Saiba mais sobre a impressionante "jornada ao fundo do abismo"
Na madrugada de 23 de janeiro de 1960, um navio militar chamado USS Wandank, que havia operado na Segunda Guerra Mundial, atirava cargas de TNT sobre o Oceano Pacífico.
O navio havia saído na noite anterior da base americana na ilha de Guam, a 289 km dali, e tentava achar o ponto mais fundo do planeta, calculando quanto tempo levava entre a explosão e a chegada do som. Pouco antes do amanhecer, marcaram m local com cargas de profundidade luminosas.
Às 8h10, o navio libera sua carga. Não era uma bomba, mas o batiscafo Trieste, submarino especial para grandes profundidades, e dentro vão os oceanógrafos Jacques Piccard e Don Walsh. Jacques é filho de Auguste Piccard, o inventor do aparelho, feito em 1953 na Itália e vendido à marinha americana em 1958.
Após verificarem os sistemas, às 8h15 começam a descida. Às 9h20 da manhã, o submarino atinge 1000 metros de profundidade, e a escuridão é quase total. Às 11h30, a 8200 metros, liberam um pouco do lastro para diminuir a velocidade de descida e evitar que o aparelho se choque com o fundo.
Ao meio-dia, perdem o contato com a superfície. Cinco minutos depois, a 9800 metros, uma explosão ensurdecedora chacoalha todo o batiscafo. Uma proteção plástica externa havia sido rachada pela pressão, mas a janela interna não havia sido afetada. Apesar do pavor, os cientistas decidem prosseguir. Às 12h56 o aparelho bate no fundo, levantando uma nuvem de poeira. O aparelho liga os motores e as luzes e começa a vasculhar. A conexão com a superfície é restabelecida.
Às 13h06, para sua imensa surpresa, descobrem um linguado nadando no fundo, sobrevivendo a 8 quilômetros da luz solar e uma pressão mil vezes maior que a da superfície. Mais tarde também encontram um camarão vivo. Às 13h26, liberam os lastros e começam a subida de 4 horas de volta.
O Trieste foi aposentado em 1963 e sua façanha nunca foi repetida. Os batiscafos foram substituídos em grande parte por sondas robóticas. Como ninguém pode sair de um submarino nessas profundidades, a vantagem de um tripulado para um robótico é pequena. Em 1998, o robô japonês keiko explorou de volta a Challenger Deep, e ano passado o americano Nereus também foi lá, confirmando ambos a presença de vida.
O oceanógrafo Afrânio Rubens de Mesquita, da USP, comenta os resultados: "além da revolução tecnológica, ninguém imaginava que haveria vida ambientes tão extremos, sem luz solar e fotossíntese. Se os cientistas hoje estão menos céticos em relação à vida alienígena, isso se deve a exploração marinha".
Num sentido mais prático, o batiscafo e seus sucessores robóticos possibilitaram a exploração do petróleo em grandes profundidades, inclusive na costa brasileira. Para bem e para mal: após o vazamento catastrófico de petróleo da base da British Petroleum no Golfo do México, em junho passado um robô que tentava averiguar a situação trombou no tampão provisório e piorou o vazamento.
Pelas profundezas
Para afundar, o batiscafo usava o não muito ecologicamente correto método de soltar a gasolina na água. Como a gasolina tende naturalmente a subir, bastava abrir a saída de gasolina e a água começava a tomar o lugar dela. O peso dos lastros e da cabine então fazia com que o aparelho descesse lentamente.
Nove toneladas de bolinhas de ferro eram mantidas presas por eletroímãs, e elas eram liberadas no fundo do mar para subir. Isso é um sistema a prova de falhas: caso faltasse energia, seriam liberadas automaticamente. Lastros adicionais de água eram liberados em profundidades menores, como num submarino comum.
A cabine era esférica para distribuir de forma igual a pressão da água e resistir melhor. As paredes tinham 12 centímetros de espessura, e a janela era feita de paineis de acrílico num perfil cônico, com abertura interna bem menor que a externa. O espaço interno era de apenas 2,16 metros de diâmetro, e a temperatura no fundo era bem fria, 7 graus.
As lâmpadas eram de tipo arco voltaico, que não tem precisam de uma camada de vidro que não suportaria a pressão, mas produzem muito calor. Os cientistas tinham de ligar e desligar elas por breves períodos, porque a água começava a ferver quando ficavam muito tempo ativas.