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Matérias / Guerras

Grande reportagem: A Guerra do Vietnã aos olhos do jornalismo e do cinema

Uma análise sobre as reproduções do conflito em reportagens históricas e nos filmes

Caio Henrique Borges Contador Publicado em 24/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h48

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Cena do filme 'Os Boinas Verdes' (1968) - Divulgação
Cena do filme 'Os Boinas Verdes' (1968) - Divulgação

O sol ainda raiava quando o pelotão invadiu a aldeia. Os moradores se esconderam, pois sabiam o que estava por vir. O grupo de militares se espalhou e foi procurar os locais. Não demorou para que um dos soldados voltasse com um vietnamita em seus braços. Os norte-americanos se reuniram novamente. Isso fez com que os demais membros do vilarejo deixassem seus esconderijos, para observar o que aconteceria com o aldeão, cuja vida agora dependia da boa vontade dos estadunidenses.

O sargento se aproximou agressivamente, com o seu intérprete. Perguntou por que havia armas no local. O aldeão respondeu que não teve escolha. Explicou que os vietcongues obrigaram os membros do vilarejo a esconderem o armamento. Uma justificativa plausível em tempos de guerra, mas não para aquele oficial do Exército que, sem paciência, começou a pressionar o aldeão, o que fez com que sua esposa intervisse. A confusão estava instalada.

Ouvindo gritos em um idioma que não conhecia, o sargento atirou friamente na mulher, na frente de seus filhos. Ciente de que havia cometido um erro, o Exército resolveu queimar os rastros do episódio, transformando o vilarejo em cinzas. E, assim, quem pagou com a própria vida foram os aldeões.

A descrição é de uma das cenas do filme Platoon (1986), dirigido por Oliver Stone. Ela se assemelha muito ao ocorrido no Massacre de My Lai, episódio mais brutal da Guerra do Vietnã, que ganhou repercussão após uma reportagem de 1969, marcante na história do jornalismo mundial. 

Mulher vietnamita com uma arma na cabeça /Crédito: Getty Images

Alvo do cinema e do jornalismo, a Guerra do Vietnã foi um dos confrontos mais sangrentos da história. Com duração de 20 anos (1955-1975), o conflito deixou sequelas tanto para os norte-americanos quanto para a população vietnamita.

Do lado asiático, estima-se que 1,5 milhão de cidadãos perderam suas vidas e 3 milhões ficaram feridos. Além disso, mais de 300 mil habitantes foram listados como desaparecidos. Ao término da guerra, mais de 1,5 milhão de pessoas deixaram o país; havia no território vietnamita cerca de 200 mil prostitutas, 879 mil órfãos, 181 mil pessoas com deficiência e mais de um milhão de viúvas. Não somente a população foi afetada. A paisagem foi devastada. Cerca de 10 milhões de hectares de terras de cultivo e 4,8 milhões de hectares de florestas foram destruídos ou inutilizados, como foi relatado pelos autores Andrew Wiest, professor e historiador, e Chris McNab, especialista em História e Tecnologia Militar, no livro A História da Guerra do Vietnã (2016).

O saldo também foi negativo para os americanos. Houve uma perda de quase 60 mil soldados, além de 300 mil feridos. Financeiramente o conflito também foi um desastre. O país gastou mais de 160 bilhões de dólares com a guerra. Tudo isso somado ao gosto amargo da derrota e a uma opinião pública contrária ao Exército e ao governo.

A violência do confronto ganhou repercussão mundial. Diversos países enviaram correspondentes, para fazer a cobertura jornalística do acontecimento.

A sétima arte também viu no conflito uma grande oportunidade para contar histórias romanceadas. O evento foi retratado diversas vezes no cinema, com visões particulares sobre o confronto.

Na zona sul da cidade de São Paulo, no distrito do Jabaquara, existe uma comunidade conhecida popularmente como “Vietnã”, que se situa no bairro Vila Santa Catarina. De acordo com um estudo feito pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), o conjunto habitacional surgiu em 1970 e recebeu esse nome por conta de um conflito armado, bastante violento, que ocorreu no local durante aquela década. É a prova de que a longa e controvertida guerra ecoou para além dos territórios dos dois lados envolvidos no confronto. E continua reverberando a partir de toda projeção que ganhou nos jornais e nas telas.

Memorial ao Vietnã /Crédito: Pixabay

Semelhanças e peculiaridades

Cobrir os fatos que são de interesse público é algo que faz parte dos princípios do profissional do campo jornalístico. O cinema não partilha da mesma determinação. Assim, um filme é produzido de acordo com o interesse de um diretor ou do estúdio e não por atender a uma necessidade de informar a população em determinado momento.

O jornalismo também possui um dever com a autenticidade dos acontecimentos, tendo a obrigação de se aproximar o máximo possível da realidade, seguindo o código de ética da profissão. Enquanto isso, o cinema tem apenas o encargo de gerar entretenimento aos seus espectadores, sem ter a obrigação de ser fiel aos fatos. Enquanto um produto jornalístico não pode se valer de elementos fictícios ao narrar a história, uma película não só pode como utiliza o artifício que achar necessário para gerar mais entretenimento ao público.

Existe também a questão do tempo. O jornalismo trabalha com o presente, suprindo uma demanda da população de obter informações quando os fatos acontecem. Um filme baseado em um evento real pode ser feito independente do momento em que o episódio tenha ocorrido.

O jornalismo tem que mostrar o que de fato acontece. O cinema não. Até porque nem sempre os fatos conseguem render um bom filme. É por isso que o filme é dramatizado, romantizado, roteirizado. Mesmo quando trata de histórias reais, quando é baseado em coisas que aconteceram, existe uma dramatização para efeitos artísticos. Você tem que criar um roteiro, criar uma história, criar uma narrativa, um envolvimento.” - Roberto Sadovski, jornalista e crítico de cinema do UOL. Trabalhou durante 14 anos na revista SET, especializada na sétima arte
Não são a mesma coisa, porque uma é declaradamente do gênero ficção e a outra é declaradamente do gênero realidade. Então, em tese, são coisas completamente diferentes. As obras cinematográficas fazem parte do mundo fantástico do espetáculo, no qual a fronteira entre o que é realidade e o que é ficção desaparecem.” - José Arbex Jr, professor do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Arbex foi correspondente internacional da Folha de S.Paulo e é autor de livros em que analisa a cobertura de conflitos

Embora trabalhem com objetivos e universos diferentes, tanto o jornalismo quanto o cinema podem pender para um dos lados da história, dependendo de quem está por trás da realização do conteúdo. Além disso, ambos possuem o poder de influenciar as pessoas, seja de forma proposital ou não. Uma matéria em um jornal é capaz de alterar a opinião pública, assim como um filme pode mudar a maneira como um indivíduo enxerga determinadas situações.

Também existem outros casos em que as duas mídias se conectam. O jornalismo pode servir como fonte de inspiração para o cinema. É comum a existência de diversos filmes baseados em histórias reais, que, em algum momento, foram retratadas em reportagens. Não só isso como a rotina de um repórter e o dia a dia dentro de uma redação já foram retratados em diversas películas. Spotlight: Segredos Revelados (2015) e The Post – A Guerra Secreta (2017) são exemplos de obras que surgiram após acontecimentos noticiados pelo jornalismo.

A guerra na ótica jornalística

A Guerra do Vietnã ocorreu em uma época em que pululavam no jornalismo várias maneiras de se contar uma história. Surgido nos anos 60 nos EUA, o movimento do New Journalism mesclava o jornalismo com a literatura, tornando a narrativa mais humanizada e prazerosa.

O estilo expressivo, marcado pela descrição de ambientes, construção de cenas, reprodução de diálogos e caracterização dos personagens, consagrou nomes como Truman Capote, Gay Talese, Norman Mailer, Lilian Ross e Tom Wolfe. Obras como A Sangue Frio (1965), Fama e Anonimato (1970) e Radical Chique (1970) mostravam que era possível contar histórias reais de maneira sedutora, como um roteiro de um filme.

Embora o “Novo Jornalismo” não tenha relação com a Guerra do Vietnã, o fato de ter surgido no mesmo período contribuiu para que alguns dos relatos sobre o conflito pudessem ser feitos de maneira instigante e aprofundada. Afinal, o contexto de um confronto armado se encaixa perfeitamente com a proposta de trazer histórias mais humanizadas, que sensibilizem o leitor.

O New Journalism não começou necessariamente por causa da guerra. O que ocorre é que a guerra é uma matéria-prima que se encaixa perfeitamente com a natureza do jornalismo literário. Numa guerra você tem todas as coisas que você precisa ter para fazer um texto super descritivo, carregado de emoções e de descrições. A guerra tem toda essa efervescência, ela tem toda essa matéria-prima que auxilia muito nesse processo de humanizar o relato.” - Gisele Rech, doutora em comunicação e jornalista da Gazeta do Povo. Gisele estudou em sua dissertação de mestrado o jornalismo literário em obras cinematográficas que retratam a Guerra do Vietnã

O conflito no Vietnã era um fenômeno em termos midiáticos. Foi relatado em revistas, jornais, no rádio e na televisão. Vários materiais jornalísticos eram produzidos sobre o conflito. O tema da guerra era extremamente atrativo para todos os profissionais da área, inclusive para aqueles que estavam dispostos a rasgar fórmulas e testar novas linguagens.

Segundo a doutora em comunicação Gisele Rech, o New Journalism e a sua forma inovadora de contar histórias contribuíram para que parte da sociedade começasse a enxergar o confronto de outro modo. De acordo com Gisele, foi assim que a opinião pública passou a ser alterada.

Dentre os materiais produzidos, algumas reportagens se destacam. É o caso da matéria “Confrontos de rua continuam no Vietnã, o inimigo ainda detém partes das cidades; Jhonson promete nunca ceder”, publicada pelo jornal The New York Times, no dia 2 de fevereiro de 1968, e produzida pelo repórter Charles Mohrspecial. Nela, é exibida a foto de um vietcongue recebendo um tiro em sua cabeça, o que explicitava a crueldade envolvida no confronto. Essa imagem, uma das mais famosas da guerra, de autoria do fotógrafo Eddie Adams, da Associated Press, foi reproduzida posteriormente no filme O Franco Atirador (1978), além de aparecer em diversos documentários sobre a guerra.

O correspondente Michael Herr ficou famoso cobrindo o conflito para a revista americana Esquire. Suas reportagens da época deram origem ao livro Despachos do Front (1977), que reúne um compilado do material feito pelo jornalista durante seu período no Vietnã. O conteúdo escrito, com detalhes sombrios e cruéis sobre os acontecimentos durante o combate, serviu de inspiração para o diretor Francis Ford Coppola, enquanto ele escrevia o roteiro da obra Apocalypse Now (1979). Herr, inclusive, fez a narração do filme.

Uma das reportagens mais emblemáticas do período foi a produzida pelo jornalista Seymour Hersh. Publicada originalmente em 1969, a matéria, que inicialmente foi recusada pelos grandes veículos da imprensa norte-americana (Hersh teve que divulgá-la em uma pequena agência de notícias, a Dispatch News Service, e, assim, ela ganhou repercussão e começou a ser repercutida por veículos renomados) detalhava a crueldade dos soldados americanos contra moradores da pequena aldeia de My Lai 4. Diversos inocentes foram assassinados, entre eles mulheres, idosos e crianças. A ordem, segundo a informação passada a Hersh pelo tenente William Calley, que foi comandante do pelotão de infantaria responsável pelo massacre, era “matar tudo o que se mexesse”. Nem mesmo animais foram poupados. O relato escrito por Hersh foi fundamental para mudar a opinião pública norte-americana sobre o confronto.

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O Massacre de My Lai é considerada a maior matança de civis cometida pelo Exército dos Estados Unidos no Vietnã. O atentado ocorreu em 1968, quando os soldados norte-americanos entraram na aldeia localizada na província de Quang Ngai, no noroeste do Vietnã do Sul. Os militares esperavam encontrar o 48º batalhão do Exército vietcongue no local, um dos mais bem sucedidos da guerra.

O texto de Hersh aponta a morte de 109 civis. Mais tarde, outras fontes indicaram um número maior. Alguns falam em mais de 200, 300 e até 400 mortos. Após a chacina, os militares incendiaram as casas e relataram aos oficiais que haviam matado soldados do grupo inimigo. A vitória dos EUA foi reportada para o mundo.

Um ano depois, no entanto, os verdadeiros acontecimentos em My Lai vieram à tona. Um ex-oficial, Ronald L. Rindenhour, escreveu cartas para o Pentágono, avisando sobre os assassinatos. Contudo, foi a matéria de Seymour Hersh que levou o assunto ao público, chocando a população norte-americana e mudando os rumos do conflito.

A tragédia tornou-se um marco na história da guerra. Tanto para o lado norte-americano quanto para os vietnamitas. Em Quang Ngai, foi criado um museu, no local do massacre, visando homenagear as vítimas e manter a história viva, para que algo parecido nunca mais aconteça.

No Brasil, quem contribuiu para o alcance midiático da Guerra do Vietnã foi a emblemática Revista Realidade, referência do jornalismo literário brasileiro. A cobertura feita por José Hamilton Ribeiro em 1968, que posteriormente transformou-se no livro O Gosto da Guerra, é um dos principais exemplos do New Journalism no país. Hamilton Ribeiro não só produziu um relato humanizado do confronto como sentiu na pele os horrores do conflito, perdendo parte da sua perna esquerda ao pisar acidentalmente em uma mina.

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“Henry propõe: - Vamos até lá? Você talvez consiga ótimas fotos. Eu não acho que um soldado morrendo seja uma boa foto, hesito, mas Henry insiste: - Vamos? - Ok, vamos! Ele foi na frente, seguindo o mesmo caminho usado pelos enfermeiros. E eu fui atrás dele. Nem bem dei uns cinco passos quando o estrondo de uma explosão povoou inteiramente meus ouvidos. Um zumbido agudo e interminável brotava na minha cabeça. Uma nuvem negra de fumaça fez desaparecer tudo à roda e eu tive a impressão, nítida, de que a bomba explodira exatamente em cima do soldado Henry. Quando a fumaça se dissipou um pouco e eu ainda não via Henry, imaginei que ele tivesse sido projetado para longe e essa hora já devia até estar morto. Ele apareceu na minha frente de repente, com o rosto transformado numa máscara de horror. - Henry, você está bem? Ele não respondeu e continuou caminhando em minha direção. Senti-me sentado e não descobri por quê. Entrevi Shimamoto, saindo da fumaça, e ainda lhe perguntei: - Shima, você está ok? Ele trazia um cigarro aceso e tentou colocá-lo na minha boca. Não aceitei. Sentia na boca um gosto ruim, como se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue – hoje eu sei, era o gosto da guerra. Cuspia, cuspia, mas aquela gosma amarga permanecia na boca. Então senti um repuxão violento na perna esquerda e só aí tive consciência de que a coisa era comigo. A perna esquerda da calça tinha desaparecido e eu estava, naquele lado, só de cueca. O repuxão muscular aumentava e eu quase não me equilibrava sentado; rodopiava sobre mim mesmo em círculos e aos saltos. Olhei-me de novo: abaixo do joelho, na perna esquerda, só havia tiras de pele, banhadas de sangue, que repuxavam e se arregaçavam, fora de meu controle... Lembrei-me de partes de boi no matadouro quando, penduradas nos ganchos, continuam a tremer e a repuxar em movimentos elétricos. O seccionamento da perna fora no lugar onde terminava o cano da bota, essas botas compridas e resistentes que os soldados usam. A bota tinha saltado inteira, levando pé, canela, barriga da perna, osso, músculo, pele – nem sei se era a minha bota no chão, de pé, amarradinha, minando sangue”

José Hamilton Ribeiro, em O Gosto da Guerra (2005)

Quando os americanos foram para o Vietnã, a nossa imprensa cobriu alegremente, era um complemento ao que aconteceu aqui [o golpe de 1964, apoiado pela mídia]. Você percebe que é quase uma continuidade. A política americana complementava a política daqui de perseguição ao comunismo. Aí depois que se recuperaram um pouco do efeito do golpe, veio o Millôr Fernandes, começaram a aparecer críticas e aí a civilização brasileira caiu com tudo no Vietnã. Aí sim você vai ter uma cobertura para denunciar o que ocorria no Brasil, através do Vietnã.” - Orivaldo Biagi, professor do Centro Universitário UNIFAAT, de Bragança Paulista. Biagi pesquisou o tema do imaginário popular nas guerras cobertas pela imprensa, entre elas a Guerra do Vietnã

A televisão também teve um papel importante na cobertura do conflito, pois realizou um registro imagético dos campos de batalha. Isso gerou diferentes sensações na população.

A televisão tem um conjunto de movimentos, sons e imagens que oferece uma sensação de realidade maior. Então o impacto da televisão, no primeiro momento, foi bastante significativo. E aí influenciou quase todos os outros meios, que tiveram que, de uma forma ou de outra, correr atrás para pegar esse realismo.” - Orivaldo Biagi

Um dos momentos televisivos de grande importância durante o período foi o pronunciamento do âncora da CBS, Walter Cronkite, que era a favor dos eventos no país asiático e, após analisar a sucessão de acontecimentos, mudou a sua opinião ao vivo.

A Guerra do Vietnã, diferente de conflitos anteriores, foi coberta por diversas mídias. Isso fez com que o confronto entrasse na rotina da população mundial. A sociedade recebia atualizações sobre o front todos os dias, como se fosse uma novela.

Por conta disso, muitos especialistas acreditam que aquela batalha foi a última em que houve liberdade de imprensa na cobertura. Isso porque a opinião pública se tornou tão crítica ao Exército norte-americano que nos conflitos posteriores os soldados teriam começado a censurar os jornalistas. Esse tipo de afirmação gera controvérsias. 

Não é que a cobertura foi autêntica, não é que ela foi livre, sem censura. É que ela ocorreu em uma época em que o governo dos EUA ainda estava aprendendo, ainda não estava familiarizado nem com as consequências das imagens midiatizadas nem com os mecanismos de censura.” - José Arbex Jr.
O mundo midializado passa pelo Vietnã. O Vietnã não o criou, podemos encontrar elementos já na Guerra da Coreia e outros eventos, mas com certeza ele trouxe à tona todos os problemas que estavam sendo discutidos, levantados. Ele puxou o tapete e jogou tudo no chão. A partir daí, nenhuma mídia mais foi a mesma. Às vezes pelo medo do descontrole que pareceu, ou com o excesso de controle, ou com uma liberdade meio assustadora, que inclusive vai dar nas fake news, nessa explosão de informações.” - Orivaldo Biagi

A liberdade de imprensa na cobertura de conflitos é algo relativo. Existem muitos fatores que influenciam o quão livre um jornalista pode estar para exercer a sua função em um confronto armado, por exemplo o local em que o profissional se hospeda e o acesso a determinadas bases para fazer a cobertura. Além disso, o envolvimento emocional do repórter com o conflito pode acabar transformando a sua cobertura em algo tendencioso. É natural do ser humano escolher lados. Isso pode ocorrer por conta do profissional ser natural de um dos países envolvidos, por acreditar que determinada nação está se posicionando corretamente ou então por simplesmente querer torcer para o lado mais fraco. Omitir ou diminuir a importância de informações, mudar a ordem dos fatos e enaltecer um acontecimento e menosprezar outro são maneiras de se praticar um jornalismo distorcido, o que pode ser feito de maneira proposital ou não.

Se você for descrever o que você fez hoje, você pode falar o seguinte: ‘bom, eu acordei às 6h, tomei café da manhã, tomei banho e fui trabalhar’. Ou então você vai descrever assim: ‘eu fui trabalhar de manhã, depois de ter tomado um banho e ter tomado um café, assim que eu acordei’. Você não está descrevendo a mesma coisa, porque na primeira narrativa, você está dando importância para o fato de que você acordou de manhã às 6h. Na outra narrativa, você está dando importância para o fato de que você foi trabalhar de manhã. A mera ordem de exposição dos fatos já indica uma preferência, uma opção narrativa, um ponto de vista, uma hierarquização de valores quanto às ações que você tomou.” - José Arbex Jr.

A guerra na ótica do cinema

Nos cinemas, é comum a produção de diversos filmes de guerra. Eventos como Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Guerra do Golfo, entre outros, possuem representações feitas pela sétima arte. Um exemplo recente foi o filme 1917 (2019), dirigido por Sam Mendes. O longa aborda a Primeira Guerra e concorreu ao Oscar 2020.

A Guerra do Vietnã já foi retratada diversas vezes nas telonas. Mesmo durante o confronto, Hollywood já estava produzindo filmes sobre o tema, como é o caso da obra Os Boinas Verdes (1968), dirigido por John Wayne e Ray Kellog. Até os dias atuais são feitas películas que, ou buscam reproduzir o evento, ou contam histórias ambientadas naquela época. Um exemplo é o longa Destacamento Blood (2020), que contou com Spike Lee na direção.

Cena do filme Destacamento Blood /Crédito: Divulgação/Netflix

O auge do lançamento desses filmes aconteceu durante as décadas de 70 e 80, principalmente após o término do conflito. Muitos diretores expressaram seus pensamentos sobre o evento por meio de obras cinematográficas. Foi uma época marcada pelo surgimento de diversas películas sobre essa temática, que inclusive receberam prêmios, como é o caso dos filmes O Franco Atirador (1978), Corações e Mentes (1974), Apocalypse Now (1978) e Platoon (1986).

A proposta de cada diretor varia de acordo com o filme.

Existem obras que tentam atingir um certo nível de realismo, porém precisam inserir elementos para tornar a película interessante ao espectador, o que pode comprometer a veracidade quando se narra os acontecimentos.

Os filmes sobre a Guerra do Vietnã deixam isso bem claro. Embora possuam elementos reais que ocorreram no confronto, ou então retratem um evento que de fato esteve presente na guerra, são misturados com ferramentas cinematográficas, que procuram prender a atenção do espectador na obra, deixando-a mais interessante para o público.

Portanto, nenhum filme reproduz os fatos com 100% de veracidade. Alguns buscam ser mais fiéis aos acontecimentos e outros apenas utilizam a ambientação de um evento para contar a história.

A violência, o sofrimento e a morte de inocentes em um conflito desprovido de razão fizeram com que o jornalismo e o cinema, cada um a seu modo, contribuíssem para que a guerra ganhasse a mente e a crítica de inúmeros cidadãos no mundo todo. Trata-se de um confronto bastante midiatizado, e que continua a render discussões e pesquisas, por mais distante que esteja do momento atual.

O jornalismo fez o registro histórico do combate, informou a população e contribuiu para o término do conflito. Afinal, sem as matérias da época, a sociedade não saberia dos horrores que estavam acontecendo no Vietnã e, por consequência, não existiria a pressão popular contra o governo norte-americano, que foi um dos principais fatores para que o país retirasse suas tropas do campo de batalha.

Enquanto isso, o cinema produziu filmes sobre o combate durante e após os acontecimentos. Embora nem todas as obras tenham seguido este padrão, a maioria reproduziu os horrores da guerra, criticando o governo estadunidense e contribuindo para que a população pudesse ter acesso a um ponto de vista artístico do evento, sensibilizando os espectadores e gerando uma reflexão no público.

A capacidade de autodestruição do ser humano sempre causou fascinação em alguns. Retratar esse aspecto é, dramaticamente, muito rico. A gente sempre foi muito bom em registrar isso.” Roberto Sadovski

Esta grande reportagem é parte do Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. A reprodução do material foi autorizada pelo autor para o site Aventuras na História.  

Autoria: Caio Henrique Borges Contador

Orientação: Profª. Dra. Patrícia Paixão

Este Trabalho de Conclusão de Curso não reflete a opinião da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Seu conteúdo e abordagem são de total responsabilidade de seu autor.

São Paulo, 2021/1