De forma clandestina, sem luz, instrumentos ou água, ela salvou, com as próprias mãos, a vida de muitas mulheres judias
Quando decidiu ser médica, Gisella Perl não imaginava que teria um papel crucial durante a Segunda Guerra Mundial. Nascida em uma família tradicionalmente judia, ela passou por diversos obstáculos para conseguir seu diploma — inclusive o próprio pai.
Com o atestado em mãos, a jovem trabalhou como ginecologista até meados de 1944, quando tropas nazistas invadiram o norte da Romênia. Junto de seu marido e filho, Gisella foi enviada para o campo de concentração de Auschwitz.
Começava, então, uma das experiências mais terríveis da vida da médica. Em condições insalubres, Gisella salvou a vida de centenas de mulheres interrompendo sua gravidez e, até mesmo, tirando a vida de recém-nascidos.
Planos obscuros
Tudo começou quando Josef Mengele, o médico conhecido como Anjo da Morte, determinou que Gisella trabalharia como ginecologista em Auschwitz. Muito além atender as mulheres, ela ainda era obrigada a reanimar judias que tinham o sangue extraído à força para os soldados da SS feridos em batalha.
Enquanto servia, no entanto, a médica percebeu um esquema brutal: sempre que mulheres grávidas chegavam ao campo, eram enganadas pelos nazistas. Acreditando que teriam ração extra, as futuras mães, na verdade, eram “espancadas, destroçadas por cães e jogadas no crematório. Vivas”, escreveu Gisella, posteriormente.
Em seu livro de 1948, Eu era uma médica em Auschwitz, a ginecologista conta que, logo que descobriu as atrocidades, decidiu fazer alguma coisa. “Dependia de mim salvar a vida das mães, se não havia outra maneira, destruindo a vida de seus filhos não nascidos”, lamentou nas páginas da obra.
Trabalho ingrato
Assim, sem quaisquer instrumentos ou suprimentos necessários, Gisella usou suas próprias mãos para realizar centenas de partos e abortos improvisados. Os terríveis procedimentos eram feitos durante a noite, enquanto todos dormiam, no escuro.
Ao todo, Gisella fez o parto de crianças no sétimo, sexto e quinto mês de gestação. Nesse sentido, ela conta, o pior dos dias foi quando pegou um bebê de três dias nas mãos, lhe deu um beijo de despedida e apertou seu pequeno pescoço até o ar acabar.
De forma melancólica, Gisella era a única saída de diversas mulheres que engravidavam no campo de concentração — onde o corpo era usado como moeda de troca para conseguir comida e água, produtos que apenas homens eram capazes de roubar.
Vida ingrata
Eventualmente, Gisella foi transferida para Bergen-Belsen, onde continuou trabalhando como ginecologista e parteira clandestina. Ela lembra que, quando as tropas britânicas finalmente chegaram ao campo, ela estava realizando mais um dos muitos partos.
Naquele dia, enquanto os prisioneiros eram soltos, Gisella ajudou na concepção do primeiro menino judeu nascido em liberdade em Bergen-Belsen. Aquele, contudo, estava longe de ser o fim para a médica.
Uma vez livre, ela descobriu que toda sua família, exceto uma filha que ficou na Romênia, foi morta pelos nazistas. Devastada, Gisella tentou tirar a própria vida, em 1947. Sem êxito, ela foi enviada para um convento francês, a fim de se recuperar.
Passado e pesadelo
Mais tarde naquele mesmo ano, a ginecologista mudou-se para os Estados Unidos junto de sua filha, onde foi acusada de crimes de guerra. Quando finalmente teve sua reputação limpa, publicou sua história, em 1948.
Aos 44 anos, Gisella finalmente recebeu sua cidadania norte-americana e passou a trabalhar em um hospital de Nova York. Ela seguiu seu trajeto como ginecologista e tornou-se uma especialista em tratamentos de pessoas inférteis.
Em 1979, a médica migrou para Israel junto de sua filha, onde passou resto de seus dias. Aos 81 anos, dona de uma das histórias mais impressionantes da Segunda Guerra Mundial, Gisella Perl faleceu, em dezembro de 1988.
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