República de São Marino é um enclave totalmente circundado pela Itália, que permanece incólume desde o Império Romano
Ela é 122 vezes maior que o Vaticano, 30 vezes maior que Mônaco, e quase três vezes maior que Nauru. Mas seu território de 61 km quadrados é dez vezes menor que a área do Pentágono, prédio sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, em Arlington, Virgínia. Encravada no topo de uma montanha a 227 km de Roma e a apenas17 km do Mar Adriático, a República de São Marino é um enclave totalmente circundado pela Itália, que permanece incólume desde o Império Romano.
Conforme a tradição, Marino, um cortador de pedras, teria chegado à cidade de Rimini, na costa do Mar Adriático, no ano257, para trabalhar na restauração do porto. Cristão originário da Ilha de Rab, na atual Croácia, teria sido perseguido pelos romanos ainda politeístas, e buscado refúgio no Monte Titano, onde passou a viver como um eremita. Considerado um homem santo, sua fé e seu carisma teriam atraído colegas de profissão e outros cristãos para práticas religiosas.
O próprio bispo de Rimini o teria ajudado a criar uma pequena comunidade, enviando- lhe mais refugiados cristãos, que teriam se juntado a pastores e lenhadores da região. Para atender a todos, Marino teria construído, no topo do monte que recebera como doação de uma rica senhora, uma modesta capela dedicada a São Pedro, em torno da qual seus seguidores se instalariam ao longo dos anos, formando uma povoação que levaria o nome do santo.
Em seu leito de morte, Marino teria dito “Deixo-vos livres dos dois homens”, referindo se ao imperador romano e ao papa, o que se transformaria no fundamento da República de São Marino, que seria fundada em3 de setembro de 301. Como se tratava de uma comunidade pobre, localizada em região de difícil acesso, ela não seria atacada por invasores bárbaros, embora tivesse de se sujeitar às leis dos lombardos, que controlariam a maior parte da península, a partir do século 6.
A pedido do papa, em 756, os francos entram na Península Itálica e derrotam os lombardos, que passam a se submeter à sua supremacia. Pepino III, o rei franco, então concede ao Sumo Pontífice territórios e cidades, incluindo a pequena república. Em 774, Carlos Magnoexpulsaria esse povo bárbaro, confirmando a concessão do seu pai, o que levaria a República de São Marino a se subordinar ao bispo de Montefeltro e ao papa.
No século 10, em meio às ameaças de ataques de húngaros, sarracenos e normandos, a república constrói a sua primeira fortaleza; mais tarde, outras duas seriam erguidas. As três se transformariam em símbolo da identidade nacional, constituindo, em conjunto com três muralhas circulares, as principais estruturas de defesa de São Marino, em conformidade com o seu ideal supremo, inspirado nas últimas palavras de Marino e consignado em seu brasão: libertas, ou seja, liberdade.
No ano 1000, uma assembleia formada por chefes de família, denominada Arengo, passa a deter os poderes legislativo, executivo e judiciário, em bora o território são marinense ainda estivesse sob a tutela papal. No século 13, criam se o Conselho dos Sessenta, o Conselho dos Doze e os cargos de Capitães Regentes – dois cônsules que exerciam os poderes executivo e judiciário, funcionando como chefes de Estado e de Governo, a partir de 1243.
Na mesma época, seria criado o Grande Conselho Geral, composto por 20 nobres, 20 proprietários de terras e 20 habitantes de assentamentos rurais. Até o século 16, seus membros seriam eleitos pelo Arengo, mas novos estatutos determinariam que o próprio Conselho passasse a elegê-los.
O resultado foi o gradual estabelecimento de uma oligarquia, sistema de governo que prevaleceria por mais de três séculos. Embora muito pequeno, São Marino era visto pelos Montefeltros, senhores do vizinho Ducado de Urbino, como um aliado que funcionava como uma fabulosa sentinela avançada em seu conflito com os Malatestas, de Rimini, e com o papa. A vantagem estratégica proporcionada pelos 739 metros de altura do Monte Titano os faria apoiar o anseio são marinense de autonomia integral e fortalecer a sua capacidade militar.
Em 1291, o papa Nicolau IV reconhece a República de São Marino, e os bispos de San Leo e de Montefeltro a libertam dos laços feudais, sessenta anos mais tarde. Em 1463, por ter contribuído para a vitória do papa contra Segismundo Malatesta, a república recebe como recompensa os povoados de Fiorentino, Montegiardino e Serravale; no final do mesmo ano, Faetano se juntaria a eles, expandindo o território são marinense, cuja extensão tem se mantido inalterada desde então.
Em 1600, São Marino atualiza os Estatutos Municipais, que vigoravam desde o século 12,incluindo as instituições, práticas de governo e sistema judiciário em seis livros, escritos em latim, sob o título de Statuta Decreta ac Ordina menta Illustris Reipublicae ac Perpetuae Liberta tis Terrae Sancti Marini. Considerados por alguns como a mais antiga constituição do mundo, foram complementados com a Declaração de Direitos do Cidadão, em 1974.
No século 17, o Ducado de Urbino, seu tradicional defensor e aliado, passa a integrar os Estados Papais, mas a República de São Marino consegue se manter independente, embora Roma insistisse em lembrar que a sua autonomia era resultado de mera concessão papal. Com o objetivo de pressioná-la, milícias mercenárias papais ocupam o seu território, em 1739, mas são ordenadas a se retirar, após cinco meses, devido à reação dos seus cidadãos e de outros países europeus.
Em 1792, Napoleão Bonaparte invade a península italiana e consolida vários estados italianos em repúblicas. Entretanto, o general res peita a soberania da república são marinense, chegando a oferecer lhe novos territórios, diplomaticamente declinados pelo Capitão Regente Antônio Onofri com o argumento de que “guerras terminam, mas vizinhos permanecem”.
Em 1815, o Congresso de Viena reorganizaria a Europa e reconheceria São Marino como uma república independente. Durante o chamado "Risorgimento" italiano, ocorrido entre 1815 e 1870, a pequena república se dedica a “dar asilo aos vencidos pela força ou pelo infortúnio, aos perseguidos pela maldade ou pela desventura”. Entre eles estavam refugiados envolvidos em vários movimentos revolucionários, incluindo o italiano Giuseppe Garibaldi, que se juntara a Giuseppe Mazzini para promover a unificação do país. Em 1862, o recém-criado Reino da Itália reconhece a soberania de São Marino.
Em março de 1906, depois de 335 anos, a Assembleia dos Chefes de Família, o Arengo, volta a se reunir. Em maio do mesmo ano, é aprovada a lei que determina a eleição dos membros do Grande Conselho Geral a cada três anos, pondo fim à oligarquia que governava o país.
Esse Conselho, que funciona como um parlamento, é responsável pela eleição dos dois Capitães Regentes, geralmente de partidos diferentes, que governam por períodos de seis meses, bem como dos membros do Congresso do Estado, instituição que congrega os secretários do poder executivo. Des de 1925, a república está dividida em nove municípios: Città, Borgo, Serravalle, Acquaviva,Chiesanuova, Domagnano, Faetano, Fiorentino e Montegiardino.
Cada um deles possui um Capitão Municipal, que preside um Conselho Municipal, formado por cidadãos eleitos a cada cinco anos para representar uma população total de 34.017 pessoas. Atualmente, a economia de São Marino está baseada na indústria de aparelhos eletrônicos, tintas, cosméticos, joias e roupas; turismo de excursão e de convenção; cultivo de trigo, uvas e cevada; produtos artesanais de cerâmica, madeira e ferro forjado, além de laticínios e pecuária.
Segundo o Banco Mundial, sua renda per capita é de cerca de US$ 48.000, uma vez e meia maior do que a da Itália e sete vezes maior do que a do Brasil. Em 2008, a Unesco incluiu o Monte Titano e o Centro Histórico de São Marino na lista de Patrimônios da Humanidade, argumentando que “são um testemunho excepcional do estabelecimento de uma democracia representativa, baseada em autonomia cívica e auto governança, com continuidade ininterrupta como capital de uma república independente desde o século 13”.
Depois de ter sediado um dos maiores impérios da humanidade, a Itália moderna abriga em seu território dois outros estados soberanos, que estão ligados à sua história por meio do cristianismo. Por um lado, a ascensão e o declínio do poder temporal da Igreja Católica Apostólica Romana que se consumaram na criação do Stato della Città del Vaticano, em 1929; por outro, o poder da fé cristã, que, neste caso, além demover montanhas, transformou uma na Sereníssima República de San Marino.
Tendo resistido a romanos, bárbaros, mercenários e forças de ocupação nazistas, entre outros, há mais de1600 anos, ela segue como a mais antiga república ainda ativa do planeta.