A especialista em História da Moda, Laura Wie, explicou detalhes sobre a vestimenta que agora chama atenção em "Nos Tempos do Imperador"
Wallacy Ferrari, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 21/08/2021, às 09h00 - Atualizado em 24/08/2021, às 12h02
Enquanto fonte de pesquisa histórica, a moda possibilita a compreensão de gostos e culturas de épocas passadas por meio de artefatos e vestimentas, com características únicas em seus períodos pela produção dos tecidos, fatores ambientais e até mesmo a tecnologia disponível na época da confecção.
Com o período do Brasil Império, não foi diferente, eternizando a moda em pinturas e registros literários, hoje auxiliando na descoberta e reprodução do passado, como na novela transmitida pela TV Globo, “Nos Tempos do Imperador”, que conta com um extenso trabalho de pesquisa para as peças do elenco.
Após a oficialização do encerramento do sistema colonial com Portugal, em 1822, o vestuário de figuras de relevância nacional iniciou o século 19 com referências do velho continente.
Enquanto as mulheres contavam com vestimentas influenciadas pela moda francesa, a moda masculina contou com roupas baseadas na costura inglesa, numa época onde a produção ainda era feita sob medida após a compra de tecidos.
O progresso político ao longo das décadas seguintes à emancipação brasileira não reverberou em novas práticas culturais: a identidade e originalidade com criações nacionais começaram a aparecer apenas na década de 1950, conforme explicou a especialista de História da Moda e idealizadora do projeto Moda com História, Laura Wie.
"O Brasil não tinha tradição de moda própria durante este período, pois por ser um país 'jovem', ainda não havia desenvolvido os setores de criação e manufatura de roupas. Apesar da tecelagem de algodão implantada no Segundo Reinado ter sido uma de nossas primeiras indústrias têxtis, a economia do país era amplamente baseada na agricultura do café", diz a especialista. "Estradas de ferro começaram a ser construídas apenas a partir da metade do século 19, e todos os nossos meios de produção eram alavancados pela mão escrava. O Brasil foi um dos últimos países do mundo a abolir a escravatura e essa dependência foi muito danosa à evolução do país, que carecia da industrialização. Desta forma, quem tinha acesso à informação, viagens e referências europeias – a corte e a elite brasileiras – vestia a moda padrão e elegante do velho continente".
A influência da moda europeia, trazida nas raízes da família real portuguesa, possibilitou a sofisticação dos cortes, mesmo que eles contrastassem com o clima tropical das terras tupiniquins.
“O hábito de se vestir como a aristocracia francesa alcançou o Segundo Reinado e por isso tivemos aqui o padrão de saias longas com anáguas, espartilho, blusas fechadas, luvas e outras peças direcionadas para um clima mais frio”, relatou Wie.
Com a adaptação incompatível com o clima local, a solução foi apelar para tecidos claros, espartilho de armações leves e decote e o uso comum de leques para ventilar nos dias de calor.
Porém, a imperatriz Teresa Cristinafoi uma das poucas integrantes da realeza que iam além da regra, fazendo questão de enfrentar o sol brasileiro com cores escuras e adicionando personalidade às vestimentas.
Laura acrescentou detalhes sobre a influência da imperatriz na vestimenta imperial: "Sua personalidade era simples e comedida: ela usava bastante a cor preta, eventualmente com golinha ou babadinhos brancos no peito, e não exagerava nos acessórios: um brinco delicado complementava o visual", esclareceu.
No guarda-roupa das princesas, os destaques ficavam para os vestidos. "Elas usavam vestidos com bastante volume nas saias, com babados e rendas, e cores como o rosa, o verde e o azul claro. E sob as saias, a roupa de baixo: uma calça larguinha e fechada com elástico logo acima do tornozelo, tipo uma ceroula", diz.
Se as mulheres estavam representadas com uma parte da Europa, a influência inglesa nos homens dava o ar de civilidade.
As roupas de dom Pedro II era marcado pela casaca preta com camisa branca, acompanhadas de colete e o detalhe na gola alta, sendo gravatas ou lenços de seda, longe do volume presente na moda feminina do Brasil Império.
Laura enaltece que tal padrão ainda se faz presente como clássicos atemporais: “A camisa branca, que é um item universal de vestuário, já era usada naquele período por homens e mulheres. Laços no pescoço entram e saem de moda, mas são clássicos sempre. E usamos os vestidos e as saias longas em festas à noite – mas claramente sem anáguas! Já os homens mantém em seu guarda-roupa as calças e casacos pretos, com uma ou outra diferença de modelagem e comprimento”.