Prestigiada por obras ficcionais em seu país-natal, a revelação de casos para outros países no começo da pandemia revoltou nacionalistas
Durante o início do ano de 2020, os olhos do mundo se viraram para o local que emergia como o epicentro de uma doença desconhecida, mas de graves reações e com altas taxas de transmissão.
O coronavírus que, posteriormente, seria mundialmente conhecido como covid-19 caminhava em passos largos em Wuhan, na China — que teve de intensificar as barreiras para evitar uma tragédia ainda maior.
Em janeiro, o governo chinês impôs o confinamento em massa dos cidadãos locais buscando frear a crise sanitária que, até então, parecia incontrolável.
Por lá, no entanto, vive Fang Fang, uma aclamada escritora de ficção do país e que, aos 64 anos de idade, teria de cessar as atividades cotidianas para evitar o contágio.
Fang já tinha uma carreira consolidada; em 2010, havia vencido o prêmio literário de maior prestígio da China e teve obras traduzidas para diversas línguas.
Contudo, o isolamento social resultou em uma nova ideia por parte da escritora, que decidiu mudar a vertente criativa e começou a escrever crônicas, misturando as sensações da distância com fatos jornalísticos. Dessa maneira, passou a divulgar um diário em suas redes sociais.
Propagação mundial
A projeção local fez com que os artigos de Fang começassem a viralizar por todo o país — tanto pelas redes sociais locais, quanto por veículos de imprensa alternativa — chegando a ser traduzido por Michael Berry.
Diariamente, os relatos sobre os casos e acasos em Wuhan passaram a alcançar o mundo, se tornando uma fonte de compreensão exterior.
Abordando temas como a injustiça social e política, um dos principais relatos de Fang tratou de externar o caso do médico Li Wenliang, primeiro a iniciar uma corrente em um aplicativo de mensagens informando que havia uma doença potencialmente grave, sendo posteriormente obrigado pelo governo a assinar um termo assumindo que tal fato era mentira e, por fim, falecendo de covid-19.
Tal caso recebeu ampla cobertura internacional, o que acabou resultando em um fenômeno social — inclusive pelo lado negativo que, por via de movimentos ‘cibernacionalistas’, passaram a se revoltar com o fato de Fang propagar os problemas do país internacionalmente.
Além de apoiadores da pátria, a escritora acabou colocando o dedo da ferida do governo, se tornando um obstáculo.
'Traidora'
Em meio a uma situação de tensão entre a diplomacia chinesa com o presidente americano Donald Trump — que constantemente acusa a China de ser culpada de causar a atual crise sanitária mundial — a descoberta de que a editora estadunidense HarperCollins tinha interesse em traduzir todos os textos diários e compilar em um livro caiu como uma bomba para a imagem da respeitada escritora em seu país-natal.
O argumento de que os fatos noticiados serviam de munição para os contrários ao modelo econômico e político do país movimentou milhares de críticas no Weibo, rede social chinesa semelhante ao Twitter.
Mesmo assim, o lançamento não foi interrompido, sendo publicado em inglês no mês de março e traduzido para o português em julho.
Em sua defesa nas redes sociais, Fang negou qualquer conspiração e fez questão de defender a liberdade do conhecimento: "Se as pessoas com segundas intenções no exterior quiserem usar o livro dessa maneira deliberadamente, o farão de qualquer maneira. Devemos deixar de publicá-lo simplesmente porque alguém quer usá-lo de maneira inadequada?", concluiu.
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