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Matérias / Civilizações

Por que Odin virou referência para grupos neonazistas?

O antigo deus nórdico tem sido reverenciado por grupos neonazistas em franca ascensão

Vinícius Buono Publicado em 19/08/2019, às 14h00

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Crédito: Wikimedia Commons
Crédito: Wikimedia Commons

Nos últimos tempos, o antigo panteão nórdico ganhou ampla representação na mídia. Mitologia Nórdica e Deuses Americanos, ambos livros do inglês Neil Gaiman; Vikings, série da Netflix; o último God of War, videogame publicado pela Sony e, claro, o herói Thor (e muitos personagens relacionados a ele como Loki) do universo Marvel ajudaram no renascimento dessa religião considerada morta há séculos. É um aspecto interessante de uma cultura tão rica quanto antiga.

Deuses, runas e outros símbolos da mitologia nórdica sempre foram apropriados pela sociedade dos países escandinavos com uma miríade de usos diferentes. Algo semelhante, guardadas as devidas proporções, ao que ocorre com as culturas indígenas aqui no Brasil.

Na Escandinávia, ainda é possivel encontrar poucos devotos de Odin e seus companheiros. O Pai de Todos, como é conhecido (além de nomes como Wotan, Woden e vários outros), é o deus da guerra e da sabedoria, sendo o mais poderoso e reverenciado. 

O problema é que esse retorno ao paganismo está influênciando uma premissa perigosa: grupos neonazistas estão se apropriando dessas antigas crenças para seus ideais de supremacia branca, principalmente no contexto da crise de imigração vivida pela Europa nos últimos anos.

Alguns dos grupos negam essa inclinação, principalmente para manter a imagem e, em alguns casos, até a legalidade. Porém, muitos de seus líderes e principais integrantes possuem histórico desfavorável. Mika Ranta, finlandês fundador de um dos maiores e mais famosos desses grupos, os Soldados de Odin, é declaradamente neonazista, filiado, inclusive, ao Movimento de Resistência Nórdico, uma organização pan-nacional escandinava (na Suécia, também um partido político) que prega a mesma ideologia.

Símbolo dos Soldados de Odin. / Créditos: Reprodução

A escolha da figura de Odin não é ao acaso, sendo extremamente perigosa. O deus da guerra é comandante da Valhalla, um imenso salão para onde iriam os guerreiros nórdicos que morriam nas batalhas. O espírito viking como povo aventureiro e conquistador também atrai muitos a uma espécie sórdida de recrutamento, com ideias maniqueístas de que há um inimigo definido. No caso, todos aqueles que não são brancos, representados fortemente na figura do imigrante.

O Paradoxo da Tolerância, desenvolvido pelo filósofo Karl Popper na década de 1940 e trabalhado pelo também pensador John Rawls nos anos 70, prega que uma sociedade que se diz tolerante deve se reservar o direito de não tolerar os intolerantes como forma de autopreservação. Com a ascensão de diversos movimentos supremacistas atualmente, essa discussão continua nos dias atuais.

Os países nórdicos têm testemunhado um aumento em patrulhas civis pelas ruas de suas cidades, geralmente lideradas por membros desses grupos, que alegam buscar manter a segurança, mas são claramente anti-imigrantes em seu âmago.

Para manter uma fachada de que são organizações saudáveis, os grupos como os Soldados de Odin apregoam algo sedutor e moderno: o valor do natural em detrimento do industrial, as comidas cultivadas de maneira orgânica versus o fast food. Por mais progressista que pareça, ecoa o Sangue e Solo nazista - a ideia de que o sangue do povo estaria ligado, também, ao lugar onde vivem. Assim surgiu o conceito de espaço vital, o Lebensraum, um dos alicerces do ideário nazista.

Há um outro lado. Muitos dos praticantes dos antigos rituais não são neonazistas, mas existe o medo de que se crie um estigma em torno, principalmente, da figura de Odin, da mesma maneira que ocorreu com a Suástica e a Saudação Romana.

Outros grupos, também, como o Forn Sed, uma das mais antigas instituições dedicadas ao panteão, incentivam o uso de signos mitológicos para pautas de fato progressistas, como um dos martelos de Thor como símbolo do orgulho gay.

O debate provavelmente se seguirá, como vem há quase meio século: até que ponto é possível (e saudável) para a própria sociedade humana ser tolerante com esses grupos e organizações? Só o tempo dirá, mas está cada vez mais óbvio que uma onda de intolerância passa pelo mundo nos dias de hoje.