O simpático francês chegou a ser condenado por cooperar com os nazistas. O governo militar se aproveitou de sua influência para manter inimigos sob vigilância
Durante os 21 anos da ditadura militar no Brasil, diversos artistas, pensadores e intelectuais que desafiavam o governo acabaram sendo exilados. Ainda assim, os militares se mantinham ligados nas atividades de seus opositores, por mais longe que estivessem.
De acordo com o historiador brasiliense Paulo César Gomes em seu livro Liberdade Vigiada, o governo militar pagava ao francês Georges Albertini a quantia de 3.600 dólares trimestrais para que fosse fornecido relatórios não só dos exilados, mas até de famosos opositores do regime.
Albertini era uma figura insólita. Apesar de ter se filiado ao Partido Socialista Francês na juventude, tornou-se defensor e admirador do nazismo e de Hitler, chegando a colaborar com a República de Vichy, o governo francês submisso à Alemanha Nazista, instaurado após a invasão do país na Segunda Guerra Mundial. Foi condenado a trabalhos forçados em 1944, mas recebeu o perdão do governo quatro anos depois. Ao final da guerra, dedicou o resto de sua vida a combater o comunismo.
Para uma eminência parda — alguém que possui mais poder do que seu cargo aparenta — Albertini tinha contato direto com líderes franceses e, segundo Gomes, aconselhou todos no período de 1940 a 1981, além de coordenar campanhas e produzir discursos. O francês tinha acesso ao serviço secreto, à polícia e aos órgãos de imprensa.
Seu próprio jornal, Est & Ouest (Leste e Oeste, ou Oriente e Ocidente, em tradução livre) servia de panfletagem anticomunista e antisoviética não só para os países europeus, mas era publicado em espanhol para que chegasse, também, à América Latina.
Gomes encontrou, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), recibos assinados no arquivo do Itamaraty em nome de Albertini na época do presidente Humberto Castelo Branco, o primeiro do regime militar.
Em troca, além de espionar ilustres adversários e contar à embaixada brasileira o que faziam, o francês elaborava relatórios mensais sobre as atividades comunistas principalmente que diziam respeito ao Brasil, além de escrever textos favoráveis ao governo militar. O material era publicado em todos os veículos de mídia onde ele tinha contatos.
No entanto, nem uma pessoa do poder e influência de Albertini sobreviveu ao passaralho, e o presidente Artur Costa e Silva dispensou seus serviços por considerá-los “caros demais”. O então ex-presidente Castelo Branco ainda tentou intervir a seu favor, mas morreu antes de conseguir.
Ainda assim, Albertini manteve sua afinidade pelas terras brasileiras, vindo para o país em 1968. Palestrou na FIESP e, mesmo ser sem pago pra isso, defendeu o AI-5, chamando-o de “controlável e estável”.
O papel do Itamaraty como braço da ditadura no exterior foi ressaltado por Paulo Gomes em suas pesquisas. O historiador, que foi membro da Comissão Nacional da Verdade, não conseguiu acesso a maiores detalhes porque os adendos militares à embaixadas e consulados eram reportados direto às Forças Armadas, e não ao Itamaraty ou ao Serviço Nacional de Informações (hoje ABIN), e a Lei de Acesso à Informação não serve nesse caso.