Primeira cangaceira da história, a mulher vivia carregada de joias e, às vezes, era tão cruel quanto seu marido, o Rei do Cangaço
Caso você trombasse com Maria Bonita entre os anos 1930 e 1940, enquanto ela perambulava pelo sertão nordestino ao lado de Lampião, você teria uma imagem diferente da que imagina hoje. Dezenas de retratos da cangaceira foram pintados através do tempo, mas qual é o real?
Maria de Déa, como era conhecida ainda em vida, recebeu muitos vocativos, entre eles transgressora e empoderada. Realmente, ela fugiu ao padrão da sua época e quebrou diversas barreiras ao acompanhar Lampião e seu bando.
Para começar, ela era casada quando conheceu o cangaceiro. Esposou-se com 15 anos, com um primo sapateiro. Em pouco tempo, ficou frustrada com sua relação e, um dia, quando Lampião visitou a casa de sua mãe, viu sua vida mudar.
Até começar a namorar com ele, em 1929, Maria de Déa era uma dona de casa. Cozinhava, bordava, lavava. Deixou essa vida para trás e, em 1930, se tornou a primeira mulher da história do Brasil a viver como cangaceira.
Maria de Déa vivia com diversas joias, as mais caras do sertão, todas roubadas por Lampião. Em uma mão, carregava anéis em todos os dedos, na outra, empunhava um Colt calibre 38. Seu punhal de estimação tinha 32 cm e era feito de prata, marfim e ônix, conforme destacado por Adriana Negreiros, autora da biografia 'Maria Bonita: Sexo, violência e mulheres no cangaço', em entrevista ao UOL em 2018.
Ao mesmo tempo em que usava uma loção francesa para se perfumar — a mesma que Lampião —, exibia um binóculo alemão e espionava as cidades para seu bando. De vez em quando, trazia pessoas para o cangaço.
Diferentemente das outras mulheres do bando, de forma empoderada, Maria Bonita decidiu, por vontade própria, entrar para o cangaço e acompanhar o cotidiano de Lampião. No entanto, assim como as outras figuras femininas, teve de entregar sua única filha, Expedita, para um fazendeiro, em 1931.
Mas não pense que, por ter sido empoderada no começo, Maria tinha um espírito feminista. Longe disso. Embora tenha impedido Lampião de matar muitas pessoas, ela chegou a torturar as vítimas de seu companheiro — por vezes, ela arrancava os brincos das mulheres até rasgar seus lóbulos — ela apoiava fortemente o assassinato mulheres adúlteras.
Dona de uma risada alta, a cangaceira vivia sob as regras do sertão nordestino. Em um dia, usava seda e joias delicadas, no outro, para andar pelas terras, usava botas de peles de animais.
O grupo funcionava com uma lógica de divisão de tarefas — ao contrário de sua vida de dona de casa. No cangaço, costurar, lavar e cozinhar eram obrigações de todos, fossem homens ou mulheres. Mesmo assim, via a diferença entre os sexos quando o assunto era brilhar no cangaço.
Por mais que possuísse suas armas e sua habilidades, Maria de Déa via o resto das mulheres mal encostando em armas. Naquela narrativa, as cangaceiras eram coadjuvantes, mal sabiam atitar.
A diferença entre os gêneros, entretanto, não impediu que Maria de Déa fosse morta de forma fria e impiedosa, assim como todos os outros cangaceiros. Viu de perto, com 28 anos, o dia em que o bando de Lampião foi dizimado em uma emboscada policial.
No dia 28 de julho de 1938, o dia estava começando. Os cangaceiros acordavam, o cheiro de café pairava no ar. De repente, enquanto segurava uma bacia em suas mãos, Maria foi atingida por uma bala no abdômen.
Caída no chão, agonizando, assistiu de camarote quando um soldado degolou seu marido para, em seguida, ter o mesmo fim. Seu corpo, no entanto, teve outro destino. Enquanto as cabeças dos onze cangaceiros — incluindo a dela — foram depois expostas ao público, em Maceió, o corpo de Maria Bonita foi abandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina.
Foi aí, depois de sua morte, que Maria de Déa recebeu outro apelido. Seu nome, que antes era em referência à sua mãe, chamada Déa, passou a ser outro. Nasceu, então, Maria Bonita.