Combatentes da FEB, os nativos participaram de importantes batalhas, como a tomada de Monte Castelo
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 07/05/2022, às 00h00 - Atualizado em 07/08/2022, às 19h00
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil permaneceu neutro durante boa parte do conflito. Mas tudo mudou em fevereiro de 1942. Afinal, 35 navios brasileiros foram atacados em nossa costa por submarinos do Eixo. Centenas de pessoas foram mortas.
Como consequência, durante a gestão de Getúlio Vargas, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FAB) para combater os nazistas. Nossas tropas ajudaram os Aliados em diversas batalhas na Itália, como a Batalha de Monte Castelo.
“Embora não fosse a primeira vez que os brasileiros enfrentassem os alemães na Itália, foi a primeira vez que os brasileiros tiveram tantas baixas em uma batalha tão sangrenta. Logo, tomar o Monte Castelo era questão de honra, e quando finalmente o monte foi conquistado, os soldados lavaram a alma”, explicou Icles Rodrigues, mestre em história e apresentador do podcast História FM, em entrevista exclusiva ao Aventuras na História.
Estrategicamente, o Monte Castelo era apenas um da cadeia de montes que precisava ser tomada naquele contexto, e a importância que ele tem na memória da FEB faz parecer que ele era mais estrategicamente valioso do que realmente era, quando você olha a partir de um panorama mais abrangente. Mas para os brasileiros, foi muito difícil, e marcou um ponto de virada entre um certo amadorismo prévio e a transformação da FEB em uma força de combatentes experientes”, completa.
Entretanto, o que poucos sabem é que entre os combatentes da FEB, havia dezenas de indígenas das mais diferentes etnias: como guaranis, kinikinaus, terenas e cadiueus. Por anos, a participação dos nativos foi esquecida, mas isso não significa que eles deixaram de ter uma grande importância.
Trocar o clima tropical e a paisagem verde das aldeias pelo frio e o branco da neve, em temperaturas que chegavam na casa dos 15 graus negativos, não deve ter sido nada fácil para os indígenas brasileiros que participaram das batalhas na Itália. Mesmo assim, eles se faziam presentes nas mais diferentes frentes, que iam desde engenheiros e desarmadores de minas até abridores de estradas e combatentes de ataque e defesa.
Conforme explica o Helton Costa, pesquisador com pós-doutorado em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em entrevista à Folha de S. Paulo, a FEB era um verdadeiro “recorte do Brasil”, marcada pela diversidade presente em nosso país.
Além dos indígenas, a força também era formada por negros e até mesmo comunistas, como é o caso do gaúcho Carlos Scliar — pintor, ele retratava as paisagens do conflito em seu bloquinho de papel entre uma tarefa e outra.
Os indígenas, aliás, em grande número, também fizeram parte do Nono Batalhão de Engenharia, responsável por render cerca de 20 mil soldados da 148ª Infantaria do Exército nazista, em abril de 1945.
Como ‘recompensa’, nossos combatentes ficaram sob a posse de uma bandeira nazista, que está exposta Museu Marechal José Machado Lopes, situado na cidade sulmatogrossense de Aquidauana, que fica pouco mais de 100 quilômetros da capital do estado. A explicação para isso é simples, a grande maioria dos indígenas que lutou na Segunda Guerra saíram do Mato Grosso do Sul.
Em Aquidauana, inclusive, na aldeia de Ipegue, existe o túmulo de um soldado do Primeiro Regimento de Infantaria, aquele mesmo que participou da tomada de Monte Castelo.
Trata-se de Irineu Mamede, um indígena terena que morreu em 1996. Reconhecido sua importância no conflito, seu jazigo é decorado com o símbolo da FEB: a icônica cobra fumando.
Além do túmulo de Mamede, o jornalista Geraldo Ferreira, que se dedica a preservar a história dos indígenas na Segunda Guerra, também já encontrou o local de descanso de Aurélio Jorge. O combatente, aliás, concedeu uma entrevista à mulher de Ferreira em 2000.
A minha mulher é índia terena, ela conversou na língua materna. Então, ele se abriu, chorou e se emocionou. Porque era na língua dele, questionado por alguém como ele. Ele colocou sua medalha e vestiu sua boina”, relembra Geraldo, à Folha, sobre o soldado que faleceu em 2004.
De acordo com o indígena, ele chegou até mesmo a aprender palavras em italiano. Segundo relata, os pracinhas brasileiros eram tratados como heróis pelos italianos que foram libertados das garras dos nazistas. Jorge apontou ainda que, durante as batalhas, os indígenas se comunicavam por sua língua nativa, sendo que a palavra ‘Vucapanavo’ se tornou um grito de Guerra dos terenas. O termo significa “em frente!”.
Mas a memória dos combatentes indígenas também ficou marcada por inúmeros traumas. Um exemplo disso é o caso de Otacílio Teixeira. Além de sofrer uma ‘dupla discriminação’ pelo fato de ser filho de um negro e uma índia, ele enfrentou diversos problemas psicológicos quando retornou do conflito. “Quando voltou, assim como muitos, também não quis saber de cidade, não quis mais contato”, explica Ferreira.
Outro caso parecido é o de José Quevedo. “Depois do retorno, levou mais de 20 anos para pegar uma espingarda para caçar porco do mato”, comenta Ferreira. O indígena também não suportava fogos de artifício. O barulho lhe fazia reviver os sons dos disparos que ficaram guardados para sempre em sua memória.