Antes da morte do sacerdote, o mesmo havia pedido ajuda para João Paulo II. "Como um mendigo, tive que implorar para conseguir [sua atenção]", disse
Durante 12 anos (de outubro de 1979 até janeiro de 1992), El Salvador viveu uma intensa Guerra Civil, que colocou frente a frente o governo ditatorial de direita — apoiado pelos Estados Unidos — e a guerrilha de esquerda — organizada em torno da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) —, conforme explica o autor Noam Chomsky no livro ‘O que o Tio Sam Realmente Quer’, publicado em 1999.
Temendo pela repetição de processos como o da Revolução Cubana na América Latina, os americanos injetaram 7 bilhões de dólares às forças governamentais e paramilitares do país da América Central durante uma década, segundo aponta relatório da Comissão da Verdade de El Salvador.
Porém, assim como outros grandes momentos da história, esta passagem também possui um mártir: trata-se do Arcebispo Óscar Romero, que foi assassinado em 24 de março de 1980, há extados 41 anos.
O ponto mais triste disso tudo, segundo biografia do religioso que foi escrito pela jornalista cubana María López Vigil, é que, pouco antes de ser morto, Romero chegou a pedir ajuda do Papa João Paulo II, que desprezou seu pedido de socorro.
Nascido em 15 de agosto de 1917, Óscar Romero era um entre os oitos filhos do casal Santos Romero e Guadalupe de Jesús Galdámez. Oriundo do município de Ciudad Barrios, ele foi criado em uma família simples, tanto é que aos 12 anos teve que trabalhar como carpinteiro para ajudar nas despesas da família, como explica Robert Royal em ‘Os Mártires Católicos do Século XX’.
Paralelamente a isso, ele passou a estudar o sacerdócio, algo que sempre lhe chamou a atenção, conforme exposto em sua biografia. Logo, em meados dos anos 1930, ele acabou entrando para o seminário e, décadas depois, em fevereiro de 1977, foi nomeado Arcebispo de San Salvador, capital do país.
Apesar de ser adorado e reunir uma quantidade cada vez maior de fiéis, muitos não gostavam do jeito combativo do religioso, que era árduo crítico das violações dos Direitos Humanos que via em sua comunidade, como apontam Michael A. Hayes e David Timbs em ‘Verdade e memória: a Igreja e os direitos humanos em El Salvador e na Guatemala’.
No mês seguinte a sua nomeação como Arcebispo de San Salvador, Óscar viu camponeses e sacerdotes sendo assassinados pelas forças de segurança de El Salvador. Entre as vítimas estava Rutílio Grande García, padre jesuíta e um de seus grandes amigos, que vinha criando grupos de autossuficiência entre os pobres do país.
A perda teve um grande impacto na vida de Romero, que passou a denunciar cada vez mais as injustiças sociais presentes em El Salvador. Por meio de um espaço na rádio católica, logo passou a ser conhecido como “A voz dos sem voz”, como aponta artigo do Instituto Humanitas Unisinos.
Além do mais, o arcebispo também pressionou o governo a investigar as mortes. Mas, segundo Hayes e Timbs, seu pedido foi ignorado. Como se não bastasse, a imprensa do país, que sofria censura, permaneceu em silêncio com o episódio.
Quando a Junta de Governo Revolucionário chegou ao poder, em 1979, por meio de uma onda de abusos dos Direitos Humanos, Romero apostou todas as suas fichas em alguém que achava que pudesse lhe ajudar: o Papa João Paulo II.
Em um primeiro momento, esse encontro entre os dois foi negado, mesmo assim, o arcebispo viajou até Roma para tentar conversão com João Paulo II. Segundo relatou à jornalista María López Vigil, que escreveu a biografia ‘Monsenhor Romero: Peças para um retrato’: “Como um mendigo, tive que implorar para conseguir [uma conversa com ele]”.
Para isso, segundo explica, teve que acordar cedo para conseguir um lugar na primeira fila da Praça de São Pedro, onde João Paulo II fazia suas missas. Ao término das orações, pegou nas mãos do Papa e disse: “Sou o arcebispo de San Salvador, preciso falar com o senhor”, contou à María.
Na reunião, levou diversos recortes de jornais e documentos que mostravam as atrocidades cometidas pelos militares em seu país. Os arquivos mostravam que a Igreja, ele e a população de El Salvador eram constantemente ameaçados.
Porém, mesmo com todos os artigos, o que incluía uma foto do padre Octavio Ortiz, que foi assassinado, João Paulo II não pareceu sem importar com os relatos.
A indignação ficou maior ainda quando Romero tentou dizer ao papa de que Ortiz era acusado de ser um guerrilheiro. Como resposta, ouviu um assombroso: “E ele não era. Monsenhor?”. Segundo a jornalista, a fala lhe deixou desconsolado, não acreditou que João Paulo II duvidada da índole do padre que havia sido cruelmente morto.
Depois de voltar da Europa, em 23 de março de 1980, Romero fez um sermão no qual exortou os soldados salvadorenhos, como cristãos, a obedecer à ordem superior de Deus e a parar de realizar a repressão do governo e as violações dos direitos humanos básicos, como aponta matéria da BBC.
Na noite seguinte, em 24 de março de 1980, há exatos 41 anos, terminava de celebrar uma missa em uma pequena capela, no Hospital de la Divina Providencia, quando um automóvel vermelho parou na rua em frente à capela.
De acordo com a BBC, um atirador saiu do veículo, foi até a porta da capela e disparou um — provavelmente dois — tiros em direção à Romero, que foi atingido no coração. Logo em seguida o carro saiu em disparada.
O Arcebispo Óscar Romero foi sepultado na Catedral Metropolitana de San Salvador em 30 de março de 1980. Durante a cerimônia, bombas de fumaça explodiram nas ruas próximas à catedral e, posteriormente, houve tiros de rifle vindos de prédios ao redor, incluindo o Palácio Nacional, conforme aponta Roberto Morozzo della Rocca em ‘Oscar Romero: The Prophet of Hope’.
Muitas pessoas foram mortas a tiros e pisoteadas na dispersão das pessoas ,que fugiam das explosões e dos tiros. Fontes oficiais relataram 31 vítimas no total, enquanto jornalistas afirmaram que entre 30 e 50 morreram, segundo Morozzo.
Enquanto o tiroteio continuava, o corpo de Romero foi enterrado em uma cripta sob o santuário. Mesmo depois do enterro, as pessoas continuaram a fazer fila para homenagear o religioso martirizado, conta matéria da BBC.
Em 1992, uma investigação conduzida pela Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que o autor intelectual do assassinato foi o político de direita e ex-oficial do exército Roberto D’Aubuisson.
Beatificado em 2015, Dom Óscar foi reconhecido como santo em 2018, depois que a Igreja Católica lhe atribuiu um milagre. Na época, ele salvou a vida de Cecilia Flores, que teve complicações na terceira gravidez e cujos filhos rezaram pela ajuda do Santo da América — que, ainda assim, chegou a ser considerado controverso pelo Vaticano.
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