O pescador salvadorenho sofreu um acidente náutico com um companheiro em 2012, mas chegou sozinho do outro lado do Pacífico
Imagine passar mais de um ano navegando à deriva no Oceano Pacífico, vivendo de uma dieta de animais marinhos crus e sangue de tartaruga para se hidratar. Isso aconteceu na vida real com José Salvador Alvarenga Ayala, um pescador que partiu de Chiapas, no México.
O episódio ocorreu depois que José saiu ao mar em busca de tubarões. Conhecido como La Chancha, o salvadorenho imigrado para o México tinha como companheiro Ezequiel Córdoba. Com ele, velejou a partir de Costa Azul, em novembro de 2012, num barco de fibra de vidro, quando o contexto inesperado ganhou vida.
O acidente
Uma forte tempestade tomou o caminho do barco, desviando-o rumo a mar aberto. Graças aos ventos, o motor do veículo deu defeito, assim como os aparelhos de comunicação e localização. O último recurso dos dois foi enviar um alerta de rádio ao empregador, pedindo ajuda.
À deriva, eles começaram a tentar sobreviver comendo tubarões, tartarugas e eventuais pássaros. Também se hidratavam com o sangue desses animais. Porém, afirma Alvarenga, Ezequiel se recusava a comer carne crua, sentindo nojo das condições. Por esse motivo, o companheiro morreu quatro meses depois do incidente, por inanição. O óbito levou José ao desespero, o que quase o fez tirar a própria vida. Porém, sua fé religiosa o manteve mais calmo.
Segundo seu relato, em vários momentos teve sonhos perturbadores, sentindo saudade dos pais e atingido pela fome. Com a ajuda de utensílios de plástico, que encontrou boiando no mar, conseguiu acumular água da chuva, para que não morresse de desidratação. Também constatou que encontrou alguns navios cargueiros na viagem, mas não conseguiu alertar nenhum.
Terra Firme
No total, se tivesse trafegado em linha reta (o que seria improvável), José Alvarenga andou por, pelo menos, 8.900 quilômetros até chegar às Ilhas Marshall, um arquipélago da Oceania, a nordeste da Papua Nova-Guiné. Quando chegou em terra firme, em janeiro de 2014, ele alegou que estava há 16 meses no mar, mas — na verdade — ficou cerca de 13.
Ele foi encaminhado para uma equipe médica no país, que constatou que seus sinais vitais eram bons e que ele estava consideravelmente saudável para a situação, mas com a pressão arterial bizarramente baixa. Também estava com um inchaço nos tornozelos, que o fazia ter muita dificuldade para andar.
Sua anemia e desidratação foram tratadas com gotejamento intravenoso de soro, e ele ficou bem. Goo Bing, responsável pelas Relações Exteriores das Ilhas Marshall, constatou o mundo sobre o caso, e manteve a imprensa informada da situação do náufrago. Porém, a experiência traumatizante deixou marcas psicológicas no pescador, que passou a ter medo de água e apresentar quadros de insônia.
José Salvador passou a ser bastante procurado pela imprensa, concedendo entrevistas, incluindo uma ao jornalista Jonathan Franklin que resultou na obra 438 Days: Na Extraordinary True History of Survival at Sea. Porém, esse livro rendeu algumas dores de cabeça.
A principal delas aconteceu, pois, com a divulgação da história, a família de Ezequiel Córdoba processou José, alegando que o homem teria praticado canibalismo com o corpo do companheiro para sobreviver, sugerindo até homicídio. Exigiram uma retração de um milhão de dólares, mas o advogado de Alvarenga negou todas as acusações.
Dúvidas
Muitas dúvidas circularam ao redor dessa história bizarra, incluindo alegações de que ela seria falsa. Porém, pesquisadores analisaram, a partir de um estudo feito por Claude Piantadoi (Universidade de Duke) sobre naufrágios em alto mar, e concluíram que era plenamente possível que José Salvador pudesse ter sobrevivido com o que ele relatou.
Houve dúvidas sobre a possibilidade de ele ter omitido informações, por não ter sido afetado pelo escorbuto, mas segundo Piantadoi, a dieta de carne de tartaruga e peixes possui alta quantidade de Vitamina C, que combate a doença.
Um registro do serviço de resgates mexicano foi localizado, afirmando que na data alegada por José, foi constatado o sumiço de um barco de pesca cuja busca foi encerrada após dois dias. Porém, os dados afirmam que os navegantes chamavam-se Cirilo Vargas e Ezequiel Cordova.
Isso pode ter duas explicações: os familiares de Salvador alegaram que Cirilo era o nome que ele usava no México e o país possui um grande histórico de erros do tipo em seus registros pontuais.
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