantes para a sobrevivência, até onde a Funai pôde identificar, de forma que foi concluído que possuíam um significado espiritual para o povo de Tanaru.
O órgão apenas confirmou a existência do sobrevivente através da catalogação das palhoças deixadas por ele, inclusive. O motivo pelo qual o indígena abandonou tantas delas, aliás, constantemente mudando a localização de seu local de abrigo, teria sido justamente para não ser encontrado.
Após muitos esforços de aproximação serem recusados, esse desejo de isolamento voluntário foi eventualmente respeitado pelos ativistas, que se limitaram a garantir que a terra indígena não demarcada fosse ocupada apenas por Tanaru.
A zona de vegetação preservada por ele no decorrer de sua vida, vale mencionar, é cercada de fazendas por todos os lados, com seus proprietários tendo se mostrado interessados na utilização do território assim que foi divulgada a notícia da morte do Índio do Buraco.
Ainda segundo a Folha de São Paulo, o indígena teria se preparado para seu falecimento, vestindo adereços na cabeça e no pescoço feitos com penas de arara e fios de buriti, que é um tipo de planta.
Dentro da palhoça onde ele foi encontrado (no total, ele teria construído pelo menos 53 delas no decorrer de sua vida), estava o último buraco cavado pelo nativo, que possuía mais de 2 metros de profundidade.
O enterro de Tanaru misturou elementos dos rituais funerários das tribos da região, que são os kanoé, os akuntsú e os tupari. A etnia do povo do Índio do Buraco, infelizmente, nunca pôde ser identificada.
Já a terra onde o homem viveu sozinho nas últimas décadas, que, vale enfatizar, é uma área não demarcada, já teve a permissão para sua exploração solicitada ao governo pelos fazendeiros da região.
Assim, seu destino é incerto. Para Marcelo dos Santos, no entanto, a resposta certa para a questão é a preservação do território. O indigenista critica inclusive o fato das zonas circundantes àquela onde Tanaru vivia ainda estarem sob posse de outras pessoas.
Os fazendeiros adquiriram a área antes da confirmação da presença dos índios. Esses títulos emitidos são nulos perante a lei, a venda nem deveria ter ocorrido. Quem demarcou os lotes já tinha encontrado vestígios dos índios (...) Vão liberar a área para ocupação a quem está por trás desse genocídio?", pontuou ele em entrevista à Folha.