Tendo motivado a criação da lei com seu nome em 2006, a mulher tornou-se símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil
No dia 7 de agosto de 2006, o então presidente Lula sancionou uma lei que mudaria a vida de muitas mulheres no Brasil. Em homenagem a uma vítima que sofreu nas mãos do próprio marido, foi criada a Lei Nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
Muito antes da aprovação do texto, no entanto, uma mulher teve que lutar de todas as formas que conseguiu para encontrar justiça. Hoje, aos 76 anos, Maria da Penha Maia Fernandes é um dos maiores expoentes da luta contra a violência doméstica.
Poucos sabem, no entanto, o que realmente aconteceu com a mulher que moveu montanhas para modificar a Constituição brasileira. Quem era Maria da Penha e o que, afinal, aconteceu com ela antes da criação da lei?
Uma jovem carismática
Filha de Maria Lery Maia Fernandes e José da Penha Fernandes, Maria nasceu em Fortaleza, no dia 1º de fevereiro de 1945. Carismática e inteligente, a cearense cresceu com uma educação bastante rígida, garantida pela família de classe média.
Durante a infância e grande parte da juventude, estudou em colégios religiosos e, segundo o Catraca Livre, prestou sua primeira graduação na Universidade Federal do Ceará. Sob influência da avó parteira, Maria decidiu estudar Farmacêutica.
Foi durante uma festa da universidade, inclusive, que a cearense conheceu o seu primeiro marido. Antes da graduação, os dois chegaram a se casar, aos 19 anos, mas o matrimônio acabou não dando certo e o relacionamento acabou.
Uma vida nova
Ao fim da primeira faculdade, então, Maria decidiu que estudaria em São Paulo. Dessa forma, ela fazia mestrado em Ciências Farmacêuticas na Universidade de São Paulo (USP) quando conheceu o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, em 1974.
Naquela época, o imigrante também cursava uma pós-graduação na universidade, mas no campo da economia. Ao contrário do primeiro namorado, Maria sentiu que aquele garoto, apresentado por amigos em comum, seria o homem certo.
“Ele era uma pessoa com cabeça no lugar, solícito e prestativo, e eu achei que estava acertando na loteria”, contou ela, certa vez, ainda segundo o Catraca Livre. “A gente começou como amigos, namoramos e nos casamos um ano depois.”
Uma fera dentro de casa
Logo depois de assinarem o matrimônio, em 1976, o casal teve sua primeira filha. Com a criança no colo e terminados os mestrados, Maria e Marco Antonio decidiram se mudar para Fortaleza, onde tiveram mais duas meninas.
Quando conseguiu sua cidadania brasileira, contudo, o colombiano transformou-se em uma outra pessoa. De acordo com o Instituto Maria da Penha, ele passou a ter “comportamentos explosivos não só com a esposa, mas também com as próprias filhas”.
Em 1983, então, Maria foi surpreendida por uma situação cruel, pela qual nunca imaginou que passaria. Na madrugada daquele dia 29 de maio, ela foi acordada por um estrondo, seguido por uma dor insana nas costas. A cearense havia sido baleada.
De costas para o agressor
A bala disparada, segundo a polícia, por Marco Antonio criou lesões irreversíveis na nas vértebras da mulher, fazendo com que Maria ficasse paraplégica. Foram, no total, quatro meses no hospital e de muitos tratamentos, a fim de salvar a vida da mulher.
Nesse meio tempo, Marco construiu sua própria versão. Aos oficiais, o colombiano afirmou que Maria teria sido vítima de assaltantes que invadiram a casa — teoria que, de acordo com o Instituto Maria da Penha, caiu por terra durante as investigações.
Quando voltou para casa após a internação, Maria, que ainda não duvidava da índole do marido, foi mantida em cárcere por 15 dias, momento em que Marco Antonio tentou eletrocutá-la durante o banho. Depois disso, ela percebeu que deveria escapar.
Uma luta por paz
Logo que saiu de casa, então, Maria iniciou uma longa busca por justiça. Marco Antonio, inclusive, foi condenado duas vezes — uma em 1991, a 15 anos de prisão; e outra em 1996, a outros 10 anos e 6 meses —, mas acabou se livrando de ambas as sentenças.
Em 1998, após chamar atenção de órgãos internacionais, então, Maria conseguiu levar seu caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão.
Tendo em vista que a violência doméstica não era um caso isolado, a Lei Maria da Penha foi sancionada, após 23 anos do crime que quase matou a cearense.