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Matérias / Mundo

Confronto sem ódio: O cavalheirismo na Segunda Guerra

O episódio aconteceu durante o conflito classificado por Winston Churchill como “talvez a luta mais essencial de toda a guerra"

Ricardo Lobato Publicado em 09/01/2022, às 10h00 - Atualizado em 20/05/2022, às 10h00

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Tropas alemães capturadas por forças aliadas no Norte da África - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons
Tropas alemães capturadas por forças aliadas no Norte da África - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Caro(a) leitor(a), a coluna deste mês dialoga com a de outubro de 2021, “Ases, Cavalheiros, Humanos”, a história de respeito que depois se tornou amizade entre o norte-americano Charlie Brown e o alemão Franz Stigler.

Depois que ela foi publicada, recebi muitas mensagens perguntando se existiam mais histórias de cavalheirismo em um conflito tão bárbaro quanto a Segunda Guerra Mundial. Minha resposta, e tema do artigo que abre o ano de 2022, é “sim!”.

Na verdade, existiu uma frente de combate inteira onde, a despeito dos horrores inatos a uma guerra, os combatentes lutavam pautados por regras de conduta: o Norte da África. O que começou como uma tentativa italiana de expandir seus domínios no continente africano, logo se tornou uma corrida dos alemães para tomar o Canal de Suez e os campos de petróleo do Oriente Médio.

Apesar de a guerra no deserto não ser tão famosa quanto a Campanha da Normandia ou da Rússia, os combates contra o Eixo do outro lado do Mediterrâneo eram vitais para manter as rotas de comércio abertas, pois caso caíssem em mãos inimigas, a guerra estaria perdida. O próprio Winston Churchill se referiu a ela como “talvez a luta mais essencial de toda essa guerra”.

A grande preocupação britânica não era em vão, afinal, tanto alemães como italianos tinham alguns de seus melhores comandantes destacados para a região. Por esse motivo, naquele front, a ideologia era o que menos contava.

Um dos mais célebres generais de toda a guerra, Erwin Rommel, se notabilizou pela forma como movimentava seus blindados na areia do deserto e conseguia vitórias sensacionais sobre seus adversários. Rommel não vinha de família nobre, mas cultivava valores antigos de respeito e honra, acreditava em uma guerra justa e fazia com que todo o seu Estado-Maior se norteasse por uma estratégia baseada em princípios.

Apesar de componentes da SS, a força negra que aterrorizou a Europa, terem sido destacados para acompanhar o Afrika Korps na campanha norte-africana não se repetiu a selvageria pela qual ficou conhecida a guerra na Europa Oriental. Da parte italiana, o general Enrico Frattini, um engenheiro de formação que fora o fundador das unidades paraquedistas da Itália — notadamente a Brigada Folgore, em atividade até hoje — também não admitia excessos de seus comandados.

Os membros da unidade se destacaram como alguns dos melhores combatentes italianos, ganhando o respeito dos inimigos por sua bravura e demonstrando cordialidade com os prisioneiros que capturavam. Do lado inglês, composto também pelas forças da Commonwealth, havia reciprocidade para com o tratamento do inimigo.

O general australiano Leslie Morshead, um professor que entrara para a carreira militar por acaso com sua convocação ainda na grande guerra, admirava a forma como alemães e italianos se portavam no campo de batalha. Era um estrategista brilhante e um combatente de linha de frente, mas dizia que um soldado deve saber a hora de atacar com bravura, e, principalmente, a hora de conter a raiva e ser cortês com o inimigo.

A história da Campanha da África do Norte não foi menos dura que as demais, afinal, guerra é guerra, mas as histórias dos que lá combateram mostram que os combates, se comparados ao Front Oriental ou à Guerra no Pacífico, foram mais humanos.

No deserto quem dita o ritmo não é a tropa, mas a areia, o sol, e os ventos que fustigam homens e máquinas. As condições impiedosas vitimavam ambos os lados. Ademais, para compreender como esses generais norteavam suas ações, é preciso compreender suas carreiras. Eram todos veteranos da guerra de 1914, que chocara o mundo pela brutalidade das trincheiras. Essa chaga em sua juventude marcou-os profundamente, e não desejavam que seus homens repetissem os horrores que vivenciaram.

Sendo estrategistas habilidosos, mesmo em meio a uma guerra de extremos, estando relativamente longe de Londres, Berlim e Roma, tinham mais liberdade em suas ações, e era a estratégia que imperava. Combates de blindados que duravam a noite inteira; campos minados; cargas de baionetas; e barragens de artilharia eram características comuns dessa frente, mas depois de longas horas de hostilidade, prevalecia a gentileza.

Há relatos, como o de um oficial britânico, que ilustram bem esse espírito. Depois da batalha de Sidi Rezegh, cansado e com seu blindado quase sem combustível, enquanto passava pelos destroços resultantes da noite anterior, avistou uma figura que andava mancando. Dirigindo-se a ela perguntou, “Você é italiano?”, com um sotaque forte, mas em um excelente inglês, o homem que mancava ajeitou seu uniforme em farrapos e respondeu, “Não, claro que não sou italiano! Sou alemão!”.

Como estava ferido, o inglês lhe deu uma carona em seu blindado e partilhou sua água. Agradecido, o alemão retribuiu com um cigarro. O inglês viu que a marca era britânica, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa o alemão respondeu sorrindo, “Sim, não se surpreenda. Capturamos uma de suas colunas de suprimento. Os produtos são muito bons, obrigado!”, e os dois riram juntos. Mais à frente avistaram um destacamento do Afrika Korps. O alemão desceu do tanque, agradeceu a acolhida e disse ao inglês, “Te vejo em Londres!”, ao que este respondeu, “Melhor ainda, nos vemos em Berlim”.

Guerras são sempre eventos trágicos, mas a história da Campanha do Norte da África nos mostra que mesmo em meio ao caos, quando os indivíduos se respeitam, é possível que sejam um pouco mais humanas. Um feliz 2022!