Donos da Marinha mais poderosa do mundo entre os séculos 5 e 3 a.C., os imponentes cartagineses criaram uma construção que combinava defesa, proteção e comando naval
Entre os séculos 5 e 3 a.C., uma civilização sediada na África dominava todo o Mediterrâneo ocidental, da Sicília até a Espanha. Eram os cartagineses, descendentes dos fenícios e donos da mais poderosa Marinha do mundo. Um império comercial que não pôde ser contestado nem pelos poderosos gregos.
No coração desse império — em verdade, desde 308 a.C. uma república — estava o Cothon, o engenhoso Porto de Cartago, reproduzido em menor escala em diversas outras colônias. Era uma espécie de castelo marinho, reunindo em um só lugar a defesa, a construção e proteção de navios e a sede do comando naval, sem perder de vista o comércio — que era, afinal, a principal atividade dos cartagineses.
Cartago encontraria um rival mortal em Roma, que acabaria por destruir a capital — e a civilização — por completo em 146 a.C. Mas, se a História tivesse sido só um pouquinho diferente, hoje estaríamos falando uma língua semítica, derivada do fenício cartaginês, no lugar do latim. Durante a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.), o general Aníbal Barca conquistou quase toda a Itália, deixando o nascente Império Romano de joelhos.
Mas a longa ofensiva, sem conseguir tomar a capital, acabou exaurindo seus exércitos, e os romanos levaram a melhor, vencendo a guerra. Cinquenta anos depois, eles quitaram a fatura, na terceira e última Guerra Púnica, que varreu a cultura cartaginesa do planeta.
Cartago foi fundada pelos fenícios, que são os inventores das trirremes, os primeiros navios de propósito exclusivamente militar, com um aríete de bronze para abalroar outros navios. Na época das Guerras Púnicas, elas haviam evoluído para quinquerremes, maiores e com cinco remadores por fileira.
A saída do Cothon era bloqueada com grandes correntes, para impedir a invasão por navios inimigos. Era também protegida por duas torres com arqueiros e catapultas. E funcionava: entre 149 e 146 a.C., quando Cartago foi cercada pelos romanos e finalmente conquistada, os invasores tiveram de atacar por terra.
Assim como seus ancestrais fenícios, a principal atividade dos cartagineses era o comércio marítimo. Em contraste com as trirremes, os navios comerciais eram altos e arredondados, para abrir espaço para a carga. Dependiam principalmente das velas para a propulsão — uma fi leira de remos servia para quando o vento não ajudava.
Uma ilha artificial no centro do porto militar abrigava o coração da Marinha cartaginesa, onde seus navios eram construídos e reparados. As rampas, usadas para tirar e trazer os navios da água, vários deles ao mesmo tempo, sobreviveram até hoje nas ruínas da cidade, na Tunísia.
O centro de decisões da Marinha — a principal parte de suas Forças Armadas, porque o Exército dependia principalmente de mercenários — também ficava na ilha artificial. Do alto do prédio, almirantes podiam enxergar qualquer movimento de navios inimigos no mar, enquanto nada do Cothon era visível de fora.
A frota de Cartago ancorava nas docas circulares internas, que permitiam abrigar até 220 navios de guerra. A frota total tinha mais de 350 deles — as docas eram mais usadas para abrigá-los em meses de inverno, quando a navegação era mais difícil. Em tempos de paz, a frota era distribuída para patrulhar as rotas comerciais contra piratas.
Cartago nasceu de um entreposto comercial fenício em 814 a.C., e tornou-se independente em 650 a.C., ganhando fortes influências, que varreram as cidades originais, Tiro, Sidon e Biblos, no atual Líbano e Síria. Era uma civilização cosmopolita, que misturava elementos da arquitetura e artes gregas à sua tradição original semítica.