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Matérias / Arqueologia

Relembre e entenda as descobertas de túmulos de 'vampiros' na Polônia

Na Polônia, já foram encontrados vários sepultamentos peculiares com cadeados e foices que pertenceriam a "vampiros"; entenda!

Éric Moreira
por Éric Moreira

Publicado em 03/10/2024, às 20h00

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Esqueleto de mulher do século 17 enterrada com foice sobre o pescoço e cadeado no pé, na Polônia - Divulgação/Łukasz Czyżewski
Esqueleto de mulher do século 17 enterrada com foice sobre o pescoço e cadeado no pé, na Polônia - Divulgação/Łukasz Czyżewski

Recentemente, arqueólogos poloneses descobriram, sob o chão da Igreja da Anunciação da Bem-Aventurada Virgem Maria, na vila de Pączewo, no norte da Polônia, uma tumba que abrigava os restos mortais de dois indivíduos do século 17. Porém, o que mais surpreende no achado é a presença de "rituais anti-vampirismo" em ambos os sepultamentos.

Além disso, a cerca de dois metros mais abaixo, os arqueólogos encontraram um terceiro esqueleto, com uma foice em volta do pescoço. E, por mais que isso pareça um sepultamento singular, a verdade é que, na Polônia, isso não é tão incomum.

+ Arqueólogos descobrem túmulo medieval com "vampiros" na Polônia

Foto
Esqueletos achados na tumba - Archeo Adventure

Durante outras escavações realizadas em um cemitério em massa não identificado na orla da vila de Pień, perto da cidade de Bydgoszcz, pesquisadores também desenterraram os restos mortais de uma "criança vampira", que teria morrido com apenas seis anos, mas que, apesar da idade, foi enterrada de bruços e com um cadeado sob seu pé esquerdo, para prevenir que ela saísse do túmulo para assombrar família e vizinhos. A descoberta foi amplamente repercutida no ano passado.

"O cadeado teria sido trancado no dedão do pé", segundo informado pelo arqueólogo líder do estudo, Dariusz Poliński, ao The New York Times em 2023. "A criança foi enterrada em uma posição prona para que, se retornasse dos mortos e tentasse ascender, morderia a terra em vez disso. Até onde sabemos, este é o único exemplo [do tipo] de um enterro infantil na Europa".

Nesse mesmo cemitério, que revelou cerca de 100 sepulturas, também contava com o esqueleto de uma mulher que, assim como o menino, tinha um dedo do pé preso a um cadeado, e ainda uma foice de ferro em volta do pescoço. "A foice era para cortar a cabeça da mulher caso ela tentasse se levantar", explica Poliński.

Fotografias do cadeado encontrado em sepultamento de criança / Crédito: Divulgação/ Universidade Nicolau Copérnico/ Projekt Pien

Mas afinal, por que eram feitos esses sepultamentos diferentes, e o que exatamente eram esses "vampiros" da Polônia durante o século 17?

Revenants

Embora seja comum nos referirmos a esses sepultamentos como "vampiros", eles não se tratam exatamente das criaturas monstruosas que se alimentam de sangue como imaginamos desde o Drácula. Na verdade, isso está mais para um erro de tradução, pois em polonês a expressão utilizada para se referir a essas pessoas é que elas são "revenants".

Segundo o The New York Times, revenants são como "zumbis" que podiam se apresentar de várias formas, desde tumultuando casas até, de fato, beber o sangue daqueles que passam pelo seu caminho. Uma lenda de 1674 fala sobre um homem morto que levantou-se de seu túmulo para agredir seus parentes; e, quando teve seu túmulo aberto, estava mais preservado que o esperado, e continha vestígios de sangue fresco pelo corpo.

Porém, esse é apenas um de muitos relatos de revenants da época. Mas para lidar com essas assombrações, uma série de técnicas foram disseminadas na época, que incluíam desde arrancar os corações dos cadáveres, até pregá-los em seus túmulos, martelar estacas em suas pernas, prender mandíbulas abertas com tijolos... Isso além de colocar uma foice em volta do pescoço ou um cadeado nos pés.

Vampiros?

Porém, embora ao menos parcialmente os revenants pareçam com tais criaturas, tanto a mulher quanto a criança mencionados não podem ser qualificados como vampiros, segundo o historiador Martyn Rady, da University College London. Afinal, eles são um tipo específico de revenant, que foi descrito pela primeira vez somente na década de 1720, quase um século depois dos enterros.

Nessa ocasião, oficiais austríacos dos Habsburgos se depararam com casos que suspeitavam ser de vampiros onde hoje é o norte da Sérvia, e lá deixaram bem claro que "o vampiro tinha três características: era um fantasma, se banqueteava com os vivos e era contagioso", continua Rady. Foi a partir dessa definição austríaca que se moldou a mitologia em torno dos vampiros.

Diferenças

Já na Polônia, os vampiros acabaram se incorporando às lendas de revenants, e por isso lá podem ser apresentadas dois tipos de lendas sobre essas criaturas. Em algumas, os revenants são do tipo upiór — mais tarde substituídos por "wampir", semelhantes aos vampiros como conhecemos.

Porém, em outros casos, os revenants também poderiam ser do tipo "strzyga", que eram como "bruxas". "Isto é, no antigo sentido dos contos de fadas, um espírito feminino malévolo ou demônio que ataca humanos, pode comê-los ou beber seu sangue", acrescentou o folclorista de Los Angeles, Al Ridenour, ao veículo internacional.

No caso, a mulher encontrada com uma foice sobre o pescoço em Pień é mais referida pelos moradores locais como strzyga, um espectro que nasce geralmente com duas almas. "A alma malévola não consegue encontrar descanso no túmulo, então ela se levanta e causa estragos", explica Ridenour.

Foice prende pescoço de esqueleto de mulher na Polônia - Divulgação / Mirosław Blicharski / Aleksander Poznań

Temor pelos mortos

Ainda segundo Ridenour, parte do que explica o surgimento dessas lendas na região é a natureza turbulenta da Contrarreforma no país, que permitia a persistência de crenças pagãs com relação a mortos-vivos. Assim, os sermões também se tornaram mais fervorosos, incitando o medo de demônios — o que implicou diretamente no medo de fantasmas e de mortos reanimados.

Por isso, no fim da Idade Média, era uma espécie de tradição na Europa Central colocar cadeados em sepulturas. Já foi encontrado em Lublin, na Polônia, um cemitério judeu do século 16 vários sepultamentos em que cadeados de ferro eram colocados em mortalhas ao redor da cabeça dos falecidos, ou tábuas cobrindo o cadáver, além de cadeados. Em Lutomiersk, também foi encontrado um cemitério com 1.200 sepulturas, das quais quase 400 continham cadeados.

Por quê?

Agora, muito se questiona sobre o porquê da mulher e a criança encontradas na Polônia com estes vestígios de "rituais anti-vampirismo" teriam sido escolhidas para tais sepultamentos.

Para Lesley Gregoricka, antropóloga da Universidade do Sul do Alabama — não envolvida na escavação —, isso pode se relacionar a algum estigma social, como não serem pessoas batizadas, por cometerem suicídio ou até serem as primeiras pessoas a perecerem durante uma pandemia.

Como a Polônia foi apenas minimamente afetada por pragas como a Peste Negra, outras epidemias como a cólera podem ter sido as culpadas", acrescenta Gregoricka. "Isso pode explicar por que as crianças às vezes eram alvos como potenciais revenants na morte".

Por isso, até em casos de mortes inexplicáveis que antecediam uma praga, às vezes esse suposto revenant era desenterrado, e podia ser reposicionado de bruços, decapitado, ou mesmo esquartejado.

Também eram colocados como medidas protetivas cadeados, foices, ou objetos com poderes antidemoníacos; e em último caso, o corpo poderia ser removido e queimado, e depois suas cinzas seriam espalhadas ou submersas.