Questão da liberdade de imprensa entrou em foco após um empresário ir ao extremo para calar um repórter
Já era por volta de 5h da madrugada quando José Luis Cabezas, o fotógrafo da revista "Noticias", saiu do último evento do qual participaria em sua vida. Tratava-se de uma festa anual que havia atendido junto de um colega também da área do jornalismo. Sua companhia, no entanto, acabou indo embora mais cedo.
O repórter percorrera quase todo o caminho até seu apartamento quando foi subitamente interceptado por um grupo de homens armados que o espancaram, levaram de carro até uma gruta, e o assassinaram à queima-roupa com duas balas na cabeça.
Era o dia 27 de janeiro de 1997, e, horas mais tarde, um zelador viria a encontrar o cadáver de Cabezas, dando o pontapé inicial para uma investigação que revelou esquemas de corrupção e atos de repressão à imprensa capazes mobilizarem toda a Argentina.
Para saber mais sobre o assassinato de José Cabezas, é preciso voltar no tempo até março de 1996.
Na época, o ministro da economia do país, Domingo Cavallo, havia feito uma denúncia grave em relação ao empresário Alfredo Yabrán. De acordo com o político, o homem de negócios controlava uma organização mafiosa que estaria envolvida com a própria polícia argentina.
Os crimes mandados por Yabrán, contudo, seriam encobertos graças às suas conexões com pessoas dentro do sistema judiciário e do governo, conforme relembrado por uma matéria recente do jornal Buenos Aires Times.
Em vista dos acontecimentos, o veículo "Noticias" decidiu concentrar esforços em uma investigação jornalística do empresário.
Vale dizer que não era a primeira vez que o faziam: o jornal já havia divulgado anteriormente informações relativas a possíveis delitos de corrupção realizados por Yabrán junto ao Estado e ainda seus laços com o governo militar que comandou a violenta ditadura vivida pela Argentina entre 1978 e 1983.
Naquela ocasião, contudo, o "Noticias" conseguiu um grande trunfo ao revelar, pela primeira vez, qual era a aparência do empresário, que nunca permitira a veiculação de imagens de seu rosto pela imprensa. De um dia para o outro, a identidade de Yabrán não era mais anônima para o grande público.
O responsável pela impactante fotografia, por sua vez, foi ninguém menos que José Luis Cabezas. O repórter conseguiu capturar uma imagem do homem enquanto ele relaxava na praia junto de sua esposa. Mal sabia ele que aquilo que então parecia um sucesso, mais tarde se tornaria a razão de seu destino trágico.
Rapidamente, as autoridades que se debruçaram para investigar o assassinato de Cabezas elegeram Yabrán como seu principal suspeito, ainda de acordo com o Buenos Aires Times.
Diversos políticos e indivíduos do meio empresarial foram interrogados, e, embora em um primeiro momento acusações tenham sido jogadas para todos os lados, logo ficou claro que a maioria delas era direcionada ao homem de negócios cujo rosto fora divulgado ao mundo devido ao trabalho do repórter.
Os rastros deixados pelas evidências levaram os oficiais a cerca de uma dúzia de pessoas. A maioria delas eram policiais e ex-policiais, mas também havia o guarda-costas do empresário, e até mesmo o ministro da Justiça de então.
Eles possuíam envolvimentos diretos ou indiretos na operação de execução do repórter e ainda outras maquinações também atribuídas a Yabrán, que passou alguns dias foragido antes de tirar a própria vida, de forma que nunca foi julgado.
A suposta quadrilha montada pelo argentino e o poder que possivelmente mantinha sobre as instituições do país chocaram a população, provocando reflexões necessárias sobre o estado da liberdade de expressão e da repressão à imprensa na Argentina do período.