Entenda como surgiram os títulos que hoje, são imprescindíveis para o reconhecimento de qualquer pessoa
O uso de sobrenomes pode ter surgido na China há quase 5 mil anos. Em 2852 a.C., o mitológico imperador Fuxi teria criado o uso da identificação familiar para facilitar o recenseamento da população e melhorar a administração do Estado.
Era uma revolução no modo como as pessoas se relacionavam até então. Desde a Pré-História, o homem se identificava apenas pelo primeiro nome. Mesmo os antigos gregos, um pouco mais tarde, eram identificados somente pelo nome próprio.
Alguns mais conhecidos usavam como complemento uma informação geográfica (como Tales de Mileto) ou de filiação (como Aristides, filho de Lisímaco), o que conhecemos hoje por sobrenomes toponímicos e patronímicos. É possível notar esse costume também entre os hebreus: José de Arimateia, Jesus de Nazaré ou Simão, filho de Jonas.
Mas nesse tempo ainda não havia o conceito de identificar um grupo familiar por várias gerações com o mesmo “sobrenome”. Foi na antiga Roma que a prática se refinou. Com o passar do tempo e a burocratização do Estado, além do praenomen (o nome próprio ou prenome), os romanos passaram a usar uma classificação por “nomes” para identificar cada indivíduo. O nome próprio vinha primeiro, depois o nomem, que designava o clã ou tribo de origem, e, por último, o cognomen, que designava a família.
Os romanos ilustres acrescentavam ainda um quarto nome, o chamado agnomen, que era usado para celebrar feitos memoráveis. Assim, Júlio César era “Caius Iulius Caesar” (prenome Caio, do clã Júlia, da família César) e seu filho adotivo e herdeiro, o imperador César Augusto adotou o agnome Augustus, “o divino”.
Quando o Império Romano desintegrou-se no século 5, a utilização de nomes próprios sem identificação dos nomes de família tornou-se costume novamente. Isso porque as tribos bárbaras germânicas, responsáveis pela queda de Roma, não conheciam o uso de sobrenomes. Assim como os antigos gregos e hebreus, eles faziam tão somente o uso de referências geográficas ou de filiação
Isso perdurou até próximo à virada do primeiro milênio. Nessa época, com o aumento populacional nos centros urbanos, os nomes próprios já não eram mais suficientes para distinguir as pessoas. Com o surgimento das disputas quanto ao direito de sucessão de terras e bens entre os senhores feudais, foi preciso encontrar algo que indicasse vínculo com o proprietário, para que os filhos ou parentes pudessem tomar posse da terra ou dos bens, antes que outra pessoa com o mesmo nome tentasse se passar por herdeiro.
Da importância de deixar registrados todos os atos políticos, econômicos e religiosos da nobreza surgiu a necessidade de identificar com exatidão quem era quem. No entanto, mesmo tendo sido a origem para a grande maioria dos sobrenomes usados hoje, na Idade Média boa parte deles nada tinha a ver com os nomes de família. Isto é, eles não eram hereditários, não eram passados de pai para filho.
A primeira referência ao uso hereditário do sobrenome surgiu em Veneza, no norte da Itália, no século 9, chegando depois à França no século 11 e à Inglaterra 100 anos mais tarde. Três séculos depois, já era possível reconhecer uma linhagem familiar mesmo entre aqueles que não possuíam títulos de nobreza. A Reforma Protestante, em 1517, contribuiu muito para a popularização do uso de sobrenomes.
A partir do ano de 1524, os pastores começaram a anotar e manter os registros de casamentos e batismos em suas igrejas como forma de contabilizar seus fiéis. Depois do Concílio de Trento (1545-1563), os católicos passaram a fazer o mesmo.
Os primeiros registros apontavam nada mais do que simples apelidos ou alcunhas, por isso os sobrenomes indicavam geralmente características físicas, lugares de origem, as profissões ou o nome dos pais. Algo semelhante ao que faziam os gregos antigos, os hebreus e também os bárbaros germânicos. Mas como diferenciar duas pessoas de nome próprio João que moravam na mesma cidade?
Era acrescentado um “alfaiate” ao nome do João que costurava. Ou, então, se já existisse um João Alfaiate, era anotada uma característica física: “pequeno”, se ele fosse baixo. Assim, o uso dos sobrenomes se tornou comum mesmo entre as camadas mais baixas da população, não sendo mais exclusividade da nobreza ou da burguesia.
Um pouco mais tarde, entre o final do século 17 e o início do século 19, eles se tornaram hereditários e permanentemente fixos a uma família. Para qualquer fim, fosse civil ou religioso, o homem comum poderia então comprovar por meio de documentos o pertencimento a uma determinada família.
É por isso que é possível hoje rastrear, com relativa facilidade, raízes familiares até a Guerra dos Trinta Anos. Pode-se chegar, em alguns casos, até a época da Reforma — ou mesmo antes. Fazer a genealogia de uma família pode ser uma viagem fantástica.
Mas a popularização do costume de usar sobrenomes não padronizou as formas de usá-lo. Cada país adotou uma maneira de transmitir para a geração futura o nome da família. Entre os alemães, por exemplo, o sobrenome paterno era mantido em evidência, enquanto na Península Ibérica o sobrenome do pai era privilégio dos primogênitos, e às mulheres cabia, quando muito, receber nomes santos.
Mesmo dentro da cultura ocidental existem formas variadas de apresentar os nomes. Na maioria dos países, o nome próprio precede o sobrenome. Já nas culturas africana e oriental é comum o sobrenome preceder o prenome na ordem do nome.
Nos países de língua inglesa, na França e na Alemanha, pelo menos entre alguns protestantes, a mulher usa apenas o sobrenome do marido depois de casada e os filhos recebem somente o sobrenome paterno.
Nos países da Península Ibérica e na América luso-hispânica, de forma geral, não sendo uma regra seguida à risca, o costume é que a mulher receba o nome do marido e mantenha o de um dos genitores (o pai, quase sempre) ou mesmo o dos dois.
Na sequência, os filhos do casal recebem os dois sobrenomes (do pai e da mãe). Sendo filha, ela irá perder o materno ao casar, em detrimento ao do esposo. Esse ainda é um costume atual muito usado no Brasil, mas que vem mudando.
Historicamente, no entanto, entre os portugueses e os brasileiros do período colonial não era comum que a filha recebesse o nome do pai. Nem os filhos homens mais novos. Em Portugal, durante os tempos da monarquia e pré-Revolução Francesa, as filhas recebiam o sobrenome materno ou alguma alcunha religiosa, como dos Anjos, Assunção, da Conceição, etc.
Os filhos do sexo masculino não primogênitos, por sua vez, recebiam sobrenomes de outros membros da família, muitas vezes o sobrenome do avô paterno. Geralmente apenas o filho homem mais velho levava à frente o sobrenome paterno, assim como o título de nobreza, quando era o caso.
Com mais de três séculos de colonização lusa é natural que os sobrenomes mais comuns no Brasil hoje tenham origem portuguesa. É fácil encontrar um brasileiro que tenha familiar com sobrenome Silva, Santos, Oliveira, Souza, Rodrigues, Costa, Cardoso, Pereira, Almeida, Nascimento e tantos outros. Para ter uma ideia, somente os quatro primeiros, juntos, representam um quarto do total da população brasileira.
Muitos portadores desses sobrenomes não eram católicos: um de cada três portugueses que desembarcavam em terras brasileiras durante o período colonial era cristão-novo, ou seja, judeu. Em 1492, os mais de 120 mil judeus espanhóis expulsos pelos reis católicos foram para Portugal, onde já viviam outros 100 mil judeus portugueses (10% da população lusa na época).
Em 1497, o rei dom Manuel I assinou um decreto que forçava os judeus à conversão. Ou aderiam ao cristianismo ou seriam expulsos do país. Convertidos à força, mas seguidos de perto pela Inquisição, muitos vieram para o Brasil.
Para despistar os inquisidores e se integrar na colônia, parte deles adotou sobrenomes tipicamente portugueses, como Oliveira ou Silva, de famílias nobres cristãs na Europa e que não tinham nenhuma ligação com o judaísmo.
Segundo pesquisa da historiadora Anita Novinsky, autora do livro 'Os Judeus que Construíram o Brasil', os sobrenomes mais usados por cristãosnovos, identificados nos processos inquisitoriais, eram Rodrigues, Nunes, Henriques, Mendes e Correia.
No Brasil, portugueses (cristãos ou judeus) miscigenaram-se com a população indígena local e a escrava, trazida da África. Índios e negros adotaram o sobrenome de seus senhores e ajudaram a multiplicar o sobrenome de algumas famílias. Mesmo sem parentesco algum.
No século 19, começaram a chegar outros povos europeus e asiáticos, como alemães, italianos e japoneses, o que transformou o Brasil num caldeirão étnico notado não apenas pelo colorido das raças mas também pela identificação dos nomes de famílias.