Canção baseada em amiga do líder do Legião Urbana se tornou um clássico da música brasileira
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 22/01/2022, às 09h00 - Atualizado em 18/01/2024, às 17h44
“Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar/ Ficou deitado e viu que horas eram/ Enquanto Mônica tomava um conhaque/ No outro canto da cidade/ Como eles disseram”
'Eduardo e Mônica' era um casal nada convencional, símbolos de como os opostos podem se atrair e nutrir uma relação forte e duradoura. Afinal, ‘quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?’.
O clássico foi escrito por Renato Russo e lançado em 1986, como parte do álbum ‘Dois’. Uma das músicas mais lembradas e adoradas do Legião Urbana até hoje, 'Eduardo e Mônica' transcende gerações e é uma das grandes canções da música brasileira.
Mas, por mais que muitos já saibam de cor as virtudes e preferências de cada um desses personagens, além das férias frustradas pelo fato do ‘filhinho do Eduardo ficar de recuperação’, poucos têm o conhecimento das pessoas reais que inspiraram Renato Russo a compor cada verso da música.
Apesar da descrição detalhada de cada um dos atores dessa canção, as figuras que inspiraram 'Eduardo e Mônica' não eram bem assim de verdade, embora eles realmente existam e estão juntos até hoje.
A faixa foi inspirada no relacionamento de uma das grandes amigas de Renato Russo, a artística plástica Leonice de Araújo Coimbra, que é casada com Fernando Coimbra.
Renato e Leonice eram tão próximos que os dois sempre se falavam por telefone, por onde o líder do Legião Urbana lhe mostrava as novas letras que escrevia. Um certo dia, porém, Renato Russo lhe mostrou uma música que compôs inspirada na relação dela com Fernando.
"Sempre que ele compunha ele me ligava, ou ligava para outras amigas, para mostrar. E aí certa noite ele me ligou e disse que a música era para nós. Eu, honestamente, não estava nem aí naquele momento. Foi só com o tempo que eu fui reconhecer o tamanho do presente que ele, o melhor amigo que eu tive em toda a vida, me deu", explica em entrevista à Folha de S. Paulo.
Leonice conta que o 'pouco caso' que fez da letra se deu pelo fato dela se identificar pouco com a personagem descrita por Renato. Afinal, ela jamais estudou medicina e também é só um pouco mais velha que o marido, o qual considera o real intelectual da relação.
“Da canção, só me encaixo quando ele diz que Mônica adorava filmes de Godard e tinha tinta no cabelo — como sou artista plástica, às vezes tinha mesmo tinta no cabelo”, revelou Mônica, ou melhor, Leonice em entrevista à revista Flashback em 2004.
A mulher conta que alguns aspectos de sua vida foram adaptados na música. Leonice, por exemplo, não sabe falar alemão, mas uma de suas avós era alemã — daí pode vir a explicação .
Além do mais, na época que a canção foi lançada, ela já tinha três filhos, todos pequenos. A mulher agradece o fato de nenhum deles ter ficado de recuperação. “Na época da música, os meninos eram pequenos, e nenhum ficou de recuperação”.
Talvez o que ele quisesse mostrar é que duas pessoas podem se encontrar, se casar e ser felizes juntas, mesmo que venham de realidades diferentes”, disse à revista.
Atualmente, Leonice mora no México, em virtude do trabalho do marido. Fernando é embaixador do Brasil no país — algo que combina pouco com o que vemos de Eduardo. Nina Coimbra, filha do casal, que também é artista plástica, enxerga o pai como o completo oposto do personagem retratado por Renato.
Na música o Eduardo parece um pouco bobo, ingênuo, e meu pai não é nada disso", diz à Folha.
"Eu acredito que o Renato escreveu essa música idealizando um pouco a minha mãe; o que faz sentido, porque ele era mais próximo dela. Mas a energia da história, esse encontro de amor, isso realmente existe, porque eles são referência de um casamento bacana, são mesmo como 'feijão com arroz'”, completa.
Leonice e Fernando conheceram Renato Russo na década de 1980, quando o casal frequentava o centro acadêmico da Universidade de Brasília, onde ele cursava antropologia na instituição.
Na época, o músico passou por lá para se apresentar com sua banda. Leonice diz que ficou encantada com a apresentação. "Nós nos apaixonamos fraternalmente de cara".
A relação entre ela e o líder do Legião se fortaleceu quando os dois trabalhavam em um jornal publicado pelo Ministério da Agricultura. Nos anos 1990, ela conta que fez uma viagem com Fernando para Nova York.
Quando chegaram na porta do estúdio que haviam alugado, o casal teve uma surpresa: Renato estava na porta, pedindo para se hospedar com eles. Leonice revela que a ideia não agradou muito, de início, mas recorda das férias como uma experiência “bárbara”.
Por conta da profissão de Fernando, a família passou a mudar constantemente de país. Porém, nem mesmo a distância impediu a relação de amizade se fortalecer. Por conta do fuso horário, Leonice conta que sempre recebia ligações de Renato em horários nada convencionais.
Eu lembro de ter, durante a infância, essa noção de que o amigo da minha mãe era um pop star. E o Renato gostava disso. Quando estávamos no Brasil, ele ia nos buscar na escola, fazia tudo ser uma grande cena, com todo mundo enlouquecido. Ele gostava de estar entre crianças, receber esse tipo de afeto, de um público que dava uma atenção menos agressiva para ele", explica Nina.
Segundo a Folha, as viagens da família também inspiraram Renato a escrever outra canção para a amiga: “Uma Outra Estação”, que faz parte do álbum com o mesmo nome, que foi lançado em julho de 1997.
“Voltarás na terça-feira/ És fogo e gelo ao mesmo tempo/ E vai ser bom/ Do Equador, da Venezuela, do Uruguai/ Teremos o fim de semana só para nós", diz um trecho da canção, que foi composta quando Leonice morava no Equador.
Aos 63 anos, Leonice lembra de Renato, que morreu em 1996 em decorrência de complicações da Aids, como seu segundo amor de juventude. O primeiro e maior deles é Fernando, obviamente, e com Renato Russo era uma paixão ‘não romântica’.
Casada com o diplomata a 42 anos, ela conta que os dois começaram a namorar na época em que frequentavam as mesma festas nos anos de faculdade. Apesar de, num primeiro momento, as conversas entre os dois eram sempre amenas. “Mas aí teve um dia que aconteceu e nós começamos a namorar”, explica Leonice.
"No fim, não tem a menor importância se essa história tem a ver ou não comigo. Eu não quero soar clichê, mas a verdade é que o importante mesmo é entender que nós nada seríamos sem amor. ‘Eduardo e Mônica’ fala de uma história que deve se repetir aos montes por aí, e eu fico muito honrada de a ter motivado de alguma forma”, conclui.