Restos mortais de 215 vítimas foram encontrados em maio deste ano
Isabela Barreiros, atualizado por Fabio Previdelli Publicado em 09/06/2021, às 10h11 - Atualizado em 13/11/2021, às 00h00
No final de maio, em 2021, a comunidade indígena Tk'emlups te Secwepemc anunciou que os restos mortais de 215 crianças foram encontrados na Escola Residencial Kamloops Indian, em British Columbia, no Canadá.
Segundo repercutido na época, o local servia como uma instituição que tinha a intenção de integrar os indígenas à sociedade colonizadora. O instituto havia sido construído há mais de século, conforme apontou o G1.
De acordo com a pesquisadora Rossane Casimir, “algumas [destas vítimas] tinham apenas três anos”. A especialista informou, ainda, que detalhes sobre os óbitos, como motivo e datação, só seriam descobertos com estudos futuros.
Esses fatores levaram diversos canadenses, em 1º de julho, quando celebrou-se o Dia do Canadá, a organizarem manifestações para contestarem o “orgulho nacional”, questionando o papel do Império Britânico — que comandou o país por mais de 200 anos — na morte dos inocentes.
Sob os gritos de “nenhum orgulho do genocídio”, protestantes depredaram estátuas das rainhas britânicas Vitória e Elizabeth II. Relembre esse importante episódio que marcou o ano de 2021!
No final de maio, a comunidade indígena Tk'emlups te Secwepemc descobriu restos mortais de 215 crianças, que foram enterradas na Escola Residencial Kamloops Indian, em British Columbia, no Canadá. O caso gerou comoção e repercutiu em todo o mundo.
O triste episódio fez com que novas considerações fossem feitas sobre o genocídio cultural que vem sendo realizado contra os indígenas americanos ao longo dos séculos. No local em questão, inúmeras injustiças foram cometidas contra crianças indígenas, mestiças e inuítes.
Conforme o UOL, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, declarou durante coletiva: "É uma triste lembrança deste obscuro e lamentável capítulo da nossa história. Meus pensamentos estão com todos os afetados por esta terrível notícia".
Embora a descoberta tenha sido triste e totalmente chocante, a verdade é que ela não é única na história do Canadá. Afinal, o internato em questão funcionou ao longo de anos, mas foi apenas um de muitos, que apresentavam uma política responsável por um terrível genocídio cultural.
Em 2015, um relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação foi publicado no Canadá, relatando o que aconteceu em comunidades indígenas do país entre os anos de 1863 e 1998. Durante esse período, cerca de 150 mil crianças foram separadas de suas famílias.
Elas eram levadas para internatos que funcionavam principalmente a partir da orientação da Igreja Católica, mas que eram administrados pelo próprio governo do Canadá. Internados à força, os jovens passavam por uma assimilação cultural constante.
Como relatou a BBC, as crianças eram proibidas de falar sua língua materna: apenas o inglês ou o francês eram permitidos nas instituições. Caso elas falassem os próprios dialetos, funcionários das instituições poderiam lavar as bocas dos menores com sabão e até mesmo dar puxões de orelhas.
Na tentativa de apagar a origem indígena dessas crianças, elas também não podiam praticar nada relacionado a sua cultura. Tudo o que poderiam fazer era aceitar as ordens do internato e se converter ao cristianismo — religião que moldava toda a atuação das instituições.
Conforme o documento de 2015, "essas medidas faziam parte de uma política coerente para eliminar os aborígenes como povos distintos e assimilá-los na corrente dominante canadense contra a sua vontade".
Os jovens viviam em condições precárias, com falta de médicos, em ambientes insalubres e mal-construídos, que não garantiam sua própria segurança. Se isso não fosse o suficiente para que muitos morressem nesses locais, diversas vítimas sofreram abusos físicos, psicológicos e até mesmo sexuais.
Ao longo dos anos em que essas escolas funcionaram, cerca de 6 mil crianças morreram enquanto estavam internadas à força. Os dados foram documentados pela Comissão de Verdade e Reconciliação. Segundo o Projeto Crianças Desaparecidas, esse número pode chegar a até 41 mil crianças.
Quando o relatório sobre o tema foi publicado, em 2015, histórias de pessoas que viveram sob essas terríveis condições, mas sobreviveram, começaram a vir à tona. A BBC entrevistou, naquele ano, Joseph Maud, que foi internado em 1966, aos cinco anos de idade.
Separado de sua família, ele foi levado ao internato Pine Creek, em Manitoba, no Canadá, onde passou por situações angustiantes. Maud contou que não podia falar a própria língua, nem praticar nada relacionado aos costumes de seu povo."Mas a maior dor era estar separado dos meus pais, primos e dos meus tios e tias", afirmou.
Ele também relatou episódios específicos em que foi humilhado por freiras responsáveis pela instituição em que ficou por anos. O homem contou que, certa vez, ele urinou na cama em que dormia, um ato comum para uma criança.
A reação da freira responsável por seu quarto, porém, foi impiedosa: ela esfregou o rosto da criança contra a própria urina. "Foi muito degradante e humilhante. Porque eu estava em um dormitório com outras 40 crianças", disse.
Outro momento truculento vivido por ele aos apenas cinco anos de idade foi quando freiras o obrigavam a ajoelhar no chão de concreto da igreja do internato. Elas afirmavam que "essa era a única forma para que Deus o escutasse". "Eu estava chorando quando me ajoelhei e pensei: quando isso vai acabar? Alguém me ajuda", completou.
As descobertas trouxeram à tona um passado esquecido do Canadá, mas que faz parte da história recente do país. Em pronunciamento recente, o primeiro-ministro Justin Trudeau descreveu o episódio como um fracasso histórico.
“As pessoas que vieram aqui para este país, antes de ser um país, e como não vieram aqui para destruir nada, vieram aqui para construir”, disse o primeiro-ministro de Manitoba, Brian Pallister, em um vídeo compartilhado nas redes sociais. A província foi uma das regiões que recebeu o protesto de centenas de canadenses, que buscavam uma ‘reparação histórica’ das vítimas.
O alvo desses protestos foram símbolos ingleses — que colonizaram o país, de fato, em 1763, quando os franceses assinaram o Tratado de Paris, após inúmeros conflitos, cedendo seus territórios à Inglaterra. A nação só se tornou livre em 1982, após a instauração da nova Lei Constitucional.
Assim, estátuas das rainhas Vitória e Elizabeth II foram depredadas pelo país. A representação da primeira monarca, inclusive, foi pintada com uma tinta vermelha antes de ser derrubada com uma corda. Em seu lugar, os protestantes deixaram uma placa escrita: “Já fomos crianças. Traga-os para casa”.
Demonstrators toppled statues of Queen Victoria and Queen Elizabeth in Winnipeg this afternoon during rallies honouring the children discovered in unmarked graves on the sites of former residential schools over the past month. pic.twitter.com/Zx0aqPGcOW
— APTN News (@APTNNews) July 2, 2021
Além disso, uma estátua menor de Elizabeth II também foi derrubada nos protestos. A monarca também é rainha do Canadá, já que o país integra a Commonwealth. Ambas as figuras são vistas como representantes da história colonial do país.
De acordo com reportagem da BBC, a polícia conteve o protesto, que foi definido como pacífico. A derrubada das estátuas foi recebida com aplausos pelos manifestantes. Enquanto ativistas buscam por justiça e reparação, Boris Johnson, primeiro-ministro inglês, se pronunciou para condenar as depredações contra as estátuas. E acrescentou sua preocupação com os povos nativos.
"Nossos pensamentos são com a comunidade indígena do Canadá após essas trágicas descobertas, e acompanhamos essas questões de perto e continuamos a nos envolver com o governo do Canadá em questões indígenas", concluiu o premiê britânico.