Com uma visão cosmopolita, o barão francês recriou os antigos jogos gregos combinando esporte, machismo, patriotismo e democracia
Hoje o Comitê Olímpico Internacional é uma organização superpoderosa, instalada
confortavelmente num palácio suíço, com cerca de US$ 1 bilhão na conta. Se sua
fundação, em 1894, não foi com tanta pompa, já era um ambiente em tudo aristocrático.
Seu idealizador e principal figura dos primeiros tempos das Olimpíadas modernas,
Pierre de Coubertin, era um barão francês acostumado a banquetes e a viajar o planeta,
o que lhe rendeu muita vida mansa, mas também uma visão cosmopolita de mundo.
Segundo Jules Boykoff, acadêmico e ex-atleta, o nobre via a receita do caráter como um casamento de esporte, machismo, patriotismo e democracia. Costumava dizer que “os músculos foram criados para fazer o trabalho de um educador moral”. Deus e pátria se combinavam nos valores que culminaram em sua idealização de recriar os antigos jogos gregos.
Em um discurso, já em 1935, ele expandia essa visão: “Ao esculpir seu corpo por meio do exercício como o escultor faz com uma estátua, o atleta antigo honrava os deuses. Ao fazer algo semelhante, o atleta [moderno] honra seu país, sua raça e sua bandeira”.
Coubertin acreditava que a união das nações em torno do esporte poderia ser a chave para o estabelecimento da paz mundial. Paradoxalmente, via a prática esportiva como uma boa preparação para a eventualidade de um conflito armado. “O jovem esportista certamente está mais bem preparado para a guerra do que seus irmãos destreinados”, afirmou.
Esses conceitos conflitantes nunca deixavam de fora o coração aristocrático do homem que reinventou o principal evento esportivo do globo. Um exemplo está na regra, determinada por ele, de que só esportistas amadores poderiam participar dos Jogos —
uma norma que vigorou até nossos tempos.
À distância, essa ideia pode até parecer romântica, mas a verdade é bem outra. O barão concebeu sua concepção de amadorismo partindo dos limites de classes da Inglaterra do século 19. Aqueles que desenvolviam um trabalho manual remunerado — e aí você pode pensar em camponeses e operários humildes — ficariam de fora da festa.
“Isso significa que, se alguém não tinha uma fonte independente de renda, que não fosse trabalho de verdade — em outras palavras, se não fosse rico de nascença —, seria excluído da condição de ‘amador’”, analisa o estudioso Boykoff. Era um elitismo disfarçado de imperativo moral.
A imposição do esporte amador nas Olimpíadas continuou depois da morte de Pierre de Coubertin, em 1937. Até porque seu sucessor à frente do COI, o belga Henri de Baillet-Latour, também tinha berço aristocrático: era conde.
A situação só começou a mudar no mandato do catalão Juan Antonio Samaranch, que foi presidente da entidade entre 1980 e 2001. Ele via os Jogos perderem relevância já que os melhores esportistas do planeta ganhavam — e bem — para atingir um nível de excelência em suas modalidades.
Pragmático, deu boas-vindas aos profissionais. E hoje você pode ver os atletas mais extraordinários do mundo em seu auge, disputando a Olimpíada, em vez de anônimos que se exercitam por hobby.