Relatos que resultaram na 'Operação Carne Moída' é relembrada em impressionante filme da Netflix
Publicado em 01/05/2022, às 00h00 - Atualizado em 22/05/2022, às 08h00
Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, os Aliados traçaram uma importante missão: invadir a Itália. A operação tinha como alvo a região da Sicília, visto que o domínio da ilha significaria o controle da navegação do Mar Mediterrâneo.
Entretanto, devido à importância do objetivo, o local estava muito bem resguardado pelas tropas do Eixo. Como driblá-las? Eis que surge a ousada Operation Mincemeat, ou Operação Carne Moída, que usou um cadáver para isso. Agora, a história digna de roteiro de um filme, de fato, se tornou um. O filme 'O Soldado que Não Existiu' pode ser assistido na Netflix.
Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos tentaram surgir como heróis para derrubar Adolf Hitler do poder, mas podemos dizer que somente o galês Glyndwr Michael conseguiu fazer isso de olhos fechados. E isso não se deve pela facilidade que ele teve para tal ato, mas sim porque ele estava morto. Mesmo assim, se tornou um herói.
Se isso já pode parecer uma maluquice por si só, a história sobre o fim da vida do combatente galês é ainda mais bizarra. Quem narra sua trajetória é o historiador Ben Macintyre, autor do livro "Operation Mincemeat" , que ganhou uma versão cinematográfica produzida pela Warner Bros.
Glyndwr Michael é possivelmente o herói mais improvável de toda a Segunda Guerra Mundial", define Macintyre.
"Ele fugiu do País de Gales para Londres para escapar da pobreza extrema durante a Grande Depressão da década de 1930. Seu próprio pai cometeu suicídio após o colapso do trabalho na mineração”, prossegue, conforme repercutido pela BBC.
De acordo com o pesquisador, o cadáver de Glyndw foi encontrado em um galpão em Londres. O laudo forense da época aponta que ele morreu por ter tomado um veneno. Mas, Ben acredita que o combatente não queria se matar. "Acho que Michael deveria estar com tanta fome que comeu pão envenenado por engano".
Independente dos fatos que deram fim a história em vida de Michael, sabe-se que seus restos mortais foram levados ao médico e advogado britânico Bentley Purchase. É aí que a jornada do herói se inicia.
A chegada do galês veio em ótimo momento. Afinal, Bentley já buscava o corpo de uma vítima que tivesse ferimentos semelhantes a de uma pessoa que pulou de um avião, mas deu o azar do paraquedas não abrir. Michael, de certa forma, serviu suprir para essa necessidade.
Com isso, seu corpo foi enviado até os agentes Charles Cholmondeley e Ewen Montagu. Começava ali a transformação do combatente trapalhão Glyndwr Michael no comandante William Martin. Ele serviria como uma isca para entregar planos falsos em fronteiras inimigas, visto que, como já estava morto, não sofria mais nenhum risco real, obviamente.
Mas antes disso, Cholmondeley e Montagu tiveram muito trabalho a se fazer. Glyndwr, ou melhor, Martin, não poderia ser apenas uma pessoa que apareceu morta por aí. A história precisava ser bem elaborada.
O primeiro passo foi dar à ele uma identidade falsa. O nome, William Martin, também foi escolhido propositalmente: era relativamente comum entre fuzileiros britânicos. Comum o bastante para não chamar a atenção.
O cargo militar dado a ele, de capitão, também foi bem pensado, tendo em vista que não era nenhum membro do alto escalão para ter seu rosto reconhecido pelos agentes do Eixo, mas, tampouco, era alguém de baixa relevância, que num contexto plausível não carregaria de modo algum documentos supersecretos.
A mala que o acompanhou também foi montada propositalmente com itens básicos: um molho de chaves, o recibo de compra de uma camisa nova, uma cartela de cigarros, o canhoto dos ingressos de um espetáculo teatral e até mesmo uma carta escrita por seu pai, além do aviso de cheque especial do banco. Tudo isso preenchido com tinta especial para não borrar na água.
À BBC, Bentley apontou que o sujeito até mesmo ganhou uma noiva. Tratava-se de Pam, que na vida real foi a oficial da inteligência britânica, Jean Lesley. "O nível de detalhes em que eles entraram foi incrível — eles até vestiram o suposto uniforme e peças íntimas de Martin para que parecessem roupas usadas na medida certa".
Tive a sorte de conhecer 'Pam' [Jean Lesley] quando tinha 80 anos, e ela me levou pelo rio Tâmisa até o ponto em que ela e 'William' supostamente ficaram noivos. À época, a esposa de Montagu se convenceu de que ele estava tendo um caso”, completa.
Com todos os detalhes prontos, chegou o dia da missão. Martin foi levado até a Escócia e de lá navegou por mais 10 dias no submarino HMS Seraph antes de ser despachado no “ponto de entrega”. Com o cadáver nas águas, o impulso feito pelos motores do submarino o jogou até uma corrente que o empurrou à costa espanhola.
Assim, no dia 30 de abril de 1943, o cadáver de William foi encontrado por um pescador de sardinha perto da cidade de Huelva. Logo seus documentos falsos estavam sob a posse da inteligência militar alemã. Os arquivos diziam que os Aliados se preparavam para uma investida na Grécia. Hitler se convenceu das evidências.
Um fato que ajudou isso, diz o pesquisador, foi um item que estava junto a Martin."Uma das cartas do pai de Martin foi supostamente escrita de um hotel em Mold [uma cidade galesa”.
Quando eu estava pesquisando meu livro, voltei ao registro original do hotel, e realmente havia o nome do Sr. Martin escrito na data correta da carta. Os detalhes da história são incríveis”, aponta.
Além disso, um telegrama falso enviado dos britânicos aos espanhóis, que fora interceptado pelos alemães, corroborou com a narrativa. "Documentos secretos provavelmente em uma pasta preta. Informações necessárias o mais rápido possível. Devem ser recuperadas imediatamente. Deve-se tomar cuidado para que não caia em mãos erradas".
Com o deslocamento das tropas do Eixo para conter o avanço falso dos Aliados, a invasão à Sicília começou. Cerca de um mês depois, em 10 de julho de 1943, a região foi tomada. A Itália fascista foi sendo dissolvida aos poucos e, em 28 de abril de 1945, o líder Benito Mussolini foi executado em praça pública. Hitler cairia apenas dois dias depois.
Com o sucesso da missão, que ajudou a encurtar a Guerra e, consequentemente, salvar centenas de vidas, o corpo de Glyndwr Michael acabou sendo enterrado em Huelva. Ele recebeu todas as honras militares pelo feito. "A única coisa que ele fez que valeu a pena aconteceu depois de sua morte”, descreveu Montagu sobre a missão protagonizada pelo galês.