A pedido da escritora, a entrevista foi publicada após sua morte, que ocorreu meses depois da gravação
Em 1977, a escritora Clarice Lispector concedeu ao repórter Júlio Lerner, da TV Cultura, aquela que seria sua última entrevista. A autora, no entanto, surpreendeu o jornalista ao pedir, ao final da gravação, que publicasse aquelas revelações somente após a sua morte.
E assim foi feito. Ela faleceu dez meses depois em decorrência de um câncer de ovário que, infelizmente, foi diagnosticado tarde demais. A conversa com Lerner, porém, rendeu uma série curiosidades sobre a autora até então desconhecidas.
A seguir confira 5 desses fatos revelados na icônica entrevista.
Uma das maiores surpresas para os apreciadores da obra de Clarice e também para a própria escritora foi descobrir que sua mãe também tinha um dom para a escrita. A verdade é que Lispector descobrira, pouco tempo antes, que sua progenitora mantinha um diário e elaborava poesias.
"Eu soube ultimamente, para minha enorme surpresa, que minha mãe escrevia. Não publicava, mas escrevia", disse a escritora, que soube desse fato por meio de uma tia. A autora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, no entanto, nunca teve a oportunidade de ler uma obra da mãe.
"Eu tenho uma irmã, Elisa Lispector, que escreve romances", prosseguiu Clarice. "E tenho outra irmã, chamada Tânia Kaufman, que escreve livros técnicos".
"Antes de sete anos eu já fabulava, já inventava histórias, por exemplo, inventei uma história que não acabava nunca. Quando comecei a ler comecei a escrever também. Pequenas histórias", revelou Lispector a Lerner, segundo informações da revista Bula.
Ela também teceu considerações sobre sua produção durante a adolescência que, conforme a autora, seria "caótica, intensa, inteiramente fora da realidade da vida."
De acordo com Clarice, muito antes de publicar seu primeiro livro, ela já escrevia para revistas e jornais.
Apesar de muito tímida, a escritora contou que nunca deixou de ser ousada para fazer aquilo que queria.
"Chegava lá nas revistas e dizia: 'Eu tenho um conto, você não quer publicar?' Aí me lembro que uma vez foi o Raimundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: 'Você copiou isso de quem?' Eu disse: 'De ninguém, é meu'. Ele disse: 'Você traduziu?' Eu disse: 'Não'. Ele disse: 'Então eu vou publicar'. Era sim, era meu trabalho."
Lispector revelou, durante a conversa, que costumava ter períodos de produção intensa intercalados com "hiatos em que a vida fica intolerável".
Questionada sobre a duração dessas pausas, a escritora respondeu que "depende". "Podem ser longos e eu vegeto nesse período ou então, para me salvar, me lanço logo noutra coisa."
Embora seja uma personalidade bastante respeitada em seu meio, Clarice surpreende nessa entrevista ao dizer que não se considera uma profissional. Para ela, o fato de escrever apenas quando tinha vontade a tornava uma amadora.
"Eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever. Ou então com o outro, em relação ao outro. Agora eu faço questão de não ser uma profissional para manter minha liberdade."
Apesar de ser mais conhecida por obras voltadas ao público adulto, a autora também chegou a criar obras para crianças, o que, segundo ela própria, teve início a partir de um pedido de seu filho.
"Começou com meu filho quando ele tinha seis anos, seis ou cinco anos, me ordenando que escrevesse uma história para ele. E eu escrevi. Depois guardei e nunca mais liguei. Até que me pediram um livro infantil. Eu disse que não tinha", revelou.
"Eu tinha inteiramente esquecido daquilo. Era tão pouco literatura para mim, eu não queria usar isso para publicar. Era para o meu filho. Aí lembrei: 'Bom, tenho, sim'. Então foi publicado. Foram publicados três livros de literatura infantil e estou fazendo o quarto agora."