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Matérias / Estados Unidos

Lisa Montgomery: a primeira mulher a ter a pena de morte executada pelos EUA em quase 70 anos

Lisa Montgomery foi morta aos 52 anos, em 2021, por causa de crime hediondo ocorrido em 2004

Eduardo Lima, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 01/04/2023, às 18h00 - Atualizado em 03/04/2023, às 19h51

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Lisa Montgomery em foto tirada pela polícia em 2004 (esq.) e a casa da vítima do crime (dir.) - Handout/Getty Images e Larry W. Smith/Getty Images
Lisa Montgomery em foto tirada pela polícia em 2004 (esq.) e a casa da vítima do crime (dir.) - Handout/Getty Images e Larry W. Smith/Getty Images

No dia 13 de janeiro de 2021, o governo federal dos Estados Unidos executou uma mulher por pena de morte pela primeira vez em 68 anos.Lisa Montgomery tinha 52 anos quando foi morta por cometer um crime em 2004 que foi descrito pelo Departamento de Justiça norte-americano como "especialmente hediondo".

Lisa foi morta por injeção letal na penitenciária de Terre Haute, no estado de Indiana. Ela foi condenada à pena de morte porque, em 2004, ela matou uma mulher grávida, cortou sua barriga e sequestrou seu bebê. O crime chocou os Estados Unidos, e Montgomery estava presa desde então, aguardando a sentença.

O último caso de uma mulher executada por pena de morte nos Estados Unidos havia acontecido em 1953, 70 anos atrás, quando Bonnie Brown Heady morreu em câmara de gás por ter sequestrado e assassinado um garoto de seis anos de idade.

Crime

No dia 16 de dezembro de 2004, Lisa Montgomery dirigiu cerca de três horas de sua casa na cidade de Melvern, no Kansas, até Skidmore, uma minúscula cidade de menos de 300 habitantes no estado de Missouri. Ela tinha 36 anos na época, e estava dirigindo com um destino específico: a casa de Bobbie Jo Stinnett

Lisa havia se aproximado de Bobbie Jo, uma jovem de 23 anos, pela internet. Segundo a BBC, ela estava no oitavo mês de gestação, esperando ansiosamente o parto de sua primeira filha com seu marido, Zeb. O casal da zona rural do Missouri tinha um negócio de criação de cães, e Montgomery se passou por outra pessoa, fingindo que compraria um filhote, para marcar a visita à casa deles.

Segundo o Departamento de Justiça estadunidense, Montgomery atacou e estrangulou sua conhecida virtual até que ela houvesse perdido a consciência. Com uma faca de cozinha, ela cortou a barriga de Stinnett para retirar a bebê, mas, quando fez isso, ela retomou a consciência.

As duas lutaram, até que Montgomery usou uma corda para estrangular Bobbie Jo. Ela removeu o bebê de dentro do corpo da mãe e o levou até sua casa, no Kansas, tentando fingir para seu marido Kevin que a criança era dela.

Prisão e julgamento

Bobbie Jo Stinnett foi encontrada morta por sua mãe, Becky Harper, horas depois do crime ter acontecido. Segundo informações da BBC, na ligação que ela fez ao serviço de emergência, disse para o atendente que era como se sua filha "tivesse explodido", e que havia sangue "por todos os lados".

Um dia depois, a polícia chegou à casa de Lisa Montgomery e encontrou a bebê, que sobreviveu mesmo após ter sido retirada do útero de maneira tão violenta e prematura. A menina foi criada pelo seu pai, Zeb, e recebeu o nome de Victoria Jo. Enquanto isso, Montgomery confessou o crime e foi presa. Ela foi condenada por sequestro e assassinato em outubro de 2007, mas o júri ainda não havia definido sua sentença.

Funeral de Bobbie Jo Stinnett - Larry W. Smith/Getty Images

Depois de somente cinco horas de deliberação entre a acusação e a defesa, Lisa Montgomery foi recomendada para a pena de morte pelos jurados unanimemente.

Histórico de abuso

A deliberação foi rápida porque, segundo diversos especialistas que estudaram o caso, a defesa de Montgomery cometeu diversos erros. Sua equipe era composta por um defensor público sem experiência em casos envolvendo pena de morte e por um advogado que teve diversos outros clientes condenados à pena capital. Entre os erros estava não contar sobre os abusos que Lisa sofreu, algo que poderia mitigar a sentença.

Lisa cresceu em uma família disfuncional, onde as crianças eram espancadas frequentemente e tiveram uma infância marcada por pobreza, violência, descaso, dependência de drogas e doença mental. O pai abandonou a família quando Montgomery era pequena, mas sua mãe, Judy, casou seis vezes sendo descrita como "negligente e violenta" em documentos que tratam do caso.

Aos quatro anos de idade, Lisa assistia sua meia-irmã, Diane, de oito anos, sendo estuprada por um amigo da mãe, já que elas dividiam o mesmo quarto. A irmã foi retirada da casa três anos depois por assistentes sociais, mas Montgomery não teve a mesma sorte e também passou a ser abusada sexualmente pelo seu padrasto.

Nos seus primeiros 14 anos de vida, Lisa morou em 17 lugares. Em um desses endereços, um trailer numa área isolada, o padrasto construiu um cômodo ao lado da casa da família para violar a garota sem perturbações. Quando descobriu, a mãe culpou a filha pelo abuso, e passou a organizar para que vários homens, às vezes simultaneamente, pudessem estuprar a garota em troca de dinheiro.

Lisa Montgomery chegou a contar sobre os estupros para um primo policial, mas ele nunca denunciou o crime, nem nenhuma das outras pessoas que ficaram sabendo sobre isso na época.

Casamentos

A mãe de Lisa a forçou a se casar com Carl Boman, filho de um de seus namorados, quando a garota tinha 18 anos. Nesse primeiro matrimônio abusivo, ela teve quatro filhos em cinco anos, e sua mãe a submeteu a uma esterilização.

O segundo casamento de Lisa foi com Kevin Montgomery. A sua saúde mental começou a piorar cada vez mais, e ela não conseguia mais cuidar de si mesma ou dos filhos. Dias antes do crime que a colocaria no corredor da morte, seu ex-marido entrou na Justiça para conseguir a custódia de dois dos filhos do primeiro casamento.

Lisa disse a Kevin que estava grávida, algo impossível devido à esterilização. Não era a primeira vez que ela fingia uma gravidez. Boman disse que ia expor essa mentira no tribunal para garantir a guarda dos filhos, e então ela decidiu cometer o crime contra Bobbie Jo e roubar seu bebê.

Execução

"O abuso e a tortura a que ela foi submetida não são desculpa para nada, mas são centrais para entender por que ela fez o que fez", explicou Leigh Goodmark, professora de Direito que falou à BBC Brasil sobre o caso. Assim, se a história de Montgomery tivesse sido explicada melhor por sua defesa, sua sentença poderia ter sido outra.

A execução estava marcada 12 de janeiro de 2021, um dia antes de quando ela realmente aconteceu, e foi suspensa depois que um juiz de Indiana levantou dúvidas sobre a capacidade mental da condenada. Porém, a suspensão foi derrubada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.

Protesto contra pena de morte em 2015; os cartazes dizem "misericórdia, não assassinato e tortura" - Scott Eisen/Getty Images

Diversos grupos de ativismo de direitos humanos contra a pena de morte lutaram contra a sentença de pena de morte, chegando a entrar com um pedido de clemência para o então presidente dos EUA, Donald Trump, para que a pena de Montgomery pudesse ser transformada em prisão perpétua, mas o pedido não foi aceito.

Lisa Montgomery foi a 11ª pessoa a ser executada pelo Estado norte-americano durante o governo de Donald Trump. Antes disso, os Estados Unidos não matavam ninguém por pena de morte desde 2003. Foram 10 presos executados só em 2020, o maior número em um ano desde 1896.