Promotor do caso Richthofen, Roberto Tardelli foi marcado por um momento específico do julgamento
Em 2017, Roberto Tardelli deu uma entrevista exclusiva ao portal Consultor Jurídico a respeito de momentos marcantes de sua carreira, incluindo o julgamento de Suzane Von Richthofen e dos irmãosCravinhos, no qual atuou como promotor.
Juntos, os três elaboraram e executaram o brutal assassinato dos pais da garota, Manfred e Marísia, na noite de 31 de outubro de 2002. O crime de teor impensável chocou o Brasil, e, como resultado, continua sendo relembrado até os dias atuais.
O caso chegou a ser retratado em uma trilogia de filmes: os dois primeiros, "A Menina Que Matou os Pais" e "O Menino Que Matou Meus Pais", foram lançados juntos em 2021, enquanto o terceiro, "A Menina Que Matou os Pais - A Confissão", estreou no Amazon Prime na última sexta-feira, 27.
A nova produção tem como foco a investigação policial conduzida pelas autoridades após o duplo homicídio, retratando como os policiais encontraram evidências para indiciar o trio de suspeitos.
Embora o país já tivesse se voltado contra Suzane após entrevista sua ao programa Fantástico, em que os microfones capturaram o áudio de seu advogado a orientando em relação a como agir e o que dizer, o caso Richthofen não parecia um em que "estava garantida a condenação", segundo revelou Roberto Tardelli, muito pelo contrário.
Primeiro, [porque] era uma situação inédita. Como é que uma menina dessas, bonita e rica, mata pai e mãe? Alguma coisa aconteceu. Quem são esses dois [irmãos Cravinhos]?", explicou ao Consultor Jurídico.
Daniel Cravinhos, em particular, o irmão mais novo e também o namorado de Suzane, teria sido retratado como "uma pessoa francamente espetacular" no julgamento, conforme os relatos do promotor, o que causou mais perplexidade.
Esse menino não falava palavrão, nunca bebeu na vida. Ele era o quarto aeromodelista do mundo. Nesse mundo, quem toma uma cerveja na quinta-feira não compete no domingo. É alguém que tem que ter a destreza em milésimo de milímetro. É um atleta mundial. O Daniel é um dos raríssimos aeromodelistas projetistas. Ele faz o próprio avião. Se ele não tivesse entrado nessa, iria morar no Estados Unidos, ia ficar milionário", apontou Tardelli.
A dado ponto do julgamento do rapaz, aliás, o promotor, assim como diversos outros presentes no tribunal, acabaram sendo levados às lágrimas devido ao caráter trágico da situação.
Teve um momento eu nunca vou esquecer. Um senhor, absolutamente respeitável, presidente então da Federação de Aeromobilismo foi perguntado: 'Onde o senhor conheceu o Daniel?'. 'Eu conheci o Daniel no berçário. Eu vi o parto do Daniel'", narrou o profissional de Justiça.
O testemunho desse homem, que estava transtornado com a ideia de que o rapaz havia cometido um crime tão horrível, acabou despertando a emoção do júri, dos advogados e do próprio Tardelli.
"Ele foi amigo do pai do Daniel desde que tinha quatro anos. Foi uma amizade de 66 anos. E ele disse: 'Não há um dia na minha vida em que eu não tenha falado com o Cravinhos. Eu não me lembro de ter. Ele é muito mais que um irmão, cresceu na minha casa, cresceu comigo. Tinha senha bancária, tinha tudo. Eu estou em um pesadelo. Eu sei disso. Eu tive um sonho horroroso'. Então esse homem levanta e abraça o Daniel. Os dois explodem em choro. Todos os jurados chorando. Eu chorei. Os advogados também.", acrescentou.
O momento impactou o promotor de tal forma que mudou sua visão a respeito do sistema judicial. Em diversos pontos de sua entrevista ao site Consultor Jurídico, aliás, Roberto Tardelli fala de como se posiciona de forma contrária ao punitivismo, vendo os réus com uma postura mais humanizada.
Quando acabou aquilo, eu estava absolutamente desplugado da ideia de punitivismo. Eu olhava para o traficante e não conseguia mais ver gravidade na atividade dele. O que pode ser mais grave do que matar pai e mãe? Qual é o limite disso?", concluiu ao veículo.